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O escritor Charles Baudelaire, em gravura de Édouard Manet.
O escritor Charles Baudelaire, em gravura de Édouard Manet.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

Não tenho consciência política e faço questão de ser, especialmente nesse quesito, um analfabeto. Indiferentismo? Trato esse analfabetismo com orgulho. Aliás, desde moleque sempre desprezei o ativismo político. A gente não tem mais o que fazer, não? A pergunta é retórica, porque eu tenho mais o que fazer. Ultimamente, aliás, estou bem mais preocupado com a natureza do livre arbítrio e a última temporada de The Walking Dead.

Para dizer que nem tudo é diversão, entre marchar pela democracia e a procissão religiosa, fico com a procissão; entre o grito de guerra da militância entusiasmada em transformar o mundo num lugar melhor e a ladainha dos santos, escolho a ladainha; e entre a luta e o lamento religioso, corro para a igreja pedir perdão pelos meus pecados.

Tenho tanta preguiça do entusiasmo político; e confesso que fico até um tanto constrangido com o excesso de patriotismo verde-amarelo e vermelho de alguns amigos

Nesses 43 anos de vida, entre um flerte aqui e outro ali com a monarquia, nunca me filiei a partidos, nunca fui a comícios e a única vez que participei ideologicamente de eleições foi como membro de uma chapa para diretório acadêmico na faculdade de Artes Plásticas. Na época, batizamos a chapa de “Correspondência” – em homenagem ao poema de Charles Baudelaire. Nosso objetivo era desvincular-nos de ideologias revolucionárias para nos associarmos ao programa estético da modernidade.

Perdemos, obviamente. Mas perdemos com gosto, como alguém que faz do fracasso uma experiência digna de botar no LinkedIn: nada como “ser gauche na vida”. Porém – e isso escrevo com certo orgulho – em vez de discursinhos em prol da resistência democrática, de punho cerrado e cartazes com frases de efeito, declamávamos nos corredores da faculdade o soneto La Nature est un temple où de vivants piliers. Baudelaire não mudará a vida política de ninguém, fiquem tranquilos.

Até hoje, continuei fiel aos meus princípios. E fracassar politicamente tem sido a garantia da minha sanidade. Penso que entre intelectuais e o povão deveria existir uma camada crítica observando a vida política de um país de longe. Eu tenho tanta preguiça do entusiasmo político; e confesso que fico até um tanto constrangido com o excesso de patriotismo verde-amarelo e vermelho de alguns amigos. Se pintarem a cara e ensaiarem coreografias, perco a amizade na hora, mas não perco a piada. Que coisa mais ridícula.

Considero que a única fidelidade política de um crítico da política é não ter fidelidade alguma com a política. Gente, vamos ser sinceros, nesse fim de semana Lionel Messi está no Brasil e jogará contra a seleção brasileira.

Aliás, para falar de coisas sérias, lembrei-me d’A Revolução dos Bichos, de Orwell: “As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco”. Sinto-me assim, às vezes, olhando os atores políticos de longe e já não sabendo mais distinguir quem é porco e quem é homem. Não me sinto um gênio por isso, pelo contrário. Meu único problema é pensar que um dia quase me envolvi com essa gente.

Outro poema do Baudelaire que recomendo nessas horas de preguiça é Bênção: “quando, por uma lei das supremas potências, o poeta se apresenta à plateia entediada, sua mãe estarrecida e prenhe de insolências pragueja contra Deus: que dela então se apieda: ‘Ah! Tivesse eu gerado um ninho de serpentes, em vez de amamentar esse aleijão sem graça!’” Em termos políticos, nada como ser um aleijão sem graça.

Não sei o que, de repente, deu no brasileiro de achar que a política vem em primeiro lugar. Cadê a feijoada, a roda de samba e a malandragem como os grandes símbolos do nosso verdadeiro patriotismo anti-heroico?

Eu sei, estou sendo um tanto pedante e ingrato. Paciência. É que, para mim, a verdadeira política nada mais é do que a manifestação do caráter individual. Não sei o que, de repente, deu no brasileiro de achar que a política vem em primeiro lugar. Cadê a feijoada, a roda de samba e a malandragem como os grandes símbolos do nosso verdadeiro patriotismo anti-heroico? É por este país que vale a pena lutar: o país das pessoas que não precisam de um político para chamar de “seu”.

Então, no dia 7, se ainda assim, depois de toda essa minha declaração de amor ao entusiasmo político, eu for às ruas, será apenas para levar meu cachorro pra mijar. Nada como celebrar a democracia.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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