Imagem ilustrativa.| Foto: SpaceX-Imagery/Pixabay
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Confesso: sinto gratidão e compaixão pelas aventuras dos bilionários espaciais. Falo de Richard Branson, Jeff Bezos e Elon Musk, que prometem inaugurar uma nova era de turismo espacial.

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Branson, o pioneiro, lá subiu 86 quilômetros para sentir a ausência de gravidade. Como uma criança feliz na Disneylândia, enviou fotos.

Jeff Bezos, o fundador da Amazon, vai tentar quebrar o recorde de Branson, subindo aos cem quilômetros. E Elon Musk?

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Mistério. Notícias não confirmadas pelo próprio garantem que Elon Musk vai apanhar uma carona de Richard Branson em próxima viagem. Mas também é provável que Musk seja o terceiro a tentar a sua sorte a solo, batendo Jeff Bezos. Como explicar a febre espacial que congrega os bilionários desse mundo?

Amy Davidson Sorkin avança três hipóteses na New Yorker. Primeira hipótese: os bilionários fazem parte de uma nova moda que se estende também às grandes potências. Depois do descaso com o espaço nas últimas décadas, eis que a China tenciona montar uma base em Marte até 2033. Isso espicaçou o orgulho dos Estados Unidos, que já estão limpando o pó dos seus foguetes.

Segunda hipótese: a rivalidade entre os três não se explica apenas pelo interesse no turismo espacial. O problema é que a Nasa escolheu Elon Musk para parceiro dos seus próximos projetos. Branson e, sobretudo, Bezos querem mostrar a Washington que também sabem umas coisas do negócio.

Terceira hipótese: os três antecipam um futuro em que os mais ricos vão abandonar a Terra e seus apocalíticos problemas para se refugiarem lá em cima, no Olimpo. A Terra será uma espécie de lixeira para os mais pobres.

Admito que tudo isso seja verdade. Mas também admito que razões mais prosaicas expliquem essa competição cósmica. "Os ricos são diferentes de mim e de você", dizia Scott Fitzgerald a Ernest Hemingway. "Pois são", respondeu-lhe Hemingway, "têm mais dinheiro".

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Verdade. Mas não é apenas mais dinheiro que os ricos têm. É a necessidade constante de suplantarem o vizinho por saberem que a dimensão simbólica e social das suas existências é tão importante como o tamanho da conta bancária.

Nesse quesito, a tecnologia pode ter evoluído de forma assombrosa. Mas a alma humana, e sobretudo a alma dos ricos, não se alterou. Haverá uma grande diferença entre as ambições espaciais dos bilionários e, por exemplo, os comportamentos da nobreza cortesã em Versalhes, que o sociólogo Norbert Elias tão brilhantemente recriou?

Branson e seus amigos querem chegar à Lua. Os nobres do século 17 queriam chegar ao Sol – no caso, o Rei Sol, Luís 14. Conta Norbert Elias que o grau de proximidade ao monarca indicava o lugar de cada um na hierarquia. Ver o rei despertar no seu quarto era uma coisa; ajudar o rei a vestir-se, a suprema glória.

De igual forma, subir 86 quilômetros não será o mesmo que subir cem, ou 200, ou 300 – o céu não é o limite.

Sinto compaixão pelas medições fálicas dos bilionários espaciais: em teoria, eles poderiam continuar cá em baixo, com dinheiro para várias vidas de ociosidade e prazer; mas que interesse tem a Terra quando é possível comprar tudo o que ela oferece? Mais ainda: quando os outros também têm essa possibilidade?

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Na busca da distinção, ser rico dá um trabalho danado, razão pela qual também sinto admiração, e até gratidão, pelos seus esforços. A civilização depende deles.

Hoje, é possível subir 86 quilômetros – uma proeza só para alguns. Daqui a anos, ou décadas, não é de excluir que as viagens espaciais sejam tão vulgares (e tão insuportáveis) como a aviação civil. E, ao contrário do que teme Amy Davidson Sorkin, disponíveis para qualquer um.

Imagino o meu filho, ou o meu neto, cansado da poluição terrestre, chegando em casa com a notícia de que existe um apartamento com quatro cômodos em Marte.

E eu, do alto dos meus 90 anos, respondendo que só saio da Terra se houver uma enfermeira marciana para tomar conta de mim.

"Está tudo tratado!", dirá um deles, mostrando a foto de uma jovem marciana linda, com uma cabeça gigantesca e três olhos tão verdes como a própria pele.

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