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Baianos
Sandro Fantinel foi expulso do partido Patriota após proferir falas contra trabalhadores baianos encontrados em situação análoga à escravidão.| Foto: TV Câmara de Caxias do Sul/reprodução

Só mesmo o Brasil de 2023 permitiria um contexto em que o escritor, diplomata e historiador Joaquim Nabuco fosse parar no título de um artigo junto do vereador Sandro Fantinel, do interior do Rio Grande do Sul. Mas isso se faz necessário, até porque a falta de conhecimento sobre o primeiro ajuda a promover a ascensão política de tipos como o segundo.

O parlamentar gaúcho foi notícia no Brasil inteiro depois de suas falas criminosas e preconceituosas contra nordestinos terem circulado nas redes sociais. Foi à tribuna da Câmara de Caxias do Sul para comentar o caso de trabalho análogo à escravidão identificado em Bento Gonçalves e atacou as vítimas. Recomendou que não se contrate mais “aquela gente lá de cima” (os nordestinos), e também que fossem trocados por argentinos, que, segundo ele, seriam “limpos, trabalhadores, corretos”. A fala é criminosa e uma abominação moral.

A imunidade parlamentar é uma garantia no exercício da atuação legislativa e não pode ser confundida com um totem inexpugnável para o cometimento de atos hediondos.

Em seu livro Minha Formação, Nabuco fala sobre como a “escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”, descrevendo sua natureza insidiosa e como ela povoou o país “como se fosse uma religião natural e viva, com seus mitos, suas legendas, seus encantamentos; insuflou-lhe sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia seguinte”. Parte das reações ao caso na Serra Gaúcha evidenciam tal normatização.

Em uma nota oficial, o Centro de Indústria, Comércio e Serviço de Bento Gonçalves disse que a situação ocorre também em virtude de um "um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade” e que este supostamente causaria “falta de mão de obra”. Palavras fazem sentido. Para além de ignorar os números e pesquisas mostrando a importância de programas sociais para diminuição da pobreza extrema, aumento da participação escolar e incremento na atividade econômica, o que temos não é o repúdio, mas a justificativa do ocorrido. Até o ChatGPT seria mais humano. O vereador, por sua vez, só foi a fundo no preconceito, e por isso deveria ser cassado e responder na Justiça.

É claro que em breve teremos os defensores da liberdade de expressão absoluta a defender que ele não seja punido porque, afinal, apenas deu uma opinião e estaria protegido pela imunidade parlamentar. Quem conhece a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Federal sabe muito bem que essa a imunidade é relativa, e que só se dá quando guarda “pertinência, por um nexo de causalidade, com desempenho das funções do mandato parlamentar” e “não se estende a palavras, nem manifestações do congressista, que se revelem estranhas ao exercício, por ele, do mandato legislativo”. Qual será o nexo de causalidade entre as ofensas aos nordestinos e sua atividade como vereador?

As reações vão se somando. O Patriota, partido ao qual Fantinel era filiado, já determinou sua expulsão, vereadores de Caxias do Sul se mobilizam apresentando ações contra ele na Comissão de Ética, e o Ministério Público, por sua vez, anunciou que pretende instaurar um inquérito para investigá-lo no âmbito legal.

A tribuna de um parlamento não pode ser salvaguarda para a prática de crimes. Vale para deputado pregando golpe de Estado, vale para vereador pregando aberrações xenófobas. A imunidade parlamentar é uma garantia no exercício da atuação legislativa e não pode ser confundida com um totem inexpugnável para o cometimento de atos hediondos.

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