O ministro da Economia, Paulo Guedes, vem repetindo que o Brasil precisa "quebrar o piso" do orçamento. A fala é uma contraposição à possibilidade de aumentar o teto de gastos, a regra de controle orçamentário instituída em 2016. A escolha do ministro é fazer um ajuste via corte de despesas em uma janela de tempo de até dois anos.
Ao preservar o teto de gastos, o governo faz uma escolha que tem um mérito e algumas dificuldades. O mérito é perseguir o controle dos gastos ao mesmo tempo em que o mecanismo do teto de gastos garante a geração de superávits primários em um prazo de três ou quatro anos (sem contar receitas extraordinárias, como o leilão do pré-sal).
Pelo mecanismo do teto, o orçamento deve ser corrigido apenas pela inflação. A ideia é que o gasto público seja reduzido conforme haja crescimento econômico. Em outras palavras, a correção só pela inflação permite que a relação entre gasto público e o PIB diminua; quando o PIB cresce, a arrecadação sobe e são gerados superávits primários que vão estabilizar e, em algum momento, reduzir a dívida pública.
Há alguns problemas no mecanismo, dois deles dignos de nota. O primeiro é que o orçamento está sufocado por gastos obrigatórios, em especial Previdência e folha de pagamento, que têm crescido consistentemente acima da inflação. Ou seja, os gastos obrigatórios estão devorando a parte não obrigatória das despesas. O segundo ponto é que, no longo prazo, o teto de gastos é capaz de produzir um ajuste tão forte que seria maior do que o necessário.
Das duas questões, a mais urgente é o estrangulamento do orçamento. É aqui que entra o desejo de quebrar o piso de Paulo Guedes. São três as formas de se fazer isso, resumidas em três verbos: desindexar, desvincular e desobrigar. Todos trazem medidas amargas.
A forma mais polêmica de quebrar o piso é desindexar algumas despesas. Isso significa não corrigir pela inflação. O primeiro balão de ensaio foi uma notícia de que o governo cogita um caminho para não corrigir o salário mínimo. Essa medida reduziria automaticamente os gastos previdenciários, já que o mínimo baliza a maioria das aposentadorias. Um caminho alternativo seria desindexar apenas os benefícios previdenciários.
Na mesma linha, o Ministério da Economia tem segurado a realização de concursos e qualquer negociação de correção salarial. A limitação aqui é que muitas negociações salariais do funcionalismo foram plurianuais e ainda estão terminando de ser pagas, o que não permite um ajuste muito forte já em 2020. Congelar os salários do funcionalismo por alguns anos é uma medida indicada, inclusive, em um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) e traria algum fôlego.
Mas Guedes poderia ter mais: uma PEC (a 438/18, do deputado Pedro Paulo, do DEM) que tramita na Câmara e é apoiada pela equipe econômica propõe a possibilidade de se reduzir a carga horária do funcionalismo, com redução proporcional de salários. No longo prazo, o governo terá de encaminhar uma reforma administrativa dura, que limite os salários de entrada do funcionalismo, igualando seus vencimentos e outros benefícios ao que existe na iniciativa privada.
Uma desindexação mais ampla seria possível com uma mudança na regra do teto, que hoje ordena a correção de gastos obrigatórios pela inflação. O governo não pode, por exemplo, congelar gastos em saúde para liberar investimentos ou pagar aposentadorias. Um movimento nessa direção provavelmente levaria o governo a ter de discutir no Congresso o fim dos mínimos constitucionais (25% para educação e 18% para saúde), um caminho para mexer com os gastos obrigatórios.
Há outros gastos previstos em lei que podem ser revistos. Um deles já em debate há algum tempo, é o abono salarial. Esse gasto tem um impacto de quase R$ 17 bilhões no orçamento e, pela proposta da PEC 438/18, poderia ser suspenso quando o governo não consegue cumprir as regras orçamentárias. Outro repasse obrigatório na mira da PEC é o repasse ao Sistema S (que renderia outros R$ 8 bilhões).
Finalmente, o governo pode fazer uma ampla desvinculação de fundos estatais, muitos deles com baixa aplicação de recursos ou com retorno duvidoso para a sociedade. São mais de 260 fundos em vigor, sendo que metade não consegue gastar 50% do dinheiro que recebe. Do ponto de vista orçamentário, uma alocação mais eficiente liberaria recursos para investimentos.
Orçamento está perto do limite
O debate sobre como quebrar o piso esquentou depois que o governo encaminhou ao Congresso a proposta orçamentária de 2020. Deve ser o primeiro ano em que a União executará um orçamento batendo no teto (neste ano, caminha-se para uma execução R$ 30 bilhões abaixo do teto), basicamente por causa do crescimento dos gastos obrigatórios com Previdência e salários.
Os dois crescem mais do que a inflação e representam, juntos, 68,9% da despesa. Com outros gastos obrigatórios, chega-se a 94% - os seis pontos percentuais que sobram englobam todas as despesas discricionárias, que pagam o dia a dia do funcionamento da máquina pública e os investimentos. Nesse último caso, sobraram apenas R$ 19 bilhões, o menor valor da história recente.
Em um primeiro momento, o governo ainda pode fazer algum remanejamento de gastos, principalmente se conseguir mexer nos fundos instituídos na lei. As medidas mais duras seriam necessárias para o teto de gastos ser mantido após esses primeiros ajustes. A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado estima que há um risco médio de descumprimento do teto em 2021 e alto em 2022.
Há economistas sérios começando a defender uma revisão na fórmula de cálculo do teto de gastos entre 2022 e 2023. Em um estudo recente, os economistas do BNDES Fabio Giambiagi e Guilherme Tinoco defendem uma regra que incorpore algum crescimento real aos gastos para tornar menos intensa a redução das despesas em relação ao PIB e permitir ao governo absorver a alta dos gastos obrigatórios.
Esse é um caminho possível e seria bastante aceitável (e talvez mais proveitoso) se o governo fizesse um trabalho na outra ponta do nó orçamentário: a redução dos benefícios fiscais com o objetivo de tornar a arrecadação mais eficiente. Com isso, o país conseguiria perseguir superávits primários em um ritmo forte, sem depender apenas do teto de gastos. Paulo Guedes fez uma promessa nessa linha, mas ainda não houve progresso concreto.
O mais problemático neste momento é a combinação da incerteza sobre a capacidade do governo em fazer andarem as medidas de ajuste com o risco político de se comprarem as brigas erradas. O ideal seria uma combinação de cortes nos salários do funcionalismo, eliminação de fundos constitucionais, reforma das aposentadorias de militares, e mudanças em benefícios com retorno social dúbio (como abono salarial). Cortes no valor das aposentadorias, na educação e na saúde seriam politicamente difíceis e com consequências negativas sobre a qualidade dos serviços públicos.
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