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– Governador, por que o senhor está de máscara?
– Porque eu respeito a vida.
– Certo. A vida de quem?
– De todos os seres humanos que estão em risco na pandemia.
– Muito bem. Mas o senhor não acha que neste momento eles estão um pouco distantes?
– Eles quem?
– Os outros seres humanos do planeta.
– Que outros?
– Governador, o senhor está sozinho numa sala, falando por vídeo.
– Eu sei. Às vezes o poder é solitário.
– Não estou falando da solidão do poder. Estou falando da sua máscara.
– Gostou dela? Com toda humildade, confesso que também gostei. Ela tem um design arrojado, dá um ar misterioso aos olhos, você não acha?
– Eu...
– Não precisa responder, não quero que pareça que estou cavando elogio. Aliás, não ligo para elogios. Me olho no espelho de manhã cedo, me certifico de que não existe máscara mais bela do que a minha e já ganhei o dia.
– Espelho, espelho meu...
– Não, não falo com meu espelho. Não preciso que ele me diga nada. Isso é para os inseguros. Apenas olho, acredito no que vejo e vou à luta.
– Mas se não fosse o seu espelho você não saberia se está bem.
– Eu sempre soube. O espelho tem o seu valor, mas é só uma confirmação. O mérito é todo meu. Por isso não dialogo com ele. Já sei o que vou ouvir.
– Diálogo previsível é chato mesmo.
– Não é chato. É improdutivo, antieconômico, não gera riqueza nem conhecimento. Não me interesso por nada que esteja fora da lógica e da ciência.
– Por falar em ciência, o que o senhor está fazendo sozinho numa sala de máscara?
– Estou fazendo um pronunciamento em vídeo.
– Eu sei, inclusive estou lhe vendo. Ou melhor, vendo uma pequena parte do seu rosto, a que não está coberta. Mas a minha pergunta é...
– Você está insinuando que eu estou escondendo a cara?
– Eu não disse isso. Se o senhor tem motivos para estar de máscara, não há por que achar que está escondendo a cara. Eu só estou perguntando quais são os...
– Estou salvando vidas. E você, o que está fazendo?
– Estou perguntando por que o senhor está...
– É sempre assim. Quem não sabe nada vive perguntando. Você está precisando de um pouco de ciência na sua vida.
– Ciência não comporta pergunta?
– Pergunta errada, não. Lembra quando te falei de diálogos improdutivos?
– Lembro.
– Pois é. Esse aqui é um exemplo típico.
– Governador, talvez esse diálogo ficasse mais produtivo se o senhor explicasse por que está usando máscara sozinho numa sala, com zero chance de contágio, inclusive já tendo tido Covid.
– Estou dando exemplo.
– Exemplo de uso de máscara numa situação em que ela não é necessária? Não acha que esse exemplo pode sair pela culatra? Não acha que assim a população pode duvidar da seriedade dos seus propósitos?
– Posso te confessar uma coisa?
– Claro. Quem sabe assim esse diálogo fica mais produtivo.
– Sem dúvida. Confissão, quando verdadeira, é algo muito produtivo.
– E a sua será verdadeira?
– Sim. Posso provar.
– Então confesse, governador. Dê essa contribuição à produtividade e à ciência.
– Nem sei por onde começar.
– Fica calmo. Respira. Sua máscara é grossa, mas você consegue.
– Tá.
– E quando falar, fala de uma vez. Aí quando viu já falou.
– Você tem razão. Obrigado.
– De nada. Respirou?
– Respirei.
– Então fala.
– Tá. É o seguinte... Estou com uma espinha enorme.
– Hein?!
– Espinha. Gigantesca. No meio do nariz. É horrível...
– Calma, não chora. Isto também passará.
– Será?
– Claro! Mas... É por isso que você está de máscara?
– É.
– Não acha um certo exagero?
– Se você visse o tamanho da espinha não acharia que é exagero.
– Bem... Se você está dizendo...
– Eu disse que poderia provar. E posso. Quer que eu tire a máscara pra te mostrar?
– Não, tudo bem. Pode ficar de máscara.

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