Corpulent Lunatic - Frost, Arthur Burdett (OBI)| Foto:

Finalmente, amanhã está chegando: o Tribunal Regional Federal marcou o julgamento de Lula, no caso do tríplex, para o dia 24 de janeiro. Prometo pular sete, dezessete, setenta vezes sete ondinhas pra ver se a coisa anda. O PT, em nota, ironizou o “julgamento em tempo recorde”, apontou que vivemos “estado de exceção” e ressalvou que a candidatura de Lula “pertence ao povo brasileiro”. Realmente um absurdo que a justiça seja feita tão rapidamente. Não estamos acostumados. O razoável é esperar e esperar e esperar até que prazos findem, candidaturas sejam oficializadas e o país se veja metido numa situação das mais macunaímicas: um presidente governando da cadeia. Supremo Tribunal Federal, que é uma avó, deve chancelar. A propósito do “estado de exceção”, concordo em gênero – em todos os gêneros –, número e grau: em circunstâncias normais, criminosos comuns estariam presos há muito tempo, quietinhos, esperando o julgamento. No caso “ora em tela”, como dizem os juristas, temos um condenado em primeira instância que não só sapateia nas instituições, como desfila em carro aberto mostrando às criancinhas suas vergonhas e aos adultos suas promessas de campanha. O Brasil é mesmo – estado de – exceção a qualquer regra. Quanto à candidatura pertencer ao povo brasileiro, afirmo que pertence: como a malária, como a febre amarela, como a pensão vitalícia para moças solteiras filhas de militares. De minha parte, agradeço ao PT, mas devolvo o presente: toma que o filho é teu.

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Aliás, em comício vagamente antecipado, Lula soltou uma daquelas frases de fazer inveja a Winston Churchill: “O Rio de Janeiro não merece que governadores eleitos democraticamente estejam presos porque roubaram dinheiro público. Eu nem sei se é verdade, eu nem sei se é verdade. Porque não acredito em tudo que a imprensa fala”. Se eu fosse uma pessoa cética, afirmaria que ele quis dizer o seguinte: lamentável que o povo do Rio de Janeiro tenha eleito governadores que depois cometeram malfeitos e foram parar na cadeia. Como sou pessoa das mais crédulas, acredito piamente na frase do ex-presidente, atual condenado e sempre companheiro, tal e qual: lugar de ladrão de dinheiro público é fora da cadeia, desde que eleito democraticamente. Lula, advogado e profeta de si mesmo.

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A propósito de eleições democráticas, o Tribunal Superior Eleitoral concluiu e divulgou o resultado dos testes nas urnas eletrônicas para as eleições do fim do mundo, circa 2018. Não poderia ser mais animador: pelo menos seis – em numeral: 06 – falhas foram detectadas pelos peritos. Em suma: é uma peneira de fazer inveja à zaga do meu time. Até meu sobrinho acessa aquilo e faz da cabine de votação emulador de Super Mario Bros. Esse é o tipo de informação que paralisaria votações, revisaria candidaturas, provocaria protestos. Porém, temos orgulho das nossas poucas bugigangas patenteadas, e como o resultado das nossas fraudes, digo, eleições sai rapidinho para o mundo inteiro ver, pouco importa a precisão da coisa. Matemática é ciência superestimada, de povos racionalistas que fizeram campos de concentração – nós fazemos carnaval. Um pouco mais para cá, um pouco mais para lá, quem se importa? Se calhar, termina em samba. Vejam a declaração antológica do secretário de tecnologia da informação do TSE: “Isso não se trata de um discurso, isso é demonstrado, é evidenciado inclusive com esse tipo de evento, que são os testes públicos de segurança. Ali nós mostramos realmente como o sistema está, onde há as potenciais fragilidades e onde efetivamente nós vamos fazer o conserto. Então isso demonstra o quanto o software está maduro, está robusto e evoluindo à medida que a própria sociedade dá a sua contribuição”. Em português: o fato de o sistema acusar falhas e vulnerabilidade não depõe contra o sistema; antes, mostra como ele está crescidinho e só tende a melhorar com a ajuda do povão. Mais fácil oficializar de vez a venda de votos, o voto aberto, o voto de cabresto, a República da cachaça com a mesóclise: tudo continua como dantes no quartel de Abrantes.

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O politicamente correto tem feito estragos nas melhores e até nas piores famílias. A mais recente vítima é o rapper Mano Brown, rapaz de cenho franzido, que fundou os Racionais MC’s e metia todos os dedos na cara da polícia, da política, dos burgueses, dos playboys, do sistema, de mim. Agora Brown tomou juízo e só cantará letras que não ofendam, não passem perto de ofender, determinados grupos. “Tem música que eu não canto mais. Outro dia tocou uma, e eu: paaaaara, vamos ser linchados, se liga no momento do Brasil! As negona vão me matar amanhã, a gente não pode nunca mais falar essas coisas”. Sociólogos respeitáveis escreveram sobre o aparecimento dos Racionais na cena musical e social brasileira. Como se eles fossem um fenômeno a ser considerado seriamente: sua música, sua crítica, sua representatividade. Eu não conseguia ver grande coisa onde viam tudo isso, mas respeitava; com esse aggiornamento do grupo, com essa concessão, lamento admitir que onde eu já não via grande coisa, agora não vejo é nada mesmo.

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Chico Buarque falou sobre os ataques que têm sofrido nas ruas do Rio de Janeiro (também conhecido como: no pedacinho muito restrito em que Chico circula no Rio de Janeiro). Xingam-no de “viado” e exigem que vá para Cuba. Que deselegante. Ele desaprova isso enquanto aprova que, em seu show, gritem “Fora, Temer!” É o tal negócio: pau que bate em Chico, bate em Francisco. No caso, em Michel. Não que eu concorde com xingamentos na rua. Acredito em certa civilidade. Num debate, debate-se; numa discussão, discute-se; numa briga, briga-se; na rua o homem não é o Chico: músico, escritor, petista; é um homem como outro qualquer. Porém, sabemos que a política que se mete em música popular logo há de meter-se no boteco; do boteco para as ruas é um pulo; das ruas para o Chico, outro. Para um compositor que fez do protesto político parte considerável de sua obra, ofensas e protestos são ossos, são quase aplausos, do ofício. A direção dos ventos muda e Chico Buarque, que já foi oposição e já foi situação, agora tem de lidar com mais essa: opor-se a um governo que, feitas as contas, até poucos meses atrás era situação. Apesar dele. Apesar de você.