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O ex-presidente FHC causou polêmica ao endossar visão contra a reforma da Previdência. Foto: AFP
O ex-presidente FHC causou polêmica ao endossar visão contra a reforma da Previdência. Foto: AFP| Foto:

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso caiu em uma armadilha retórica no fim de semana, quando fez uma postagem no Twitter sobre a reforma da Previdência. Esse é um tema que ele deveria conhecer muito bem, já que passou grande parte de seu governo debatendo o assunto, mas mesmo assim FHC caiu no erro de alimentar o discurso de que a reforma é contra os mais pobres.

O comentário do ex-presidente foi feito em cima da participação do economista Eduardo Moreira na comissão especial da Câmara que discute o projeto na última quinta (9). Moreira se firmou como um youtuber antirreforma, repetindo vários dos argumentos insustentáveis que minimizam o problema. Para Moreira, a reforma deveria apenas afetar os que recebem aposentadorias estratosféricas, por uma questão de justiça.

Os argumentos endossados por FHC vão do velho “não há déficit” para o “deveríamos usar o dinheiro dos superávits do passado”. O economista Pedro Fernando Nery escreveu uma série de posts aqui na Gazeta sobre o que diz Moreira a respeito da reforma da Previdência, mostrando 44 erros do economista.

O problema central do que Moreira disse na comissão especial é que seria possível fazer um ajuste na Previdência mexendo-se apenas em privilégios, que inequivocamente existem. Esse é um raciocínio errado, embora muito convincente em um debate público. Na realidade déficit previdenciário é majoritariamente uma questão demográfica de longo prazo, que precisa ser enfrentado como tal. Cortar privilégios (algo previsto em vários itens na reforma) aumenta a equidade  do sistema, mas não paga a conta.

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E FHC sabe muito bem disso. Se não soubesse, não teria proposto em seu governo uma reforma que criava a idade mínima de 60 anos para mulheres e 65 anos para homens para a aposentadoria proporcional. Esse projeto, foi alterado para incluir uma idade mínima geral de 55 e 60 anos, item derrubado na Câmara por um voto em 1998. Na sequência, o governo propôs o projeto do fator previdenciário, aprovado em 1999, que na prática reduz as aposentadorias de quem pede o benefício cedo. O fator foi combatido abertamente pelo PT, e foi sobreposto por outra regra no governo Dilma Rousseff – o modelo 85/95, defendido por sindicatos e aprovado em 2015, teve um efeito oposto ao defendido pelos críticos da reforma de agora, aumentando o valor pago aos trabalhadores com melhores salários por permitir o benefício integral com maior facilidade.

É errado acreditar que a situação de hoje é melhor de quando FHC propôs a idade mínima. De lá para cá os déficits previdenciários aumentaram e a demografia joga contra as contas públicas. O custo da Previdência no país está em 8% do PIB e deve chegar a 17% em 2060 se nada for feito. O déficit no INSS está perto de R$ 200 bilhões por ano e será crescente sem reforma. Se zerássemos hoje os déficits dos servidores federais e dos militares, essa conta de R$ 200 bilhões continuaria precisando ser paga. E ela continuaria crescendo.

A reforma proposta pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, tem pontos pensados para aumentar a equidade do sistema. Ela torna a tabela de contribuições mais progressiva do que a atual para quem está no INSS (a tabela hoje varia de 8% até 11% e passaria a ser de 7,5% até 11,6%) e cria a progressividade no setor público, fazendo com que a parte do funcionalismo que ainda tem direito a aposentadorias acima do teto do INSS paguem bem mais por esse privilégio.

Os críticos da reforma batem muito em três pontos: as novas regras para o benefício de prestação continuada (BPC), novas regras para aposentadorias rurais e a idade mínima.

A regra proposta é haver um pagamento menor do que o salário mínimo para quem tiver direito ao BPC antes dos 70 anos. É mais flexível do que a proposta feita durante o governo Temer. Pode ser melhorada, mas é preciso encarar o fato de que o BPC “concorre” com a aposentadoria, pois os dois mecanismos têm o salário mínimo como piso. Manter idades mínimas idênticas desestimula a contribuição para o INSS. É algo que pode ser melhorado no Congresso, com uma idade de 68 para o benefício integral do BPC, por exemplo.

No caso da aposentadoria rural, é preciso levar em conta o tamanho do rombo (mais de R$ 100 bilhões por ano) e a baixa contribuição no setor. A reforma torna mais rigorosa a regra de acesso ao benefício e maior a exigência de contribuição. O debate tem de considerar que nem todo agricultor está enquadrado na categoria de subsistência e, por isso, não é correto que haja para todos aposentadoria sem contribuição. É uma questão de justiça também em relação ao trabalhador formal urbano de baixa renda.

Sobre a idade mínima, a crítica sempre usa o dado incorreto, a expectativa de vida ao nascer, que hoje é de 75,8 anos no país, mas perto de 70 anos em alguns estados do Nordeste. O correto é avaliar a idade mínima com os dados de expectativa de vida a partir da concessão de benefício. Hoje, a sobrevida do brasileiro que chega aos 60 anos de idade é de pouco mais de 21 anos, em média, e perto de 20 anos mesmo em estados com expectativa de vida mais baixa.

O argumento mais contundente a favor da reforma, no entanto, é o de que as pessoas de renda mais baixa não se aposentam antes dos 65 anos atualmente, porque não têm carreiras estáveis, com períodos longos de carteira assinada. Elas têm benefícios mais baixos, colados com o salário mínimo. Ao mesmo tempo, pagam proporcionalmente mais impostos do que pessoas de maior renda, já que o sistema tributário no Brasil taxa mais o consumo do que a renda. E são os mais pobres que mais dependem dos serviços públicos afetados pela falta de dinheiro do governo – já que a parcela da arrecadação direcionada para aposentadorias é crescente. Na prática, são os mais pobres que carregam um peso maior do déficit previdenciário.

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