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Ligações perigosas
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O material revelado pelo site The Intercept Brasil não pode ser negligenciado. Fazê-lo seria jogar fora qualquer vergonha jurídica que se tenha na cara e submeter o direito ao casuísmo justiceiro que tem servido ao paladar deseducado de muitos. No momento, importa menos saber quem revelou e com que intenções, e mais do que foi revelado.

Partindo do pressuposto de que o conteúdo é verdadeiro, ele coloca o futuro da Lava Jato e de seus principais atores sub judice. Nem a nota do Ministério Público, nem as explicações do juiz Sérgio Moro foram enfáticas o bastante para negar a veracidade das conversas. Tergiversaram sobre o contexto (ah, o contexto!) e sobre o vazamento em si mesmo.

Vazamento que, sim, também é coisa séria, mas não, de modo algum coloca de volta o leite que já se derramou da caixa. Não nos esqueçamos de que o método de vazamentos controlados foi usado sem parcimônia pela própria força-tarefa, quando a ela interessava mobilizar a opinião pública aos seus propósitos e às suas intenções.

E o que há de tão preocupante em tudo isso? Há o fato de que juiz e promotor tratavam com intimidade constrangedora das estratégias de investigação. Não eram tecnicalidades, questiúnculas processuais, problemas com a petição inicial, mas uma espécie de orientação, que partia de Moro a Dallagnol. Já ouviram falar naquele esqueminha funcional em que juiz julga, promotor acusa e advogado defende? Pois bem, ele deveria ser respeitado com mais rigor.

Para os anunciadores da justiça sem o direito, da lei sem a ordem legal, tudo vale a pena quando a indignação não é pequena. O PT assaltou os cofres públicos? Assaltou. Lula era o presidente enquanto o assalto acontecia? Era. Então os fins justificam os meios e estamos conversados.

Não estamos conversados. A justiça se faz quando se faz bem o direito. Eu, se tivesse de apostar, apostaria na responsabilidade de Lula pelos crimes de que foi acusado e condenado. Porém, condenação nenhuma deveria flertar com a parcialidade.

Repito: a se confirmarem as informações – e como eu quero que não se confirmem... – Sérgio Moro bateu escanteio e cabeceou; fez papel de juiz e de acusador. Na prática, é como se já se antecipasse às provas e antevisse o resultado. Cuidou apenas de esperar os documentos e calcular a dosimetria da pena.

Isso posto, conclui-se que a condenação de Lula foi mesmo política? Não – necessariamente. O direito é a ciência do não-é-bem-assim. O conjunto probatório foi analisado e julgado também em segunda instância, por outros juízes, em colegiado. Poderia ter sido distinto, o entendimento; não foi. Outros processos estão em curso. Os bilhões são os bilhões e foram desviados. Os fatos são os fatos e temos uma montanha deles. Todavia, a Lava Jato ficará na história pátria com o asterisco: assim se faz e não se faz justiça; assim se faz e não deveria ser feito. Que sirva de exemplo. É importante devassar as entranhas do poder e é importante que a devassa seja feita com os equipamentos e meios apropriados. Sem “anormalidades”.

Em março deste ano eu antecipava o seguinte: os tribunais não nos salvarão das cabines. Não podemos acreditar que, na dúvida, haverá sempre um juiz forte o suficiente para nos defender de quem elegemos. O direito não substitui a política. O direito não nos protege da política.

Registre-se que a vitória de Jair Bolsonaro continua legítima. Foi votado e eleito entre os candidatos à disposição, naquele “contexto”, palavrinha oportuna para tantas ocasiões. O PT disputou, perdeu e mereceu perder. Entretanto, Lava Jato à parte, o PT não pode ser tratado como bicho-papão trancado no armário para o resto dos nossos dias. Que seus crimes e erros sejam condenados nos tribunais, mas sobretudo nas urnas, eleição após eleição, seja lá quem vier a ser o candidato.

Por fim, quem não veja nessa promiscuidade processual mais que frescuras doutrinais, e prefira se render às paixões políticas e ao exibicionismo ético, desconhece no varejo e no atacado, no todo e no detalhe, justamente aquilo que mais acredita defender: o estado de direito, a supremacia da lei, o respeito à Constituição e, last but not least, a própria noção de justiça. Em resumo: as condições de possibilidade para um país verdadeiramente bom. Com Lula ou sem ele.

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