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Coveiros usam material de proteção contra a Covid durante enterros no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo
Coveiros usam material de proteção contra a Covid durante enterros no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo| Foto: Miguel SCHINCARIOL / AFP

Em minha penúltima coluna na Gazeta do Povo, escrevi que a maioria das CPIs terminavam em circo. Não foi uma generalização.  Até porque muito trabalho bom também já foi executado. Desde que bem conduzidas, CPIs podem produzir resultados valiosos para o país. Que o diga a dos Correios. Seu relatório final possibilitou ao Ministério Público Federal denunciar dezenas de líderes políticos do governo petista, que depois foram processados e condenados no histórico julgamento do Mensalão. Mas não foi uma exceção. Ainda antes dela, outra CPI efetiva foi a do Orçamento, que resultou em indiciamentos e cassações de parlamentares. A CPI do Narcotráfico e da Pedofilia também foram importantes, tanto para responsabilização de agentes públicos quanto para o aprimoramento de legislações punitivas. É preciso tomar cuidado com a narrativa oficialesca daqueles que pretendem deslegitimar esse instrumento investigativo de modo que possíveis desvios e omissões de agora não sejam apurados.

A CPI da Covid tem um longo caminho a percorrer. Ainda é cedo para dizer se contribuirá para o esclarecimento dessa tragédia sem igual que o Brasil vivencia. Desde que o Supremo Tribunal Federal, em uma decisão correta, balizada pela lei e seguindo o parâmetro do caso precedente da CPI do Caos Aéreo, determinou que Rodrigo Pacheco a instaurasse, há uma mobilização para atrapalhar a condução dos trabalhos. O primeiro movimento nesse sentido foi a tentativa ilegal e revanchista de incluir em sua abrangência governadores e prefeitos. O objetivo era ampliar o escopo do inquérito a ponto de torná-lo inócuo.

O principal risco para a comissão é permitir que a pressão política faça com que se perca o foco: o papel do governo federal no combate ao novo coronavírus. E aqui é necessário dizer: trata-se de uma mentira que a investigação não possa se estender a Estados e Municípios. Para tanto, basta que haja elemento conexo ao objeto central. A própria CPI poderá deliberar a respeito quando for o caso. E se isso parece insuficiente, há sempre a possibilidade de que CPIs sejam abertas em outros âmbitos, como Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, bastando que se saia da retórica denuncista e se apresentem fatos determinados para tanto.

Nesta semana foi divulgado o plano de trabalho da CPI da Covid. Trata-se de um documento guia, não de algo estanque, ao contrário do que dizem os tocadores de bumbo do bolsonarismo. Outros elementos poderão ser adicionados, mas o que vai ali, se cumprido com rigor, poderá gerar um resultado auspicioso para a saúde pública brasileira.

Não é apenas Eduardo Pazuello quem deverá ser ouvido. De fato, excetuando o próprio presidente da República, foi ele o personagem principal da obera bufa que nos levou aos 400 mil óbitos. O general terá de falar sobre a falta de oxigênio em Manaus, da demora na celebração de contratos com produtoras de vacinas, da aquisição de remédios comprovadamente inúteis e da falta de kits de intubação. Outros, entretanto, também terão de dar explicações. Que Fábio Wajngarten justifique a ausência de campanhas de conscientização para adoção de protocolos sanitários, uso de máscara e vacinação. Que o ex-chanceler Ernesto Araújo conte porque o governo brasileiro comprou menos vacinas do que poderia no consórcio Covax Facility. Perguntas e fatos nebulosos não faltam.

Alguns gostariam que a comissão fosse adiada ad aeternum para que, no futuro indeterminado, ela não fosse uma prioridade e acabasse esquecida. Não será o caso. Que sirva para prestar tributo aos mortos da pandemia e do descalabro.

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