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Qual progresso queremos, Curitiba?
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Tombou o histórico prédio do Hospital Psiquiátrico do Bom Retiro.

Com tanta discrição quanto possível, no sábado, máquinas contratadas pela incorporadora imobiliária Invespark entraram no terreno e fizeram a demolição, como informou em primeira mão o amigo Luiz Claudio de Oliveira, autor do Sobretudo, no Facebook. É mais uma vítima da implacável especulação imobiliária, que avança, sem freios, a desfigurar Curitiba.

Ainda que dono de curto mandato de dois anos, Luciano Ducci (PSB) passará à história como o prefeito que permitiu a derrubada, além do Bom Retiro, do histórico e belo prédio da Matte Leão, no Rebouças – cujo fim é ainda mais lamentável se pensarmos que um dos espaços culturais mais ricos, queridos e frequentados de São Paulo, o Sesc Pompéia, aproveita as instalações de antiga indústria desativada da família Matarazzo.

Também no Facebook, um amigo, arquiteto, comentou: “Esse tipo de coisa continuará enquanto houver compradores de imóveis que não se importam com aspectos culturais, mas apenas com status, localização e preço. Eu tenho essa convicção de que os compradores são tão culpados quanto os incorporadores, no caso dessas atrocidades.”

Pois, neste momento, é altamente simbólico do pouco valor que Curitiba dá a seu patrimônio histórico o fato de que seu prefeito mora num imponente edifício neoclássico, no Batel, erguido sobre os escombros da bela casa que o arquiteto Lolô Cornelsen, um dos bambas do modernismo brasileiro, construiu para morar com a família. (Que fique claro: Ducci, como qualquer cidadão, tem o direito de morar onde bem entender.)

Outro ícone do patrimônio histórico curitibano, a casa Frederico Kirchgässner, primeira obra modernista da cidade, está abandonada. Por que o poder público assiste, calado, à deterioração de um edifício de tal importância para nossa história e a paisagem urbana? É um exemplo, um entre dezenas.

O que têm a dizer sobre tudo isso os arquitetos e urbanistas que fizeram fama internacional graças ao planejamento urbano da cidade nas últimas décadas? Não é hora deles virem a público e opinarem?

O Cotidiano já foi. E o Mercado Municipal ganha ares de shopping

E o que tudo isso tem a ver com Baixa Gastronomia? – talvez você se pergunte. Muito. Em primeiro lugar, jamais usamos este espaço para falar apenas de bolinhos de carne, feijoadas completas ou buchadas de bode. Celebrar a Baixa Gastronomia vai além de falar sobre comida boa e sem pretensões. Trata-se, antes de mais nada, de dar o respeito devido a casas invariavelmente simpáticas, cheias de fregueses, ainda que quase anônimas para boa parte da cidade. Traço comum a várias delas é o fato de serem antigas e ocuparem imóveis – quase sempre alugados – que começam a ceder sob a força desproporcionalmente maior da especulação imobiliária.

Foi assim, por exemplo, com o simpático Cotidiano, restaurante que funcionou durante anos no Água Verde, mas que foi despejado, junto com os demais imóveis da quadra, para dar lugar a mais um novo e gigantesco empreendimento imobiliário. Ao receberem o aviso de despejo, os donos do Cotidiano se perceberam incapazes de alugar outro imóvel no bairro. Culpa da igualmente avassaladora subida nos preços – Curitiba tem atualmente o quarto metro quadrado mais caro do Brasil.

Mas o que se faz, daí, com a clientela conquistada ao longo de anos? Com os amigos feitos no bairro? Com toda a história de décadas, por vezes de uma vida toda de trabalho? É esse duvidoso progresso a qualquer preço, elitizante, que expulsa velhos moradores dos bairros da cidade, que desejamos?

No próximo sábado (15), Ducci deverá inaugurar o novo anexo do Mercado Municipal da cidade, um espaço muito querido por dez entre dez curitibanos. Trata-se de mais uma obra de gosto muito duvidoso, que dá ao velho Mercado uma aparência mais condizente com a de um shopping center.

Rafael Martins
Parece entrada de shopping, mas são as portas do novo anexo do Mercado Municipal

Como as reformas anteriores, essa dá outra contribuição para tornar o Mercado cada vez mais distante do que é um espaço como esse em qualquer canto do mundo – um lugar democrático, algo anárquico, em que boxes de verduras e legumes se misturam a pequenos restaurantes e lanchonetes. É justamente essa mistura caótica que acaba por conferir a esses espaços um charme único.

Não em Curitiba. Nosso Mercado, cada vez mais shopping center, tem praças de alimentação, com mesas padronizadas, chumbadas ao chão. Sintomático, assim, que um dos mais antigos restaurantes do lugar, o Box da Dona Yfa, tenha fechado as portas na última sexta-feira. Seo Ionézio, o proprietário, que há poucos meses sugeriu que se trocasse “Mercado” por “Shopping” no nome do lugar, resolveu ir cuidar da aposentadoria. Com ele, se vai parte da alma do Mercado Municipal de Curitiba.

Cabe perguntar, a Ducci, ao Ippuc (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba), à administração do espaço: qual a lógica de dar a um espaço historicamente único, diferente, a mesma cara de qualquer shopping center da cidade? Confesso que ela me escapa.

Mais: comerciantes, alguns com décadas de trabalho duro no Mercado, nos relatam que ouvem dos administradores que agora o que se deseja ali são “empreendedores” e que a ideia é, em breve, estender o horário de funcionamento até às 22h. Como farão as famílias que trabalham sozinhas, sem funcionários, a partir das 6h, para sobreviver a isso? Ducci, que orgulha-se (com razão) de ter crescido nos boxes do Mercado, pode nos responder?

E o futuro prefeito, Gustavo Fruet (PDT), o que pensa disso tudo? Eu, cidadão curitibano, gostaria de saber. E não estou só, creio.

No Eduardo VII, um fio de esperança

Em meio a tudo isso, surge uma boa notícia. José Carlos Fernandes escreve sobre o projeto de recuperação do histórico Hotel Eduardo VII. O prédio será recuperado, mas ganhará novo uso. Uma grande ideia. E uma grande notícia, das poucas a se comemorar, ultimamente, no que diz respeito à paisagem urbana da cidade.

Ante todos os casos citados acima, é um fio de esperança, e uma lição, que chega muito tarde para o Bom Retiro, a fábrica Matte Leão e o Mercado Municipal, de que poderíamos ter feito diferente – e melhor, quem sabe.

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