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Franklin Ferreira

Franklin Ferreira

Igreja evangélica, Evangelho, teologia moral, história e cultura. Coluna atualizada às quintas-feiras

Conversão

Niall Ferguson: do ateísmo à fé cristã

Conversão de Niall Ferguson
O historiador Niall Ferguson, em foto de 2018. (Foto: Alejandro García/EFE)

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Nos últimos anos, tem sido notável o fenômeno de ateus famosos que, embora não se tornem necessariamente religiosos, aderem ao chamado “cristianismo cultural” – valorizando a herança moral e filosófica cristã como base da civilização ocidental, como o prolífico autor Andrew Murray. Pensadores como Jordan Peterson e Tom Holland argumentam que valores como dignidade humana, direitos individuais e compaixão derivam do cristianismo, mesmo que a crença pessoal ainda seja incerta. Outros, como Ayaan Hirsi Ali, J. D. Vance e Paul Kingsnorth, foram além e se converteram ao cristianismo, muitas vezes após crises existenciais ou reflexões sobre o vazio espiritual do secularismo. Esse movimento reflete uma crescente percepção de que a fé cristã continua desempenhando um papel fundamental na cultura e identidade ocidental.

Um dos mais importantes historiadores da atualidade

Niall Ferguson é um renomado historiador cultural e uma das vozes mais importantes sobre a história da sociedade ocidental. Reconhecido por suas análises profundas sobre história militar, economia e política global, Ferguson tem sido um influente comentador sobre os desafios enfrentados pelo mundo contemporâneo. Seu pensamento crítico e sua capacidade de conectar eventos históricos a fenômenos atuais tornaram-no um intelectual respeitado e frequentemente citado nos debates sobre a civilização ocidental.

Na atualidade, ele é Milbank Family Senior Fellow na Hoover Institution, e membro sênior do Belfer Center for Science and International Affairs na Universidade Harvard. Anteriormente, ele foi professor na Universidade Harvard, na London School of Economics, na Universidade de Nova York, professor visitante no New College of the Humanities, em Londres, e pesquisador sênior no Jesus College, na Universidade de Oxford. Ele foi professor visitante na Universidade Tsinghua, na China, além de cofundador da Universidade de Austin.

Ferguson escreve e leciona sobre história internacional, história econômica, história financeira, história do Império Britânico e do imperialismo americano. Ele possui uma compreensão positiva sobre o Império Britânico, como em sua obra Império: como os britânicos fizeram o mundo moderno. Também escreveu a instigante obra O horror da guerra: Uma provocativa análise da Primeira Guerra Mundial. Em 2004, ele foi considerado uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, segundo a revista Time, e atualmente é considerado “o historiador mais influente e um dos intelectuais mais influentes do mundo atual”. Ferguson escreveu e apresentou inúmeras séries de documentários de televisão, incluindo A ascensão do dinheiro: a história financeira do mundo, que ganhou um Emmy Internacional de Melhor Documentário, em 2009. Em 2024, ele foi sagrado Cavaleiro Bacharel pelo rei Charles III, por serviços prestados à literatura. Na ocasião, declarou: “Sou grato a Sua Alteza Real por este reconhecimento, e a Deus e à Grã-Bretanha pela minha boa sorte”.

Como historiador, Ferguson percebeu que nenhuma sociedade havia sido organizada com sucesso com base no ateísmo

A jornada para a conversão

Apesar de sua formação em um ambiente ateu e cético, Ferguson passou por uma transformação significativa em sua vida espiritual. Em setembro de 2023, Ferguson e sua esposa, Ayaan Hirsi Ali, juntamente com seus filhos, foram batizados como cristãos anglicanos. A esposa de Ferguson também experimentou uma conversão marcante à fé cristã. “Eu abracei o cristianismo”, Ferguson contou a Greg Sheridan, do The Australian. “Fomos todos batizados – Ayaan, nossos dois filhos e eu – juntos [...]. Foi o culminar de um processo bastante longo. Minha jornada foi a partir do ateísmo. Meus pais haviam deixado a Igreja da Escócia [presbiteriana] antes mesmo de eu nascer. Cresci em um lar de céticos religiosos, voltado à ciência. Não frequentava a igreja e, quando jovem, tinha plena certeza de que essa era a escolha mais sábia. No entanto, em duas fases, perdi minha fé no ateísmo”.

Na primeira fase, como historiador, ele percebeu que nenhuma sociedade havia sido organizada com sucesso com base no ateísmo. Todos os experimentos nesse sentido resultaram em desastres históricos, particularmente nos séculos 18, 19 e 20. Essa constatação levou-o a questionar a viabilidade de uma civilização sem fundamentos religiosos.

A segunda fase foi pessoal. Ferguson percebeu que nenhuma pessoa pode ser totalmente formada ou estar eticamente segura sem a fé cristã. “Essa percepção veio mais recentemente e nasceu de nossa experiência como família”, ele diz. Inicialmente “batizei meus [três] filhos mais velhos [de meu primeiro casamento] porque tinha uma visão inspirada em [Alexis de] Tocqueville de que a religião era boa para a sociedade. Fazia parte da civilização ocidental e senti que deveria abraçá-la. Mas eu frequentava a igreja (ocasionalmente) com um espírito de ceticismo e desapego”.

Como ele diz, “sentia que, se eu fosse conservador e acreditasse nas instituições da tradição, vivendo na Inglaterra seria meio absurdo não frequentar a igreja local. Era uma espécie de impulso tory. Eu estava naquele estado de espírito em que, se a esquerda era contra a religião, deveríamos ser a favor. Eu era a favor. Isso era o suficiente”. Com o tempo, sua relação com a fé mudou, tornando-se mais profunda e autêntica.

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Ele descreve esse momento como o culminar de um longo processo de reflexão e amadurecimento espiritual: “O que Jesus nos ensinou foi que há coisas que não podemos saber. Não podemos conhecer a intenção de Deus. Quando leio a Bíblia, não digo: ‘Mostre-me o milagre’. Minha atitude é que este documento extraordinário descreve a vida de um indivíduo único [‘a figura extraordinária, Jesus de Nazaré’] cujo poder de transformar o mundo nunca foi igualado. Isso é suficiente para mim”. E ele continua: “Agora vou à igreja com fé. Também sou um aprendiz. Aprendo sobre o cristianismo todas as semanas. Tento compreendê-lo melhor”.

Como Sheridan avalia, “embora Ferguson perceba profundamente a crise de nosso tempo e a contribuição para essa crise trazida pelo abandono do cristianismo, essa não é, primariamente, uma conversão política. É uma virada profundamente pessoal e deliberada para a fé por um homem que antes foi ateu ao longo de toda a vida”.

A fé cristã no discurso público

Ferguson não vê sua conversão como um ato meramente político ou reativo à ascensão do secularismo. Em vez disso, ele a descreve como uma busca genuína por sentido e verdade. Sua jornada também revelou a necessidade de um retorno às práticas religiosas tradicionais, incluindo a frequência à igreja e a oração, como formas essenciais de fortalecimento espiritual e social.

Sheridan perguntou se Ferguson ora, e ele respondeu: “Sim, eu oro”. E o jornalista insistiu, perguntando se ele sente que está orando para alguém real: “Absolutamente. Assim como não há ateus em trincheiras, não há muitos ateus quando seu filho desaparece, quando a vida de alguém que você ama está ameaçada. Orar a uma superinteligência invisível é um delírio? Eu provavelmente pensava que sim. Mas prefiro acreditar que a oração é significativa, baseada na fé em Cristo. Não acho que estou ‘telefonando para Deus’, mas estou tentando transmitir àquilo que está além da razão meu desejo fervoroso de que meu filho não morra ou que minha filha não tenha desaparecido”.

A jornada de Ferguson revela a necessidade de um retorno às práticas religiosas tradicionais, incluindo a frequência à igreja e a oração, como formas essenciais de fortalecimento espiritual e social

Ferguson continua: “Esses são impulsos humanos poderosos que seria cruel negar. Dizer, como eu teria dito quando era ateu, que isso é totalmente inútil, que o destino do seu filho é uma questão de probabilidade estatística, que a oração é o equivalente ao vodu – essa é uma afirmação cruel. Passei 60 anos neste planeta e estou convencido de que não podemos estar espiritualmente nus, não podemos estar espiritualmente vazios – é uma existência miserável. Tenho cinco filhos, e na vida de cada um deles já houve pelo menos um desastre que parecia poder ser fatal. Se você não ora nesses momentos, você não é de carne e osso”.

Sheridan quis saber se ele acha que é verdade que Jesus ressuscitou dos mortos, e Ferguson respondeu: “Acho que não se pode saber isso com certeza absoluta. Mas os ensinamentos sobre como se deve viver e os relacionamentos que devemos ter com os outros são tão poderosos que prefiro viver como se fossem verdadeiros. Não posso saber, mas me parece preferível viver como se essas afirmações fossem verdadeiras. É difícil se sentir vinculado a ensinamentos se forem baseados em mentiras”. Ou seja, ele enfatiza que, embora não se possa provar com certeza que Jesus ressuscitou, é preferível viver como se essa afirmação seja verdadeira, pois a doutrina cristã oferece um guia moral e existencial poderoso.

Ele também rejeita a ideia de que a fé possa ser reduzida à razão pura e argumenta que a experiência religiosa é essencialmente distinta do pensamento racional: “A fé é fundamentalmente diferente da razão. Não se pode raciocinar até Deus – pelo menos eu não acho que seja possível. A natureza da fé é aceitar que essas afirmações aparentemente improváveis são verdadeiras”.

Em 2021, com a publicação do magnífico Catástrofe: uma história de desastres – das guerras às pandemias – e o nosso fracasso em aprender como lidar com eles, Ferguson começou a expressar preocupação com as consequências da perda da fé cristã. Como ele coloca: “O avanço da ciência levou a um declínio não apenas do pensamento mágico, mas também da crença e da observância religiosa. Como previu G. K. Chesterton, isso teve a consequência não intencional de criar espaços na mente das pessoas para novas formas de pensamento mágico. As sociedades modernas são altamente suscetíveis a religiões substitutas e à magia, levando a novas formas de atividade irracional”.

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Ele observa que essas tendências pioraram: “Acho que há várias seitas e religiões militantes, algumas derivadas do cristianismo, que agora competem dentro de uma civilização pseudo-secular profundamente desorientadora. Digo pseudo-secular porque concordo com Tom Holland (autor de Domínio) que muito do cristianismo ainda está presente no ‘sistema operacional’, mas as pessoas estão em negação sobre isso. Elas nem reconhecem as raízes cristãs de muitas das crenças que possuem. Isso se aplica ao movimento ambientalista e ao estranho culto do ‘wokeísmo’. Acho que há muitas formas mutantes curiosas do cristianismo por aí. Mas isso não é necessariamente ruim. Suspeito que, ao longo da história, a verdadeira cultura sempre foi bastante eclética”.

Outro ponto fundamental levantado por Ferguson é a trágica perda da prática religiosa no Ocidente: “Abandonamos a observância religiosa. Isso é um erro – as igrejas vazias aos domingos, as pessoas que não dão graças antes das refeições. Perdemos a prática da fé e, ao fazer isso, perdemos algo muito poderoso e curador. O problema não é tanto estarmos culturalmente vagando em uma mistura eclética de teologia meio esquecida – o problema é que simplesmente deixamos de ser cristãos. Para mim, isso é um problema muito mais grave”.

Ele continua: “O que me impressiona agora, como alguém que se tornou um frequentador regular da igreja sem ter sido antes, é o quanto se aprende a cada manhã de domingo. Cada hino contém alguma nova pista sobre o relacionamento entre nós e Deus. Acho que o benefício educacional de ir à igreja quase iguala o benefício moral – a elevação espiritual, a sensação de ser um pouco redefinido”.

O testemunho de Ferguson reforça a ideia de que o cristianismo continua sendo um elemento vital da civilização ocidental

Ele alerta que igrejas vazias, a ausência de oração em famílias e a negação das raízes cristãs da civilização ocidental resultaram em uma crise de identidade e um aumento nos problemas de saúde mental: “Tudo isso importa profundamente e, como sociedade, nos afastamos disso. Isso explica, muito mais do que a ascensão das redes sociais, os problemas de saúde mental que caracterizam nossas sociedades hoje. Estamos todos meio que conduzindo esse experimento, sem Deus e sem observância religiosa. E não está indo bem. Mas culpamos o smartphone ou o Twitter. Acho que a verdadeira explicação para a epidemia de saúde mental é que jogamos fora esses mecanismos de apoio maravilhosos que evoluíram ao longo dos séculos para nos ajudar a superar as dificuldades da vida”. Assim, em sua opinião, muitas das angústias modernas são resultado da falta de sentido espiritual e da tentativa de substituir a religião por ideologias seculares desprovidas de uma base moral sólida.

O retorno ao cristianismo

A jornada de Niall Ferguson do ateísmo ao cristianismo nos força a refletir sobre a relação entre fé, história e identidade cultural. Vivemos atualmente um tempo parecido com os anos 1920 e 1930. Como Sheridan coloca: “Esse também foi um período de intensa desordem política e geoestratégica, e gênios daquela época – entre eles Graham Greene, Evelyn Waugh, C.S. Lewis e Thomas Merton – tornaram-se cristãos. Lewis havia sido ateu, assim como Waugh por um tempo; Greene foi membro do Partido Comunista; e Merton, um boêmio dissoluto”. Assim, a conversão de Ferguson não apenas desafia o discurso predominante sobre secularismo, mas também reacende a discussão sobre a importância da fé cristã na vida pública e privada, sobretudo em épocas de convulsão social e política. Seu testemunho reforça a ideia de que o cristianismo continua sendo um elemento vital da civilização ocidental, não apenas como uma tradição, mas como uma fonte essencial de sentido, moralidade e pertencimento.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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