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A ministra Rosa Weber, presidente do STF, em foto de 13 de setembro de 2023.
Rosa Weber, em foto de 13 de setembro de 2023.| Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Semana passada escrevi sobre liberdade de crítica, espécie que anda se tornando rara, em vias de entrar em processo de extinção. É cada vez mais difícil criticar a atuação de políticos ou do Judiciário (como bem lembrou um leitor, “experimente criticar o Alexandre de Moraes para ver”), que tratam as críticas legítimas como se fossem ofensas pessoais. Mas para além das figuras públicas avessas a críticas, temos outro fenômeno nas terras brasileiras que também limita a liberdade de expressão, talvez de uma maneira mais sutil, mas que interfere diretamente naquilo que ouvimos, falamos ou mesmo pensamos.

Não sei se vocês já notaram, mas há alguns assuntos que são praticamente “proibidos” – não porque não se possa falar efetivamente deles, mas porque têm pouca visibilidade dentro da maior parte da “grande mídia” – jornais, revistas, televisão etc. Tomemos por exemplo a questão do aborto, que voltou aos holofotes com o voto de Rosa Weber no STF. Um tema tão complexo como esse certamente envolve múltimos nuances, perspectivas, pontos de vista, implicações morais, éticas, religiosas, psicológicas, sociais, políticas.

O que mais vemos é o discurso unilateral, a fala batida, as Rosas Webers achando que estão abafando em seu voto “histórico”.

Mas na maioria dos veículos de comunicação esse tema é tratado quase sempre com um único viés – o mesmo adotado por Rosa Weber: aborto é apenas uma questão de saúde pública; o feto não é um ser humano; abortar é um marco de liberdade para a mulher; o pai da criança não tem nada a ver com isso. Nada de discussões sobre o aspecto moral ou ético; nada de pensar em alternativas para casos de gravidez indesejada; nada de mencionar a responsabilidade do pai. Quando alguém eventualmente levanta alguma objeção à ideia esdrúxula que aborto é só uma questão de saúde pública é automaticamente tachado de retrógrado, um ser abissal saído das profundezas das trevas do obscurantismo religioso cujos argumentos não valem de nada.

Acontece que a maioria dos brasileiros é, de fato, contra o aborto irrestrito. Boa parte concorda com atual legislação sobre o assunto, mas não quer alterações na lei. Então por que raios isso não transparece na mídia? Por que há tanto espaço para os defensores do aborto e tão pouco para os chamados pró-vida? A resposta é complexa e envolve vários fatores, como interesses comerciais, alinhamento com ideais ditos progressistas (que nem de longe significam necessariamente algum progresso), campanhas mais eficientes de comunicação dos defensores do aborto, falta de tempo, formação dos profissionais de imprensa, desejo de “lacrar” e tantos outros. O fato é que isso prejudica e torna o debate público sobre o aborto totalmente viciado.

A opinião de quem difere disso permanece espremida entre o risível e o irrelevante – mesmo sendo a opinião e convicção da maioria dos brasileiros.

Quem vê uma enxurrada de discursos falando sempre a mesma coisa pode pensar que esse discurso é o da maioria, ou melhor, o único “correto”. Ora, humanos são seres sociais – alguns menos, outros mais, mas, a não ser no caso de psicopatia, as pessoas se importam com o que os outros pensam, sentem, falam. Quando você acha que sua opinião é a minoria ou uma “opinião errada”, você pode ficar mais tentado a mudar de opinião e aderir ao discurso dominante ou, pelo menos, deixar de expressar sua opinião. Não há nada de errado aqui; é um fenômeno natural, de sobrevivência em sociedade.

Num contexto ideal, o aborto (e qualquer outro tema de importância) seria tratado no espaço público de forma plural, com a apresentação de argumentos prós e contrários, exposição e debate de seus múltiplos aspectos, especialmente aqueles de grande envergadura, como o moral, ético e religioso. Depois disso, nesse contexto idealizado, as pessoas teriam mais condições de chegar a uma conclusão, mantendo ou alterando seus posicionamentos iniciais e expondo sua opinião. Se eu vejo que as opiniões diversas são tratadas com respeito, não tenho medo expressá-las.

Isso aconteceria num mundo ideal, mas, obviamente, aqui no mundo real, a coisa é bem diferente. O que mais vemos é o discurso unilateral, as falas batidas, as Rosas Webers achando que estão abafando em seu voto “histórico”, como foi chamado pela imprensa de sempre. E a opinião de quem difere disso permanece espremida entre o risível e o irrelevante – mesmo sendo, como insisto, a opinião e convicção da maioria dos brasileiros.

É por isso que é tão importante valorizar e fazer crescer os espaços na mídia que se colocam como contrapeso a esse “monobloco do pensamento”: sim, há veículos de comunicação, jornais, revistas, canais, que dão espaço para o outro lado, que não têm medo de dizer que o aborto não é uma mera questão de saúde pública, que, sim, a moral e a ética importam e precisam ser discutidas. Quanto maior o número de pessoas percebendo que não estão sozinhas, que sua convicção de que o aborto não é só uma questão de saúde, que há outros aspectos muito mais profundos que precisam ser considerados, mais força elas têm para dar voz a essa opinião e inverter a ideia distorcida de que a única posição correta sobre o aborto é aquela dos lacradores de plantão. A Rosa Weber não precisa ser a porta-voz de ninguém.

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