• Carregando...
O papa Francisco cumprimenta o rabino-chefe sefardita Yitzhak Yosef durante encontro de líderes religiosos no Cazaquistão, em setembro de 2022.
O papa Francisco cumprimenta o rabino-chefe sefardita Yitzhak Yosef durante encontro de líderes religiosos no Cazaquistão, em setembro de 2022.| Foto: Vatican Media/EFE/EPA

Muitos cristãos negam que judeus e cristãos adorem o mesmo Deus. Eles se baseiam no pensamento que têm de que o Senhor Jesus veio para iniciar uma nova religião – no caso, o cristianismo – e, dessa forma, descartou o judaísmo. Acreditam também que o apóstolo Paulo entendia que o judaísmo era uma religião de obras enquanto o cristianismo é uma religião de graça. Além disso, muitos cristãos acreditam que Jesus ensinou que Deus transferiu a aliança que havia feito com Israel para a igreja gentílica. Por essas razões, segundo muitos cristãos acreditam, é que não se deve imaginar que judeus e cristãos adorem o mesmo Deus. Para ajudar a responder a pergunta “judeus e cristãos adoram o mesmo Deus?”, resumirei a seguir os argumentos de Gerald McDermott em seu capítulo “Judeus e cristãos adoram o mesmo Deus: visão da revelação compartilhada”, na obra Cristãos, muçulmanos e judeus adoram o mesmo Deus?, publicado por Thomas Nelson. Por um lado, o autor não defende que cristãos e muçulmanos adorem o mesmo Deus. Mas, por outro lado, ele defende que “o Deus de Moisés era o mesmo Deus para Jesus e Paulo […] o Deus infinito e pessoal de Israel”. McDermott é clérigo anglicano, professor de Teologia na Beeson Divinity School, nos Estados Unidos, especialista nos estudos sobre Jonathan Edwards e autor, e coautor ou editor de mais de 20 livros, inclusive Grandes teólogos, O Deus visível, A importância de Israel e A Teologia de Jonathan Edwards, todos publicados por Edições Vida Nova.

Jesus e o judaísmo

Os argumentos apresentados no parágrafo anterior carregam um problema: nenhuma de suas afirmações é verdadeira. Comecemos com a afirmação de que Jesus iniciou uma nova religião. No Sermão do Monte, Jesus afirmou o seguinte: “Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim abolir, mas cumprir. Digo a verdade: Enquanto existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou o menor traço, até que tudo se cumpra”. Muitos não percebem que Jesus está falando sobre o Antigo Testamento aqui, e, especialmente, sobre a Torá. Para Jesus, até mesmo os mandamentos tidos como sem importância para alguns cristãos, como a guarda do shabat, a circuncisão e as regras kosher, devem ser ensinados. Tais regras são as marcas distintivas do judaísmo do primeiro século.

Apesar de ser quase consensual entre os cristãos a ideia que Jesus abandonou a lei, estudiosos como W. D. Davies, Krister Stendahl e E. P. Sanders, e depois Mark Nanos, Mark Kinzer, Scot McKnight e Marcus Bockmuehl, atuaram para mostrar que Jesus era muito mais judeu do que as gerações de estudiosos anteriores haviam imaginado, e também sugeriram que Jesus apresentou novas interpretações da Torá, insistindo em seu significado interno, mas nunca defendendo sua abolição.

“Os Evangelhos não apoiam a noção de que os cristãos que adoram Jesus como o Filho de Deus estão adorando um Deus diferente do Deus do judaísmo bíblico.”

Gerald McDermott, autor de Cristãos, muçulmanos e judeus adoram o mesmo Deus?

Jesus também destacou a importância dos judeus na história da salvação. Diz McDermott: “Considere o que os Evangelhos dizem sobre os samaritanos. Eles também estavam se dirigindo ao Deus de Abraão. Na verdade, eles usaram o nome judeu para Deus – Yhwh. Da mesma que os judeus [...], eles se opunham às imagens religiosas. Como os judeus, eles guardaram a Lei de Moisés. Mesmo assim, Jesus deixou claro que eles estavam errados ao pensar que a salvação vinha por meio de sua adoração. Ele disse à mulher samaritana: ‘A salvação vem dos judeus’ (Jo 4,22). A adoração samaritana dirigia-se a Yhwh, mas não o ‘conhecia’. Na adoração judaica, nós adoramos o que ‘conhecemos’ (Jo 4,22)”.

E, a respeito da relação de Jesus com seus contemporâneos: “Jesus era popular entre milhares de judeus no primeiro século. E cada vez mais historiadores percebem que os judeus que o queriam crucificado eram um pequeno círculo no estabelecimento do templo [de Jerusalém] que se sentia ameaçado por sua popularidade entre as multidões de judeus. Isso foi obscurecido pela tradução incorreta de Ioudaioi no Evangelho de João, em que, na maioria das vezes, deveria ter sido traduzida por ‘habitantes da Judeia’, e não por ‘judeus’. João retrata certos líderes da Judeia, não os judeus em geral, como querendo matar Jesus. Aprendemos com Lucas que myriadoi (‘miríades’ ou ‘milhares’) em Jerusalém estavam entre aqueles ‘judeus [que] creram’ (21,20). Isso significa que, menos de duas décadas após a morte de Jesus, havia pelo menos 20 mil [...] crentes judeus seguindo Jesus somente em Jerusalém”.

Ao tratar sobre o templo de Jerusalém, mesmo que Jesus tivesse afirmado que o futuro templo seria seu corpo, ele também se referiu ao templo como sendo sua casa, mostrando que estava insatisfeito com a forma como os sacerdotes o estavam administrando (Mt 21,12-13). Além do templo, Jesus também parecia observar várias leis de pureza judaicas. Ele advertiu contra dar o que é sagrado aos cães (Mt 7,6); ele aprovou a necessidade de purificação sacerdotal após a limpeza da lepra; ele considerava camelos e mosquitos impuros (Mt 23,24); ele também falou a respeito dos dízimos e das borlas no xale de orações judaicos (Mt 9,20; 14,36; 23,5). “Portanto, os Evangelhos não apoiam a noção de que os cristãos que adoram Jesus como o Filho de Deus estão adorando um Deus diferente do Deus do judaísmo bíblico”, conclui McDermott.

Paulo e o judaísmo

Em relação ao apóstolo Paulo, os estudiosos do Novo Testamento destacaram que há tensões, por exemplo, entre o tratamento que Paulo dà à Lei nas cartas aos Gálatas e aos Romanos, nas quais a Lei é tratada, aparentemente, de forma negativa, e não oferecia uma solução para os problemas suscitados pela Queda. Mas há vários esforços de eruditos cristãos para oferecer uma interpretação do que Paulo trata em Gálatas e Romanos de maneira diferente das noções populares cristãs de que a Lei seria algo mau. O que os estudiosos têm mostrado é que Paulo argumenta que a Lei é má para os gentios, pois não foi dada para eles, enquanto em Romanos a Lei é boa para os judeus, porque fora dada para eles, por isso a Lei é “santa, justa e boa” (Rm 7,12). E, para Paulo, Jesus na cruz foi o “para-raios que atraiu para si todo o castigo, protegendo, assim, todos os outros”. Portanto, a quebra da Lei foi punida na cruz, que revela a misericórdia do Deus de Israel.

Outro fator a ser observado em Paulo são os sinais de que ele respeitou a Lei: ele circuncidou seu discípulo Timóteo, fez e manteve um voto de nazireu, e participou de outro voto de nazireu (At 16,1-3; 18,18; 21,21-24). No último voto, Paulo provou a Tiago e a todos os presbíteros que estavam presentes, da igreja de Jerusalém, que pareciam satisfeitos com o fato de que milhares de judeus creram, e todos eles eram zelosos da Lei, que ele próprio continuava vivendo em obediência à Lei (At 21,18.20.24).

Paulo ainda apresentava uma visão mais positiva a respeito dos fariseus do que Jesus, pois o apóstolo dos gentios se apresentou como fariseu. Lucas relata que fariseus vieram em sua defesa (At 23,9). Paulo afirmou a Lei (Torá) sem ambiguidades, e a diferença entre Paulo e seus contemporâneos judeus estava na forma como interpretavam quem era Jesus para o povo de Israel e as demais nações.

Jesus e Paulo não tinham em mente começar uma nova religião. Jesus veio para mostrar a seus companheiros judeus o cumprimento de sua Lei (ele mesmo!), enquanto Paulo trouxe essa mensagem aos gentios para que eles pudessem ser adotados na família abraâmica do Messias

O cristianismo era uma nova religião?

Jesus e Paulo começaram uma nova religião, o que sugere que cristãos e judeus adoram deuses diferentes? Alguns cristãos podem responder que sim, mas Jesus e Paulo não tinham em mente começar uma nova religião. Jesus veio para mostrar a seus companheiros judeus o cumprimento de sua Lei (ele mesmo!), enquanto Paulo trouxe essa mensagem aos gentios para que eles pudessem ser adotados na família abraâmica do Messias.

Outro ponto a ser observado é que muitos cristãos têm argumentado que os judeus adoram um Deus diferente dos cristãos baseados na questão das obras, segundo eles. Segundo estes, os judeus tentariam se aproximar de Deus por meio de suas obras e não por uma noção de graça. No entanto, esse pensamento não está correto. Os judeus não acreditam que entram na aliança com Deus por meio de obras, mas sim por meio de um dom – pela graça. Eles também acreditam que, se quiserem permanecer na aliança, devem seguir observando a Lei de Deus, que consideram não um fardo, mas um presente maravilhoso que lhes foi dado por um Pai amoroso, que deseja que tenham vida abundante.

A questão, então, é que Jesus e Paulo não pensavam estar começando uma nova religião que tivesse como objetivo substituir o judaísmo. McDermott resume o argumento: “Jesus e Paulo não pensavam estar começando uma nova religião para substituir o judaísmo em cujo seio cresceram. Eles realmente ensinavam que o Messias finalmente viera em Jesus, e que por essa razão o judaísmo do primeiro século havia chegado a um momento histórico em que as maiores promessas começaram a se cumprir. O judaísmo estava encontrando seu significado interno e o grande clímax porque o israelita perfeito apareceu como a personificação da Lei e do próprio Israel. Mas isso não significa que o judaísmo estivesse sendo substituído por outra religião de caráter fundamentalmente diferente. Em vez disso, significa que o Deus de Israel estava levando o povo de Israel ao apogeu prometido quando seu Messias foi revelado como o Filho de Deus, o significado de tudo o que eles já conheciam. Em vez de se opor à lei judaica, Jesus e Paulo a observaram, inclusive quando testificaram que Jesus era sua encarnação viva”.

Encarnação e ressurreição

Tanto a encarnação quanto a ressurreição, dois conceitos preciosíssimos aos cristãos, não são doutrinas originárias do cristianismo, mas originadas no judaísmo. Por todo o Antigo Testamento tem-se claramente a ideia de encarnação, a noção de que “o Deus da Bíblia hebraica assume diferentes formas corporais”, nas diversas visitas corporais que Deus faz à terra. São exemplos os casos de Deus conversando com Adão e Eva no jardim (Gn 3), a Torre de Babel (Gn 11) e a conversa de Deus com Abraão (Gn 18). O profeta Amós diz “vi o Senhor junto ao altar” (Am 9,1), enquanto Moisés falou com Deus face a face, “como quem fala com seu amigo” (Êx 33,11). O filósofo e teólogo judeu Michael Wyschogrod defendeu “a habitação de Deus em Israel” e acrescentou que, embora os cristãos discordem dos judeus quanto à localização do mais alto grau de encarnação, sua diferença é mais quantitativa do que qualitativa. Ele diz que os cristãos tomam o conceito de encarnação, que é judeu, e “veem a intensificação dessa habitação em um judeu”, o Messias Jesus.

Da mesma forma, a ressurreição não é uma doutrina exclusivamente cristã. Ela é primeiramente judaica. A igreja primitiva foi capaz de aceitar a ressurreição de Jesus porque seus fundadores eram leitores da Bíblia hebraica. Eruditos judeus, como Jon Levenson, argumentam que a ressurreição é parte integrante das Escrituras hebraicas, além de “ser uma viga que sustentava o peso do edifício do judaísmo rabínico”. Um exemplo comovente dessa crença central compartilhada entre judeus e cristãos pode ser encontrada no cemitério judaico em Nova York. Benjamin Bueno de Mesquita, judeu da sinagoga de Recife, faleceu em 1683, e na sua lápide há uma inscrição comovente: “Debaixo dessa placa está sepultado Yasse Benjamin Bueno de Mesquita. Falecido, que partiu desse mundo em 4 de Hesvan. Sua alma bendita, aqui separada de seus entes queridos, espera pelo Deus que ressuscitará os mortos de seu povo para viver na Eternidade. 5444”. Esta é a mais antiga lápide do cemitério, associado à sinagoga Shearith Israel (o remanescente de Israel).

A Trindade

Talvez o ponto que alguns pensem ser uma dificuldade insuperável seja a questão da Trindade. Como é possível conciliar um Deus que é “três em um” com o Deus daqueles que professam que é “apenas um”, e não três? Na verdade, havia uma tradição judaica substancial que afirmava uma unidade de Deus diferenciada, uma unidade complexa, e não matemática. E a base para isso seria a própria Bíblia hebraica que fala sobre Deus e o Espírito de Deus de formas distintas, mas sem comunicar a noção de que haveria dois deuses. Há também exemplos sobre Deus e a Palavra de Deus na mesma estrutura mencionada acima. Em todos esses casos, a unidade de Deus é misteriosamente complexificada, como se houvesse uma diferenciação interna que não compromete a unidade de Deus. Com isso, a Trindade cristã estava em continuidade, e não em oposição fundamental, à tradição judaica.

A igreja primitiva foi capaz de aceitar a ressurreição de Jesus porque seus fundadores eram leitores da Bíblia hebraica. Eruditos judeus, como Jon Levenson, argumentam que a ressurreição é parte integrante das Escrituras hebraicas

De acordo com o historiador judeu Daniel Boyarin, havia uma “[crença] amplamente aceita pelos judeus na era pré-cristã” de “uma segunda entidade divina, a Palavra de Deus (Logos) ou a Sabedoria de Deus, que medeia entre a totalmente transcendente divindade e o mundo material”. Portanto, de acordo com McDermott, “não foi um salto quântico que a igreja judaica primitiva teve de dar quando ponderou sobre como Deus poderia ser um e, ainda assim, o Filho de Deus também poderia ser Deus, e então uma terceira entidade, o Espírito Santo, também poderia ser Deus. As mentes judaicas que escreveram o Novo Testamento podiam escrever dessa maneira porque sua tradição judaica já sustentava a diferenciação interna dentro da unidade de Deus. A Trindade cristã, que finalmente emergiu dessa matéria-prima no Novo Testamento, estava, portanto, em continuidade, e não em oposição fundamental, à tradição judaica”. E ele continua: “O Deus de Israel havia muito era conhecido por ser um ser com diferenciação interna. Consequentemente, a igreja primitiva poderia alegar que estava adorando o Deus de Israel, mas com uma nova clareza sobre as identidades dentro dessa diferenciação. Indiscutivelmente, os autores dos Evangelhos e epístolas acreditavam estar escrevendo sobre o Deus de Israel, e não sobre um novo Deus diferente do Deus de Israel. Eles pensavam que estavam adorando o mesmo Deus que seus irmãos e irmãs judeus não messiânicos adoravam, mas acreditaram que haviam reconhecido novos desenvolvimentos na história da redenção de seu povo por aquele Deus. Isso mudou sua compreensão desse Deus de Israel, mas não os convenceu de que estavam adorando um Deus diferente”.

McDermott conclui: “Comparo os judeus a quem não foi mostrada a Trindade (pelo Espírito) aos judeus anteriores à encarnação. Eles adoraram Yhwh da forma como Ele havia sido revelado a eles, e Deus estava satisfeito com aqueles que o adoravam verdadeiramente. Sem a revelação de Jesus como o Messias, sua ‘palavra contra o Filho do homem será perdoada’ (Mt 12,32). Mas, se o Espírito revelar a eles a verdadeira identidade do Filho do homem, e eles a recusarem (e, portanto, a Trindade), então falam ‘contra o Espírito Santo’, e esse pecado ‘não será perdoado, nem nesta era nem na que há de vir’ (Mt 12,32)”. Logo, “uma coisa é rejeitar Jesus sem a revelação do Espírito Santo, mas outra coisa completamente diferente se a alguém foi mostrado pelo Espírito quem ele é”.

O pensamento mais maduro de Paulo

A melhor prova de que judeus e cristãos adoram ao mesmo Deus se encontra na carta de Paulo aos Romanos. Ali se encontra a expressão mais madura do pensamento de Paulo. “Já se haviam passado quase 30 anos desde a sua conversão para seguir Yeshua como Mashiach. Embora dezenas de milhares de judeus em Jerusalém se tenham ‘tornado crentes’, a maioria dos judeus daquela geração não o fez”. Assim, Paulo sentiu “grande tristeza e constante angústia” por esses irmãos que resistiram à sua mensagem sobre Jesus (Rm 9,2). Portanto, ele se refere aos judeus como “inimigos por causa de vocês”, os gentios. Ao mesmo tempo, ele também afirma que os judeus “são amados por causa dos patriarcas” (Rm 11,28). Como eles poderiam ainda ser amados se estivessem resistindo ao Filho de Deus, recusando-se a aceitar a proclamação de Paulo de que Jesus era o Messias que Deus havia prometido? A razão, segundo Paulo, era que “os dons e o chamado de Deus [aos judeus] são irrevogáveis” (11,29).

Foi o Deus de Israel que chamou o povo judeu para fazer uma aliança com ele, e esse Deus continuou a amar o povo judeu que recusava seu Messias

Paulo considerava o Deus dos judeus não messiânicos o mesmo que o seu Deus. Foi o Deus de Israel que chamou o povo judeu para fazer uma aliança com ele, e esse Deus continuou a amar o povo judeu que recusava seu Messias. Esse mesmo Deus enviou sobre a maioria de Israel um “endurecimento em parte” (Rm 11,25), para que eles não vissem que Jesus era o seu Messias, e isso foi “por causa de vocês”, ou seja, por causa dos gentios. Ainda segundo McDermott, “os rabinos haviam ensinado que, quando o Messias viesse, todo o Israel o aceitaria, e essa era chegaria ao fim. Paulo parece ter acreditado nisso, e então sugere aqui que Deus propositalmente cegou a maioria de Israel a fim de que o espaço e o tempo pudessem ser abertos para trazer milhões, talvez bilhões, de gentios nos séculos posteriores”.

Ainda de acordo com McDermott: “Paulo acreditava que seus irmãos judeus não messiânicos ainda estavam em aliança com o Deus de Israel. Mas agora ele via os desígnios de Deus e o Filho de uma forma que os judeus não viam. Esses não eram dois deuses diferentes, mas porções diferentes de Israel em diferentes estados de percepção e obediência. Essa divisão não era nova na história de Israel, que por longos períodos da história bíblica viu distinção entre uma maioria que reivindicava o Deus de Israel e um remanescente fiel. Paulo se referiu a essa distinção [...]: ‘nem todos os descendentes de Israel são Israel’ [Rm 9,6]. Mas, apesar dessa distinção terrível, Paulo deixou claro que o Deus de Israel permanece em aliança com aquela parte de Israel que não reconhece Jesus. Eles ainda são ‘amados’ por ele. De alguma forma misteriosa, ele ainda é o Deus deles. Eles adoram o Deus que Paulo adorava”. E “os gentios poderiam ser adotados como membros associados em Israel se fossem unidos ao Messias de Israel (Ef 2,11-22). Mas havia uma relação especial entre Yahweh e seu povo escolhido, os judeus”. Logo, o Deus revelado em Jesus não era um Deus novo ou diferente, era o mesmo Deus de Israel.

Os judeus não diferem substancialmente (embora difiram materialmente) dos cristãos em todas as questões relacionadas às diferenças substanciais: Lei, graça, obras, encarnação, ressurreição, unidade divina com distinções internas

Em suma, o argumento de McDermott é que os judeus não diferem substancialmente (embora difiram materialmente) dos cristãos em todas as questões relacionadas às diferenças substanciais: Lei, graça, obras, encarnação, ressurreição, unidade divina com distinções internas. Eles diferem quanto à Trindade e à identidade de Jesus. Como ele afirma: “Paulo considerava que até mesmo os judeus que divergiam de Jesus, mas adoravam o Deus de Israel, tinham zelo pelo mesmo Deus, embora esse zelo não se baseasse ‘no conhecimento’ (Rm 10,2). Eles precisavam ouvir e receber o evangelho (Rm 1,16), mas estavam adorando o mesmo Deus”. Assim, podemos afirmar que “os cristãos adoram o mesmo Deus que os judeus que consideram o Antigo Testamento a Palavra de Deus” – ambas as comunidades adoram o Deus de Israel e encontram sua revelação nas Escrituras judaicas, que constituem 77% (protestantes) a 80% (católicos) da Bíblia cristã.

McDermott lembra apropriadamente: “Ninguém pode entrar no reino sem confessar que Jesus é o Senhor e crer que Deus o ressuscitou dos mortos (Rm 10,9). Isso é verdade tanto para judeus como gentios. Mas não podemos saber com certeza o que acontece aos judeus que se recusam a se tornar cristãos de forma visível para nós. Sabemos que Deus ainda os ama e que eles são parte da aliança especial e irrevogável que ele tem com eles (Rm 11,29). Mas sua relação com Deus é parte do ‘mistério’ de Israel (Rm 11,25). Proclamar com segurança que eles não adoram o verdadeiro Deus, que é o Deus de Israel, é dissolver o mistério”.

E, assim, McDermott encerra seu argumento: “Quando Aslam, a imagem de [C. S.] Lewis para Jesus, finalmente se revela a Emeth [em A última batalha, da série Crônicas de Nárnia], ele diz ao guerreiro que sempre o conheceu (como Aslam), mesmo sem saber seu nome. Devemos admitir que o mesmo pode ser verdade para nossos irmãos e irmãs judeus que adoram o Deus de Israel, a quem Jesus disse ser o Deus verdadeiro (Mc 12,29; Mt 5,17-18; Jo 4,22). Podemos esperar que, se estão agora adorando o Pai de Jesus, eles aceitarão Jesus – na maneira e no tempo de Deus – como seu Filho assim que o Espírito revelar a identidade de Jesus a eles”.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]