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Robson Vilalba/Thapcom
Robson Vilalba/Thapcom| Foto:

Em 2016, pouco antes da eleição de Donald Trump, dizia-me um colega universitário: “Detesto Trump. Mas, se eu fosse americano, teria votado nele”. Caí da cadeira. Ou quase. Ele explicou melhor: “Votaria nele só pelo prazer de criar confusão”. Registrei.

A partir daquele dia, nunca mais levei a sério as explicações clássicas para o chamado “populismo”. Sim, a crise econômica tem a sua importância. O desemprego também. E o medo do crime e da imigração irrestrita ajudam a festa.

Mas existe algo de infantil, de inconscientemente infantil, no eleitorado que gosta de votar no fanfarrão só para tirar um sarro da cara dos adultos. É o momento “Apocalypse Now”, em homenagem ao coronel do filme que amava o cheiro de napalm pela manhã. Há muitos eleitores que votam como votam só para sentir esse cheiro de vitória.

Um simples palpite meu? Longe disso. Li recentemente um estudo publicado no Journal of Social and Political Psychology (ver pormenores técnicos no fim) no qual os pesquisadores avaliaram o impacto do “politicamente correto” na vitória de Trump. Por “politicamente correto”, entenda-se: a imposição de restrições comunicacionais para não ofender grupos, minorias etc.

Os autores concluem que o “politicamente correto” tem um impacto positivo no curto prazo: a “moralização” do discurso faz com que a maioria se adapte às expectativas da sociedade. Exemplo: “Trump? Que horror!” E depois vem a longa lista de vícios do homem (racismo, homofobia, misoginia, mau gosto capilar etc.).

O problema é que o “politicamente correto” tem resultados desastrosos no longo prazo. Isso se deve a uma reação emocional dos eleitores: cansados das restrições impostas pelos sacerdotes do “politicamente correto”, os indivíduos reclamam a sua liberdade e votam no candidato que nunca se submeteu aos ditames da polidez. Mesmo que esse voto seja contrário aos melhores interesses da democracia.

Por outras palavras: Donald Trump não foi eleito apesar dos seus defeitos. Ele foi eleito por causa deles. Quando o presidente americano afirmava, com típica soberba, que podia matar qualquer pessoa na Quinta Avenida e ser eleito na mesma, ele não exagerava.

Aliás, podemos dizer mais: quanto maiores os defeitos, maior o apoio. Isso explica o motivo por que Trump, depois de eleito, não adotou uma postura mais “presidencial”. Essa metamorfose seria o suicídio de uma carreira triunfal. Seria tão absurdo como Coutinho (o jogador de futebol, não eu) dar um tiro no próprio pé.

Mas não é apenas o “politicamente correto” que leva muitos eleitores a experimentar o cheiro de napalm pela manhã. Desconfio que a “sinalização da virtude” também tem um papel relevante. A primeira vez que encontrei essa expressão foi num artigo de James Bartholomew para a revista The Spectator, corria 2015. Argumentava o autor que “ser virtuoso” é diferente de mostrar aos outros que somos virtuosos.

Pessoas virtuosas nunca publicitam as suas qualidades. E a virtude, nelas, exerce-se por meio de gestos anônimos e até sacrificiais (cuidar de um familiar doente, alienar uma carreira de sucesso para ajudar os mais pobres etc.). A “sinalização da virtude” é uma corrupção da verdadeira virtude. É mera exibição de “bons sentimentos” para ganhar aplausos (ou likes). Para usar a linguagem da economia, a “sinalização da virtude” procura transformar a virtude em “bem posicional” – algo que nos distingue dos demais e que nos traz vantagens (simbólicas, sociais, econômicas etc.).

O problema, argumentava Bartholomew, é que os “bens posicionais” despertam a concorrência e levam os outros a tentar suplantar o que era exclusivo em nós. Exemplo: aquela estrela milionária de Hollywood não está propriamente aterrorizada com Trump. Mas ela sente necessidade de sinalizar o seu horror pelo presidente, em termos cada vez mais elaborados, para se promover como defensora do “bem”. Esse moralismo militante, onipresente e sufocante cria a atmosfera perfeita para que o napalm seja jogado na cara do establishment.

Dizem os eruditos que o século 21 será o século dos populismos. Talvez tenham razão. Mas, para explicar o fenômeno, não bastam as teorias habituais. É preciso mergulhar na psicologia das massas para encontrar um velho ditado: na política, como na vida, há momentos em que é preferível perder um amigo a perder a piada.

PS.: O estudo citado intitula-se “Donald Trump as a Cultural Revolt Against Perceived Communication Restriction: Priming Political Correctness Norms Causes More Trump Support”, de autoria de Lucian Gideon Conway III, Meredith A. Repkea e Shannon C. Houck (Journal of Social and Political Psychology, 2017, Vol. 5 (1), p. 244-259).

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