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"Divina Comédia", Dante Alighieri. Ilustração de Gustave Doré
"Divina Comédia", Dante Alighieri. Ilustração de Gustave Doré| Foto:

No meio do caminho da minha vida, encontro-me perdido numa selva escura.

Selva escura também conhecida como reforma da Previdência. Eu assistia ao debate que começou com Paulo Guedes explicando a necessidade das medidas e terminou com Zeca Dirceu invocando o Bonde do Tigrão.

O caminho para o inferno está pavimentado com pedrinhas de brilhante.

Eu assistia ao lamentável debate quando, de repente, tudo me encheu de agonia e enfado, de temor e tremor. Não pela falta de decoro, de seriedade e de espírito público das tchutchucas e dos tigrões envolvidos, mas sim pelo fato de que, como dizia o John Maynard Keynes, a longo prazo estaremos todos mortos. Não todos, coletivamente, mas cada um de nós. Com Previdência ou sem Previdência.

Também é verdade que no Brasil o risco é morrer antes da morte.

A notícia de que um rapaz meu conhecido morrera aos 29 anos de idade, depois de ser diagnosticado com um câncer gástrico há pouco mais de um mês, me fez emocionado. E melancólico. Só nos resta a Providência.

Reformas, reformas, reformas – previdenciária, tributária, política, eleitoral. Pra que tanta reforma, meu Deus!, pergunta o meu coração. Todas as reformas são ridículas, não seriam reformas se não fossem ridículas. São um correr atrás do vento, são fogo fátuo e distrações dessa vida tão breve e tão frágil. Sim, eu sei, temos os filhos, temos os netos, temos os cachorrinhos, as gerações que virão e merecem nosso cuidado.

Cuidemos delas, mais do que de nós.

Contudo, em meio às turbulências políticas, não nos esqueçamos de que Cristo não tinha onde repousar a cabeça, que não podemos ser reféns das preocupações, que os mortos haverão de enterrar os mortos.

Não nos esqueçamos de que Marta se importava demais com os afazeres que importavam de menos.

Sejamos menos Martas, sejamos mais Marias, e cuidemos do que merece nosso cuidado urgente sem, no entanto, esquecer que há outras e maiores urgências que escapam à atenção cotidiana, às tabelas estatísticas, às decisões políticas, e não deveriam escapar.

Hoje faço 39 anos.

No meio do caminho da minha vida, lembro-me da minha mãe falecida, desse rapaz tão novo que morreu, dos meninos e meninas da família e dos meninos e meninas dessa “república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus”.

Marta, Marta, te afliges com tantas coisas!

E me lembro também de tudo o que há para além de tudo, mais à frente ainda – lá onde nossa vista não alcança, onde o barulho das nossas tribulações e o ruído dos nossos debates sobre reforma da Previdência não chegam. Nem importam. Ao menos hoje, queria que importassem nada.

Non ragioniam di lor, ma guarda e passa.

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