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Franklin Ferreira

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Artigo

Globalismo: a nova Torre de Babel e o fracasso de um projeto anticristão

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Sede da Otan, em Bruxelas, antes de visita de Keith Kellogg, enviado especial dos EUA para a guerra na Ucrânia. (Foto: Nicolas Tucat/EFE/EPA/Pool)

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Em um ensaio publicado ano passado, tratando dos desafios de um mundo multipolar, abordei os fenômenos políticos do globalismo, do islamismo, do nacionalismo russo e do comunismo chinês. Agora, Tiago J. Santos Filho, graduado em Direito e pós-graduado em Estudos Bíblicos, um dos pastores da Igreja Batista da Graça, em São José dos Campos (SP), cofundador, professor de Teologia Moral e diretor de Ensinos Avançados do Seminário Martin Bucer, e diretor-executivo do Ministério Fiel, compartilha conosco uma reflexão sobre a crise do globalismo e os desafios que esta tensão nos impõe.

Um novo mundo e o fracasso do globalismo

Há um princípio essencial no Direito Internacional chamado “pacta sunt servanda” – os pactos devem ser cumpridos. No entanto, uma premissa essencial deste princípio é que as partes pactuantes sejam as mesmas. Tenho a impressão de que a Europa que emergiu após a Segunda Guerra Mundial, selando sua aliança com os Estados Unidos na formação da Otan, já não existe mais. Os valores que uma vez uniram o Ocidente na defesa da liberdade, do império da lei e da civilização cristã foram corroídos por décadas de um crescente globalismo progressista e autorreferente. Talvez o fim iminente dessa parceria, 80 anos depois da guerra, seja uma oportunidade para que os fundamentos dessa unidade – ou o que resta dela – sejam reavaliados.

O projeto globalista não é um esforço de cooperação saudável entre nações soberanas, mas uma tentativa sistemática de substituir as nações por uma governança centralizada, administrada por elites não eleitas, imunes ao escrutínio democrático e hostis às tradições locais. Essa mentalidade permeia as instituições supranacionais como a União Europeia, a ONU, a OMS e os organismos financeiros globais.

A fraqueza política do Ocidente diante das crises globais revela o fracasso do globalismo

Nos planos nacionais, a antiga proposta federalista de repartição de poderes e checks and balances deram lugar ao ativismo judiciário, à inovação constitucional, e à hegemonia da narrativa da imprensa tradicional. O resultado? A fragmentação das culturas, o enfraquecimento das soberanias nacionais e o avanço de uma ideologia que promove uma uniformidade ideológica forçada em nome de uma suposta paz mundial, o enfraquecimento constitucional das nações e o surgimento de uma forma velada de tirania, formada por juízes e tecnocratas. O Brasil segue a passos firmes o que já acontece no globalismo europeu.

As contradições do globalismo

A fraqueza política do Ocidente diante das crises globais revela o fracasso do globalismo. A Europa, por exemplo, vive na sombra dos Estados Unidos, acomodada sob seu guarda-chuva militar e econômico. Desperdiça tempo e recursos com políticas inócuas – militância ambientalista de fachada, defesa cega de pautas progressistas, ativismo obstinado por um Estado palestino que até agora só entregou terror e destruição, e um antissemitismo crescente e inquietante. Este último, aliás, resgata não apenas os horrores da perseguição medieval aos judeus, mas recria o mesmo clima venenoso que pavimentou a ascensão do Partido Nacional-Socialista na Alemanha dos anos 1930.

Tudo isso regado a discursos inflamados de toda espécie, enquanto vozes dissidentes são condenadas ao ostracismo, à prisão ou ao linchamento social – bastando, para tanto, um meme inconveniente nas redes sociais ou uma simples oração feita em espaço público –, enquanto sua capacidade de autodefesa, inovação tecnológica e segurança de fronteiras murcha a olhos vistos. Mas a verdade é que, enquanto o globalismo dominar a mentalidade das elites europeias, dificilmente veremos uma guinada real rumo à recuperação da soberania, de valores nacionais, das culturas regionais, do respeito à expressão da fé cristã e da liberdade de opinião e expressão dos indivíduos.

Diante da guerra na Ucrânia, por exemplo, vemos como a mentalidade globalista gerou uma Europa fragilizada. Europeus e imprensa internacional têm opiniões fortes sobre como os Estados Unidos devem agir, sobre quanto dinheiro deveria ser gasto, sobre como o Ocidente não pode fraquejar. Mas, na hora de se comprometer de fato, ninguém quer se mover. O Brasil, por exemplo, enviou quantos reais para a Ucrânia? Zero. E os 27 países que compõem a União Europeia, além de discursos moralistas, ofereceram comparativamente menos (134 bilhões de euros) que um único país, os Estados Unidos (US$ 175 bilhões somados a outros US$ 20 bilhões já aprovados). O Ocidente parece mais disposto a se autossabotar do que a se defender.

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O mesmo fenômeno se repete na América Latina. No Brasil, por exemplo, não temos relevância militar, estratégica ou geopolítica alguma. Nossas Forças Armadas foram desaparelhadas e reduzidas, nossa política externa oscila entre o servilismo ideológico e o fisiologismo barato, sempre ao sabor dos ventos que sopram das grandes potências. Já a suprema corte se comporta como um clube exclusivo de burocratas globalistas que se veem como os verdadeiros herdeiros do Iluminismo – intocáveis, infalíveis e absolutamente convencidos de que encarnam a própria Justiça. Vivem em uma bolha de autoglorificação, onde ditam verdades absolutas e impõem sua vontade com ares de divindade, enquanto o povo, mergulhado em violência e miséria, segue em sua maioria distraído entre o carnaval e a novela.

As poucas vozes que ousam questionar esse novo modelo de Estado são rapidamente silenciadas, sufocadas e tachadas de radicais. O ostracismo, a perseguição judicial e o medo se tornaram instrumentos eficazes de censura. Parlamentares são ameaçados de perder seus passaportes e até sua liberdade simplesmente por exercerem a prerrogativa de falar em tribuna. Juízes transformam o devido processo legal em um espetáculo, assumindo simultaneamente os papéis de vítimas, polícia, promotores, advogados e algozes. Enquanto isso, cidadãos comuns são tratados como terroristas por se atreverem a pensar diferente, ao passo que traficantes internacionais de drogas recebem habeas corpus com a mesma facilidade com que adquirem ilegalmente seus armamentos. E tudo isso acontece sob o manto sagrado do “dogma judiciário”, devidamente abençoado pelo magistério midiático, que aplaude cada novo abuso como se fosse um grande avanço civilizatório.

O caminho que o Brasil trilha hoje se mostra tão autoritário e arbitrário quanto os piores momentos do regime de exceção de 1969. Na verdade, as medidas do STF tornam o AI-5 um exercício quase pueril, um simples ensaio diante da máquina de controle que se ergueu sob o pretexto de “democracia”.

A crítica ao liberalismo e a ascensão do globalismo

Patrick J. Deneen, em Why Liberalism Failed, argumenta que o liberalismo fracassou não por ter sido mal implementado, mas porque foi bem-sucedido em seus próprios termos – e agora está colhendo seus próprios frutos. O liberalismo dissolveu os laços comunitários, desmantelou tradições e produziu indivíduos atomizados, dependentes de um Estado cada vez mais poderoso e de corporações que lucram com sua fragilidade. O projeto globalista é a manifestação final desse processo: um mundo onde fronteiras, culturas e identidades nacionais são vistas como obstáculos a serem superados, e onde a soberania é trocada por uma governança impessoal, manipulada por tecnocratas.

O Ocidente se esqueceu de suas raízes cristãs e, ao fazer isso, abriu caminho para a sua própria dissolução

Deneen mostra como a promessa liberal de liberdade acabou resultando em um controle maior do Estado e do mercado sobre a vida das pessoas. A obsessão por autonomia individual gerou um mundo de solidão e alienação, enquanto a busca por eficiência econômica destruiu a cultura e a tradição. O resultado é um Ocidente sem propósito, onde elites globalistas tentam impor uma nova moralidade, sem raízes, sem compromisso com a verdade e sem espaço para Deus.

O globalismo e a nova torre de Babel

O globalismo é, essencialmente, uma repetição da Torre de Babel: um esforço humano para construir um mundo sem Deus, baseado na confiança na própria capacidade de criar um paraíso terreno. Assim como em Babel, essa busca pela unidade forçada não leva à harmonia, mas à confusão e ao colapso. A uniformização globalista não produz verdadeira paz, mas apenas um simulacro de estabilidade, à custa da liberdade, da identidade e, por fim, da própria humanidade.

Mas Deus dispersou os homens em Babel não para condená-los à divisão eterna, e sim para conduzi-los à unidade verdadeira – não sob a bandeira da uniformização, mas sob a cruz de Cristo. Somente o evangelho tem o poder de unir os povos sem destruir suas culturas, de trazer ordem sem impor tirania, de prometer redenção sem recorrer à força. O globalismo, com sua promessa vazia de um mundo centralizado pelo secularismo e pelo controle estatal, jamais poderá oferecer o que Cristo oferece: um futuro glorioso, não sob a autoridade de burocratas, mas sob o reinado do Deus Criador.

O fracasso do globalismo não é apenas político ou econômico; é teológico. Nenhum sistema baseado no afastamento de Deus pode perdurar. O Ocidente se esqueceu de suas raízes cristãs e, ao fazer isso, abriu caminho para a sua própria dissolução. Mas a resposta para essa crise não está em restaurar o globalismo sob novas formas, nem em buscar uma alternativa puramente política. A resposta está na redescoberta da fé que uma vez fez do Ocidente uma civilização forte e vibrante. Somente Cristo pode restaurar a verdadeira unidade entre os povos, pois somente nele encontramos a redenção que nenhuma ideologia pode oferecer.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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