Leão XIII escreveu a encíclica Rerum Novarum, considerada o marco inicial dos documentos da Doutrina Social da Igreja.| Foto: Francesco De Federicis/Domínio público
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Durante a Vigília Pascal deste último sábado, uma ideia para uma série de artigos me veio à mente: escrever sobre a Doutrina Social da Igreja. Obviamente não sou teólogo e meu objetivo é refletir com vocês como a Igreja Católica se posiciona em relação aos nossos inúmeros desafios sociais.

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Havia um tempinho que eu estava interessado em me debruçar na leitura mais atenta do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, o documento publicado em 2004 pelo Pontifício Conselho “Justiça e Paz” – que desde 2017 foi abolido para a criação do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral – e sintetiza todo o ensinamento da Igreja a respeito do assunto. Então, para cada artigo, gostaria de pensar um aspecto desse documento.

Contudo, no texto de hoje, eu gostaria de começar essa série exatamente do começo, o que significa responder, primeiro, o que é a Doutrina Social da Igreja.

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A doutrina social reflete a compreensão da Igreja sobre questões de justiça, paz, dignidade humana, economia e cuidado com a criação

A Doutrina Social da Igreja representa o conjunto de ideias que busca responder às questões mais urgentes da sociedade, como justiça social, direitos humanos, equidade econômica e sustentabilidade ambiental. Ela é uma doutrina da Igreja, o que significa que possui uma dimensão eclesial como um todo; isto é, reflete como a Igreja Católica compreende sua missão evangelizadora enquanto agente social, não se restringindo a uma ordem espiritual separada do mundo. Isso se coloca, obviamente, na contramão das doutrinas liberais e progressistas, que insistem na ideia de que a fé é uma questão de foro íntimo. Vamos dar uma olhada no que diz o parágrafo 79 do Compêndio:

A doutrina social é da Igreja porque a Igreja é o sujeito que a elabora, difunde e ensina. Essa não é prerrogativa de uma componente do corpo eclesial, mas da comunidade inteira: expressão do modo como a Igreja compreende a sociedade e se coloca em relação às suas estruturas e às suas mudanças. Toda a comunidade eclesial – sacerdotes, religiosos e leigos – concorre para constituir a doutrina social, segundo a diversidade, no seu interior, de tarefas, carismas e ministérios.”

Este trecho do documento destaca a natureza e a origem da doutrina social: ela é intrinsecamente ligada à vida e missão da Igreja Católica em seu todo. A afirmação de que a doutrina social pertence a toda a comunidade eclesial, e não a apenas uma parte dela, demonstra o chamado à responsabilidade coletiva de todos os membros da Igreja – sacerdotes, religiosos e leigos – na sua elaboração, difusão e ensino.

A doutrina social não é apenas um corpo de conhecimento teórico ou um conjunto de diretrizes éticas destinadas a especialistas ou à hierarquia da Igreja; é, antes, a expressão de como a Igreja, como um todo, entende e interage com o mundo. A doutrina social reflete a compreensão da Igreja sobre questões de justiça, paz, dignidade humana, economia e cuidado com a criação. Em última instância, a Doutrina Social da Igreja responde aos vários desafios da vida social, política e econômica.

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Este convite à participação universal na vida social reflete a visão da Igreja de uma fé encarnada, que não se retira do mundo, mas se engaja ativamente nele para promover a transformação segundo os valores do Evangelho. A doutrina social, assim, se torna um caminho pelo qual a Igreja cumpre sua missão de ser “sal da terra” e “luz do mundo”, testemunhando o amor de Deus por toda a humanidade e por toda a criação.

Os primeiros documentos que marcaram o surgimento da Doutrina Social da Igreja centraram-se na resposta da Igreja aos problemas sociais e econômicos do fim do século 19. O primeiro grande documento da Igreja Católica que contém uma “doutrina social” é a Rerum Novarum (“sobre a condição dos trabalhadores”), encíclica publicada em 1891 pelo papa Leão XIII. Ela abordou as condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora, criticou o abuso do capitalismo e do socialismo, e defendeu o direito à propriedade privada, ao mesmo tempo em que sublinhava a importância dos sindicatos e do papel do Estado na regulação das relações de trabalho para proteger os trabalhadores.

Os princípios de cuidado pelos pobres e vulneráveis, justiça para os oprimidos, e a busca pela paz e pelo bem comum têm orientado a ação social da Igreja ao longo dos séculos

Em 1931, o papa Pio XI publicou a encíclica Quadragesimo Anno. Seu nome se refere ao 40.º aniversário da Rerum Novarum. Pio XI reiterou muitos dos temas da Rerum Novarum, e focou na reconstrução da ordem social com base na solidariedade e na subsidiariedade. Além disso, criticou tanto o capitalismo desenfreado quanto o comunismo totalitário e enfatizou a necessidade de uma ordem social que respeitasse os princípios cristãos.

O papa João Paulo II se referiu e expandiu os ensinamentos da Rerum Novarum em várias ocasiões durante seu pontificado, mas um de seus textos mais significativos sobre o assunto é a encíclica Centesimus Annus, publicada em 1991. Esta encíclica foi escrita no centésimo aniversário da Rerum Novarum e serve tanto como uma homenagem quanto como uma atualização dos seus princípios à luz dos desafios sociais e econômicos contemporâneos.

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Embora esses documentos sejam considerados os pilares fundacionais, a doutrina tem raízes ainda mais profundas nos ensinamentos de Jesus Cristo e nas obras de misericórdia corporal e espiritual, que são centrais para o Evangelho. Os princípios de cuidado pelos pobres e vulneráveis, justiça para os oprimidos, e a busca pela paz e pelo bem comum têm orientado a ação social da Igreja ao longo dos séculos. No entanto, foi com a Rerum Novarum que a Igreja começou a articular uma resposta mais sistemática e detalhada, sobretudo em relação ao mundo moderno.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]