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Sede da Odebrecht, empresa que entrou em recuperação judicial e deve ao BNDES
A Odebrecht entrou em recuperação judicial, a maior da história, e deve ao BNDES.| Foto: AFP

O episódio da troca de presidentes do BNDES mostrou que não há uma estratégia clara para o banco. As opiniões dentro do governo vão do seu fechamento à sua manutenção como pilar dos investimentos em infraestrutura, passando por uma redução drástica de suas funções.

Os liberais mais puristas têm um argumento muito bom para defender o fechamento do BNDES. Como entidade estatal com capital bilionário, o banco escolhe "vencedores" na economia que terão acesso a crédito barato em condições melhores das oferecidas pelo mercado. Essa distorção pode ser mais ou menos intensa, dependendo do governo de plantão.

Durante os governos do PT, o Tesouro repassou R$ 416 bilhões ao banco para que este injetasse recursos subsidiados na economia. Ao inflar o balanço do banco, o Estado direcionou recursos para empresas a um custo que não seria encontrado no mercado, podendo ter induzido um fenômeno chamado de "expulsão" de agentes privados. O fato de grandes empresas com boas notas de crédito serem o grosso da carteira do BNDES indica que companhias que teriam acesso ao mercado de capitais preferiram a rota mais curta e barata do crédito público.

Além desse fenômeno normal da aplicação de subsídios no mercado de crédito sem o foco correto, houve também a concessão de crédito para projetos suspeitos. Dinheiro do BNDES passou por muitas das empresas envolvidas em escândalos de corrupção descobertos pela Lava Jato. O banco também está envolvido de forma profunda nas duas maiores recuperações judiciais da história do país, da Oi e da Odebrecht (um dos pivôs da Lava Jato), dois casos que justificam a fama de "caixa preta" que permanece apesar do esforço do banco em dar mais transparência a seus atos.

Acabar com o BNDES resolve a questão do uso político e as distorções econômicas do crédito subsidiado. Mas há efeitos colaterais que precisam ficar claros. O principal deles é que o mercado de crédito tem falhas e há espaço para um banco de desenvolvimento fechar essas lacunas e acelerar o crescimento de setores subatendidos. Os casos mais citados por quem defende um papel de protagonista para o banco são os do financiamento aos setores de saneamento, infraestrutura e inovação tecnológica. São casos em que o retorno social é positivo, o risco é alto e o retorno financeiro vem no longo prazo.

Outro efeito colateral é que o sistema financeiro está sujeito a crises nas quais as linhas de crédito "secam" rapidamente. Sem um banco de desenvolvimento, mais projetos ficariam parados durante uma crise financeira, como a que ocorreu em 2009.

Bancos de desenvolvimento não são uma invenção brasileira, mas construímos aqui um caso raro de instituição gigante - a terceira maior do mundo em ativos, atrás apenas de China e Alemanha. Além disso, não ficamos com só um bancão. Há bancos regionais (como BRDE) e agências de financiamento e fomento nacionais, regionais e estaduais que duplicam a abordagem pública para corrigir falhas de mercado. Se o BNDES fechar as portas, muitos desses agentes menores ficarão com menos dinheiro, já que repassam recursos do banco, mas continuarão trabalhando.

O BNDES financia hoje cerca de 10% do investimento no país. É essa lacuna que o mercado teria de fechar com crédito privado. Pode acontecer por emissões de ações das empresas, debêntures ou empréstimos simples. Para grandes empresas, esse caminho é plenamente viável. Teríamos que entender melhor o efeito sobre firmas de pequeno e médio porte, em especial as inovadoras.

A pressão para que o BNDES devolva logo todo o dinheiro repassado pelo Tesouro durante os governos do PT tem o efeito de acelerar sua desidratação sem que ele se reinvente para um novo papel. O governo quer usá-lo como um assistente para as privatizações - há ali conhecimento técnico e capital que tornarão o processo de desestatização mais rápido e eficiente. Depois disso, seu futuro é incerto.

Para sobreviver, o BNDES precisará saber ser pequeno, com projetos que realmente corrijam falhas de mercado - como um programa lançado durante a gestão de Joaquim Levy direcionado para empresas pequenas e médias que atuam na chamada "economia criativa" -, e com um sistema de governança que impeça seu uso político de qualquer forma. É uma alternativa melhor e mais difícil do que o encerramento de suas operações - que, por sua vez, é melhor do que o gigantismo dos governos do PT.

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