Gravura retratando a Dieta de Augsburgo, na qual foi apresentada ao imperador Carlos V a “Confissão de Augsburgo”.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público
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No dia 31 de outubro, data que marcou os 504 anos da Reforma, a Igreja Evangélica Luterana (IELB) transmitiu a live “Eu assino”, a partir da biblioteca do Seminário Concórdia, em São Leopoldo (RS), destacando o lançamento da nova edição do Livro de Concórdia. Nesse mesmo dia, mais cedo, ocorreu uma sessão de autógrafos na 67.ª Feira do Livro de Porto Alegre. Na ocasião estiveram presentes os revisores técnicos da obra, Nélio Schneider e Vilson Scholz, e a presidente da Comissão Interluterana de Literatura (CIL), Aline Koller Albrecht.

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Dada a importância do Livro de Concórdia não apenas para a tradição luterana, mas para todos os cristãos, entrevistei o reverendo Clóvis Jair Prunzel, pastor da IELB, atualmente comissionado como professor do Seminário Concórdia e do curso de Teologia da Ulbra, onde é coordenador do curso nas modalidades presencial e EAD. Entre os livros publicados por ele destacam-se A Exortação de Lutero à Santa Ceia, de 2004, e Os Catecismos de Lutero para o Povo de Deus, de 2017. Também integra a Comissão Editorial das Obras de Martinho Lutero, que prepara as traduções dos textos do reformador alemão para o português.

O que é o Livro de Concórdia?

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O Livro de Concórdia é uma confissão de fé que envolve tanto o ato de confessar como o de confiar naquilo que se confessa. A herança recebida no período da Reforma caracterizava o ato confessional ao ambiente da Igreja. Conta-se a situação de um cristão comum que foi solicitado a resumir a sua fé, e ele respondeu que ele cria o que a igreja cria; ele não teria condições de resumir os elementos mínimos que descreviam no que ele cria. Por isso, recitar o Credo era a forma mais fácil. Mas, na época da Reforma, a partir dos estímulos que vieram da cidade de Wittenberg, local onde Martinho Lutero, Filipe Melanchthon e outros teólogos resgataram a autoridade das Escrituras Sagradas, a necessidade de demonstrar o conteúdo de sua fé se tornou imperativo. O surgimento do Livro de Concórdia ocorre neste contexto, com cristãos (teólogos e autoridades que representavam o povo) que descrevem a sua fé e a subscrevem, colocando os seus nomes ao fim do Livro de Concórdia e dos demais documentos que o compõem. Portanto, manusear o Livro de Concórdia é uma oportunidade de não apenas estudar o testemunho de fé, mas é também identificar como determinadas pessoas o confessaram. Esta confissão, o seu conteúdo, pode ser meu conteúdo.

“Assim como a Bíblia, o Livro de Concórdia nos ensina que estamos afastados de Deus por nossa própria culpa e que, mesmo querendo se esconder, Deus faz de tudo para salvar o ser humano pecador.”

Reverendo Clóvis Jair Prunzel, pastor da IELB, professor do Seminário Concórdia e do curso de Teologia da Ulbra

Quais são os documentos presentes no Livro de Concórdia?

1580 é o ano em que surgiu o Livro de Concórdia. Ele é uma coleção de documentos que foram reunidos como um testemunho histórico da geração de cristãos que viveram a partir dos estímulos que a Palavra de Deus produziu no coração e na boca das pessoas que olharam com maior interesse para essa própria Palavra. No início do Livro de Concórdia aparecem os Credos da Igreja Cristã antes da divisão entre Igreja Ocidental e Oriental: os Credos Apostólico, Niceno e Atanasiano. Como sumário da relação de Deus com sua criação, especialmente olhando para a obra salvadora de Jesus Cristo, os autores do Livro de Concórdia assumem a mesma fé com o texto da Confissão de Augsburgo (1530), a Apologia da Confissão de Augsburgo (1531), dos Catecismos Menor e Maior (1529), dos Artigos de Esmalcalde (1537), do Tratado Sobre o Poder e o Primado do Papa (1537) e da Fórmula de Concórdia (1577). A forma dos documentos segue a estrutura que o apóstolo Paulo usou quando escreveu a Carta aos Romanos.

Por que o Livro de Concórdia é tão importante para os luteranos?

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Em poucas palavras, os documentos presentes no Livro de Concórdia ecoam uma perspectiva de fé. Quando se conhece o amor de Deus pelas pessoas, não se pode deixar de falar das coisas que se vê e que se ouve. Esta mesma atitude encontramos na Bíblia. Por isso, os autores do Livro de Concórdia não podiam se calar diante da Palavra de Deus e precisavam testemunhar como esta Palavra produzia frutos na vida dos confessores. Voltamos aqui, novamente, a um aspecto que caracteriza a importância do Livro de Concórdia: é um testemunho de fé que compromete aquele que subscreve o seu conteúdo. Aliás, a palavra “protestante”, um termo jurídico, é um ato de afirmar a própria posição formal e pública como um testemunho ou afirmação pública de sua fé.

Os pastores da IELB precisam subscrever o Livro de Concórdia?

A importância da subscrição ocorre porque o conteúdo do Livro de Concórdia é uma exposição bíblica. Uma leitura não substituiu a outra: temos de continuar a ler tanto a Bíblia como o Livro de Concórdia porque ambos testemunham a mesma coisa. Pastores e membros da IELB reconhecem isso depois de estudarem o conteúdo tanto das Escrituras como do Livro de Concórdia. Membros da IELB são instruídos com base nos Catecismos de Lutero. Pastores da IELB são formados quando se apropriam do conteúdo do Livro de Concórdia, tornando a mesma confissão como sua no dia da sua formatura e durante o seu ministério pastoral.

O que os evangélicos têm a aprender ao estudar o Livro de Concórdia?

A melhor resposta a esta pergunta vem do conteúdo do Livro de Concórdia. Tanto cristãos luteranos batizados como aqueles que se preparam para o ofício ministerial público reconhecem e testemunham a forma como Deus cuida de sua criação, especialmente da condição do ser humano que se afastou da presença de Deus. Assim como a Bíblia, o Livro de Concórdia nos ensina que estamos afastados de Deus por nossa própria culpa e que, mesmo querendo se esconder, Deus faz de tudo para salvar o ser humano pecador enviando o seu Filho, Jesus Cristo, como salvador de toda a humanidade. Quando a obra de Cristo se torna a razão do viver do cristão, a igreja surge como fruto da ação de Deus para testemunhar esse amor para todo o mundo. Deus envolve o seu povo para que todo o mundo possa crer que Jesus Cristo restaura a condição de doentes teológicos em pessoas que podem usufruir da bênção de fazer parte da obra de Deus. Esta ênfase o Livro de Concórdia retira das Escrituras: mesmo o pior pecador à luz dos olhos humanos, como o malfeitor na cruz, pode receber o convite de Jesus: venha e faça parte do Céu.

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Qual seria o mais importante documento presente no Livro de Concórdia?

Além dos Credos, que estão no início do Livro de Concórdia, o documento que organiza os demais documentos é a Confissão de Augsburgo. Podemos dizer que o último texto, a Fórmula de Concórdia (1577), é uma confirmação de que o conteúdo da Confissão de Augsburgo continua válido. Mesmo sendo breve e ampliado pelos demais documentos, precisamos começar a leitura do Livro de Concórdia pela Confissão de Augsburgo porque nos ajuda a manter o centro da obra de Deus revelada em Jesus Cristo. A fé que é crida e confessada faz com que Deus permaneça, do início ao fim da vida do cristão, no centro das atenções. Isso nos lembra o selo de Lutero. Uma cruz no centro, a obra de Cristo, que toca os diversos aspectos da vida do cristão. Desde uma certeza individual (coração vermelho), passando pela pureza adquirida pela santidade de Cristo (pétalas brancas), pela vida novamente recebida (verde), na certeza de que no céu (azul) Jesus está (anel dourado). Percebemos que não podemos entender a vida cristã como algo linear, mas precisamos manter o centro de nossa fé nas promessas que Deus cumpriu ao enviar o seu Filho Jesus Cristo em nosso lugar e nós somos beneficiados por esta obra.

“Manusear o Livro de Concórdia é uma oportunidade de não apenas estudar o testemunho de fé, mas é também identificar como determinadas pessoas o confessaram. Esta confissão, o seu conteúdo, pode ser meu conteúdo.”

Reverendo Clóvis Jair Prunzel

Quais as contribuições que a IELB tem oferecido ao país e aos evangélicos?

A formação dos membros da IELB nas congregações e dos pastores da IELB no Seminário Concórdia e no curso de Teologia da Ulbra podem contribuir com a caminha da fé cristã em solo brasileiro por reproduzir o que a Bíblia quer mostrar a todos. Primeiro, uma condição na qual nenhum ser humano pode se salvar. O pecado original enfatizado tanto na Bíblia como no Livro de Concórdia demonstra isso. Considerando que é impossível resolvermos o nosso problema, Deus o faz por meio da pessoa e obra de Jesus Cristo, que é dada gratuitamente a todos pela ação do Espírito Santo. Nós ecoamos essa identidade quando chamamos o Deus que resolve o nosso problema de Pai. Como filhos amados do Querido Pai Celeste, Ele nos une e nos mantém na santa igreja cristã pela comunhão que Ele mesmo estabelece com seus filhos pelos meios que Ele mesmo instituiu: batismo, pregação da sua palavra, santa ceia. Movidos pela presença de Jesus em nosso meio, não podemos deixar de falar das coisas que vimos e ouvimos, assim como ocorreu com os autores do Livro de Concórdia. Percebemos uma forte ênfase educacional presente na vida confessional dos luteranos, visto que estão diante da revelação de Deus através da Bíblia e sumarizada no Livro de Concórdia. Quem tiver contato com essa perspectiva formativa será abençoado com uma clareza tanto no objeto de sua fé, Jesus Cristo, como irá descobrir que a obra de Jesus Cristo é em seu favor. Portanto, ao lermos o Livro de Concórdia, teremos a grata surpresa de descobrimos que não somos luteranos, mas cristãos, que foi o objetivo do movimento da Reforma proposto por Lutero e seus colegas.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]