Não é apenas de furar o teto que vivem os tesoureiros do centrão (para ficar com a excelente expressão cunhada pelo analista Alexandre Borges). Aprovada na Câmara dos Deputados em dois turnos de votação, a PEC dos Precatórios começa a ser analisada no Senado Federal, e novas distorções ainda mais graves já estão desenhadas. Da forma como está no momento, o texto representa um retrocesso profundo nas bases do equilíbrio fiscal. Cria um passivo bilionário de decisões judiciais a serem pagas no futuro e altera o indexador inflacionário de modo que se opere uma inversão: fazer o limite de gastos caber no tamanho das despesas. Nem os próceres da contabilidade criativa do período lulopetista seriam tão inventivos. O objetivo agora parece ser dar cabo da própria Lei de Responsabilidade Fiscal.
Anexo ao projeto original havia um truque eleitoreiro de Jair Bolsonaro. O Auxílio Brasil, que não passa da mudança de nome do Bolsa Família (agora incorporado ao repertório de slogans do governo de turno), viria anabolizado em R$ 400. Mas só para 2022, não havendo recursos para mantê-lo nesse patamar além disso. A natureza flagrantemente oportunista da medida gerou contrariedade entre os senadores. Fernando Bezerra Coelho, que é relator da proposta na Casa, tratou então de tornar o benefício permanente, mas sem indicar como se daria a viabilidade financeira disso. O fundamento viria de uma interpretação constitucional.
O relatório de Bezerra Coelho sugere a criação de uma lei, a ser editada até o fim de 2022, em que se dispensaria a “observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa”. Em coletiva com jornalistas, o senador afirmou que “a interpretação é de que, por ser emenda constitucional, estaria suprida essa exigência na partida do programa, para financiar o Auxílio Brasil”. É maquiagem fantasiada de hermenêutica de fundo de quintal.
Os Artigos 15, 16, 17 da Lei 101/2000 estabelecem o regramento básico da responsabilidade fiscal e instituem a expansão sustentável das ações governamentais nas diferentes esferas administrativas. A partir de sua promulgação, essa legislação incorporou ao Estado a necessidade de equalizar as despesas com suas respectivas fontes de receita. Antes dela o país vivia sob regime de anarquia orçamentária. E é exatamente essa evolução histórica que se pretende relativizar agora com uma modificação gritante das regras do jogo em meio ao seu andamento.
A necessária resposta à calamidade social que empurra os humildes para a miserabilidade absoluta virou a oportunidade perfeita para a ação insidiosa de parasitas, espertalhões, fisiológicos e populistas. A soluções estruturais e sustentáveis foram colocadas de lado em nome do mantenimento do status quo político da nova era protagonizada pelo centrão bolsonarista. Sob a demagogia de fazer benemerência, dilapidam o apanágio jurídico que sustenta a estabilidade econômica e o que resta da credibilidade do país. Os pobres não sabem, mas serão eles a pagar a conta da hermenêutica fura-teto de Bezerra Coelho e seus pares.
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