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O presidente Jair Bolsonaro, durante mais uma manifestação a favor de si mesmo, disse que ele está com o povo e o povo está com ele. Ele e o povo são um só. Ponderado, garantiu que até respeita as instituições, como não respeitaria?, mas que acima das instituições está o povo, “meu patrão, a quem devo lealdade”, concluiu Hugo Chávez, minto, Jair Bolsonaro.

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Declarações assim traem certo analfabetismo político e flertam com o perigo antidemocrático. O sentimento de que há inimigos e traidores por todos os lados, dentro e fora do governo, que devem ser combatidos, escorraçados, calados, deportados, isso serve para instigar ânimos que teimam em se manter exaltados. Da força de expressão à expressão da força é um pulo.

O deputado que perambulou sem norte durante longos anos nos corredores do Legislativo virou presidente, mas ainda não terminou de aprender que as tais “instituições” não são coisas que atrapalham a política, que contrariam o povo. Antes, é por meio delas, e só por meio delas, que uma política razoável é possível no complexo mundo contemporâneo.

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O povo, por sua vez, é uma abstração. Quem é o povo: todos os brasileiros? A maioria dos brasileiros? Apenas os que votaram no presidente? Somente os que lhe são leais? Quem votou nele e se arrependeu ainda é povo, ou perde a condição de povo? Quem concorda com a direção da economia e da infraestrutura, mas discorda dos rumos da política ambiental e de segurança, é meio-povo?

A alternativa ao sistema representativo já foi tentada, e deu errado, em muitos países. A democracia direta, popular e populista, é a menina dos olhos de todo líder autoritário. De todo líder autoritário de esquerda, a propósito. O que nós vemos hoje na Venezuela é efeito dessa concepção política. Dessa ligação direta ao ataque, do goleiro ao centroavante, sem a troca de passes da democracia.

Revolucionários de esquerda e populistas de direita apelam ao povo, à política plebiscitária, à indistinção entre representantes e representados, à confusão entre a vontade das ruas e a vontade de quem diz representar as ruas, às demandas arbitrárias em detrimento da lei e da Constituição.  Por isso, as instituições são o mecanismo contra-majoritário por excelência, ou seja, elas servem de anteparo entre as massas e os indivíduos, entre a brutalidade do coletivo e fragilidade da minoria. Minoria que pode ser você, eu, o cristão, o ateu, quem quer que seja considerado inimigo público num dado momento ou contexto. Num país comunista, minoria é o cristão. Cristo e seus doze foram minoria numa Roma idólatra e decadente.

Se tomarmos o modelo americano como paradigma, aprenderemos que lá, mais do que aqui, o que funcionam são as instituições, pessoas à parte. A começar pela Constituição, mais antiga e resiliente do mundo democrático. O que há de invejável nos EUA é a solidez e a constância de seus institutos, mesmo diante de todos os baques econômicos e geopolíticos que sofreram e fizeram sofrer. Da conquista da Independência à Secessão, da Crise de 29 ao Vietnã, da Guerra Fria ao 11 de setembro, do assassinato de Kennedy à renúncia de Nixon, muitos foram os motivos para que as instituições americanas sucumbissem ao populismo imediatista. Não, obrigado, eles disseram.

Notem que nem mesmo o processo eleitoral americano é como o nosso. O sistema proporcional filtra as distorções que o voto direto nos candidatos poderia permitir. Não é curioso que a Hillary Clinton tenha vencido no dito voto popular, mas Trump tenha levado no voto que vale, o dos colégios eleitorais? Assim é e assim fica. Eis a lição de um país que, defeitos à parte, sabe que a liberdade do povo é resultado, e não causa, da solidez das instituições e da equanimidade da lei.

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Jair Bolsonaro e sua militância deveriam aprender a sério como funciona a democracia com os irmãos do Norte, em vez de apenas imitá-los no que têm de pitoresco e espalhafatoso. Não adianta nada falar como os EUA e fazer como a Venezuela.