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Cena de “Eternos”, novo filme da Marvel.
Cena de “Eternos”, novo filme da Marvel.| Foto: Divulgação

Eternos, novo filme da Marvel, acaba de ser lançado no cinema. Dirigido por Chloé Zhao, o longa faz parte de um portfólio de heróis um pouco desconhecido do grande público. Para nos ajudar a respeito de quem são os Eternos, trouxe Vicente Renner para uma conversa. Ele é responsável pelo excelente site New Frontiersnerd e pelo podcast Episódio Piloto, e manja muito de história em quadrinhos.

Vicente, antes de irmos direto ao ponto acerca de Eternos, fale um pouco do seu interesse por história em quadrinhos, e nos conte também sobre seu podcast.

Não consigo nem mesmo identificar a origem do meu interesse nos quadrinhos. Sempre fui um leitor, e lembro de tê-los por casa antes mesmo de ser alfabetizado. As teses cinquentistas sobre os efeitos da leitura de quadrinhos na deformação dos hábitos de leitura teriam em mim um excelente objeto de estudo – felizmente, nasci tarde demais para servir a esse propósito!

Faz pouco menos de dez anos, comecei a articular esse interesse na produção de críticas. Faço isso basicamente em três frentes de batalha: o site New Frontiersnerd, onde publico extensos ensaios sobre algumas das minhas últimas leituras; o Podcast Episódio Piloto , que apresento com o meu colega de bancada Douglas Silva; e em contribuições esporádicas ao Bunker do Dio, projeto administrado por Dionisius Amendola, com textos enviados aos seus apoiadores.

“O cerne do conflito que os personagens da Marvel enfrentam costuma ser moral. Eles não enfrentam apenas vilões com planos superelaborados; eles enfrentam as consequências das próprias decisões.”

Vicente Renner, do site New Frontiersnerd e do podcast Episódio Piloto.

Nada como começar do começo: quem são e qual a importância dos Eternos no Universo Marvel?

A importância dos Eternos para o Universo Marvel dos quadrinhos pode ser identificada pelas credenciais do criador dos personagens, Jack Kirby. Eles são a sua última grande contribuição para a Marvel Comics. Isso não é uma efemeridade: Kirby é o principal quadrinista de super-heróis da história, fama que ele deve principalmente a seu trabalho para a Marvel. Por lá, ele participou de forma decisiva da criação de heróis como os X-Men, Thor, Homem de Ferro e Capitão América.

Os Eternos também são um excelente exemplo das preocupações que caracterizam a obra de Kirby, principalmente na etapa final da sua carreira: essencialmente, a experiência do homem comum diante do Sublime (nas palavras do crítico de quadrinhos Charles Hatfield), apresentado como uma força aparentemente tecnológica, mas incompreensível, indiferente e, talvez, amoral.

Dito assim, a sua pretensão pode parecer excessivamente pomposa. Mas Kirby, n’Os Eternos, apresenta essa ideia no melhor estilo Eram os Deuses Astronautas?, o livro especulativo (pra usar um eufemismo) de Erich von Däniken. Assim, na série original, os Eternos são seres criados por forças cósmicas conhecidas como Os Celestiais, que podem muito bem ser descritos como robôs gigantes e sem rosto, para habitar o planeta Terra juntamente com os igualmente superpoderosos Desviantes, além dos homens comuns.

Eternos e Desviantes, no entanto, estão imersos em um superconflito de duração milenar. Os seus enfrentamentos, ao longo da história, foram romantizados pelos humanos e deram origem a diversos mitos. O eterno Makkari, por exemplo, corresponde ao deus romano Mercúrio (“Mercury”).

Desde o ponto de vista da participação da relação dos Eternos com as outras histórias que formam o Universo Marvel das HQs, no entanto, a importância dos personagens é secundária. Kirby não concebeu a série original como uma parte integrante do Universo Marvel, limitando-se a mencionar os outros personagens que o habitam de forma anedótica. O esforço de promover essa integração é posterior à saída de Kirby da editora, e nunca foi totalmente bem-sucedido (em que pese tenha contado com a colaboração de quadrinistas qualificados, como o escritor Neil Gaiman).

Os Eternos, assim, nunca estiveram na primeira linha dos personagens do Universo Marvel dos quadrinhos, limitando-se a participar como figurantes de segunda linha (em especial Sersi).

“É mais fácil entender a história de Eternos a partir de René Girard que da gritaria do Twitter.”

Vicente Renner

Os Eternos são uma família cósmica, como outras criadas por Jack Kirby; quais os principais pontos em comum dessas famílias?

Talvez a principal característica dos personagens da Marvel seja o fato de eles serem pessoas comuns em situações extraordinárias. Ao contrário do que era habitual nos gibis de super-heróis até os anos 60, o cerne do conflito que eles enfrentam costuma ser moral. Eles não enfrentam apenas vilões com planos superelaborados; eles enfrentam as consequências das próprias decisões.

A família é a forma que Kirby encontrou de apresentar essa dinâmica, dentro de sua temática favorita. A sua principal contribuição para o Universo Marvel, o Quarteto Fantástico, é uma família. A sua história mais conhecida, A Trilogia Galactus, mostra muito bem o seu funcionamento. Nela, o Quarteto enfrenta uma força cósmica indecifrável, cujo surgimento evidencia a existência de diferenças entre as personalidades dos diversos integrantes da superfamília. São essas diferenças que precisam ser resolvidas para enfrentamento do supervilão. A crise é cósmica e familiar ao mesmo tempo: a indiferença do universo é combatida na mesa de jantar.

O que o espectador de Vingadores deve esperar desse novo filme da Chloé Zhao?

Uma das coisas que a Chloé Zhao fez muito bem no seu filme foi exatamente capturar essa ênfase moral e os conflitos internos que caracterizam os gibis da Marvel, assim como os filmes do ciclo Thanos do Universo Cinematográfico Marvel.

Dessa forma, os fãs dos filmes dos Vingadores podem esperar as disputas internas do primeiro filme dos Vingadores, ou de Capitão América: Guerra Civil, mas agora em versão família, e o dilema moral de Vingadores: Ultimato ou Capitão América: Soldado Invernal.

Pela primeira vez, o Universo Marvel traz uma produção que contempla a agenda da diversidade. Nesse sentido, isso poderia representar uma ameaça à liberdade criativa? Os personagens não correm o risco de se sujeitar, por ser minorias, a falhas morais?

Esse é certamente um risco – a própria Marvel, nos quadrinhos, já tropeçou nesse problema no passado recente.

No universo cinematográfico, no entanto, a situação tem sido outra. Falcão e o Soldado Invernal, Loki e Viúva Negra conseguiram incorporar elementos politicamente corretos de forma que é sutilmente audaciosa: Falcão, diante do racismo, decide aceitar o escudo e se tornar o Capitão América, e não se ajoelhar para o hino americano e renunciar ao símbolo comum.

O filme Eternos também consegue desviar desse risco. Os seus personagens são falhos, como corresponde a um bom herói da Marvel. O politicamente correto tem um papel incidental, ainda que seja objeto de grande controvérsia nas redes sociais. O cerne da história é outro: é mais fácil entendê-la a partir de René Girard que da gritaria do Twitter.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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