Horkheimer (à frente, à esquerda) e Adorno (à frente, à direita). Habermas está ao fundo, com a mão na cabeça. Foto: Jeremy J. Shapiro, em Heidelberg (Alemanha), em abril de 1964| Foto:

Poucas solidões intelectuais foram maiores que a dos parceiros Theodor Adorno e Max Horkheimer naquele ano de 1943. Foram duas décadas de seguidas quedas e amargores até chegar ao grande isolamento.

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No início de tudo, em meados da década de 1920, as perspectivas para ambos eram muito otimistas. Marxistas de formação, tornaram-se membros do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt. A instituição tinha um projeto: estudar em profundidade as condições de emergência do comunismo. Tinha também algo raríssimo para quem se envolve neste tipo de projeto: dinheiro, garantido por uma generosa doação.

Com isso abriram-se possibilidades de pesquisa muito especiais. Em 1926 um membro do instituto foi mandado para verificar in loco como estava andando o comunismo na União Soviética – único país que seguia o projeto de Marx naquele momento. Seu nome era Walter Benjamin. Seu relatório, embora positivo, deixava claro:

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“O bolchevismo acabou com a vida privada. A burocratização, a atividade política e a imprensa são tão poderosas que não resta tempo para os interesses que não coincidam com elas. (…) Qualquer desvio no caminho traçado esbarra com um aparelho burocrático e custos insuportáveis. Os membros de um sindicato que apresentem um atestado podem ser internados no mais moderno sanatório e desfrutar de tratamentos caros sem gastar um centavo. Quem estiver fora pode ir mendigar, ou, como acontece com os membros da nova burguesia, gastar milhares de rublos”.

A avaliação gerou uma interpretação muito rara naquele momento. Economistas da instituição enquadraram a União Soviética como uma das formas de Capitalismo de Estado, não essencialmente diversas de formações como a do recente fascismo italiano ou de ditaduras orientais. Nada de comunismo ou socialismo reais, apenas uma capa de propaganda com esses ideais. Adorno mais tarde se referiria ao modelo soviético como “industrialização forçada do leste”. Muito atual – mas não exatamente a posição capaz de angariar simpatias na esquerda da época, de modo que as análises os levaram a perder amigos.

As coisas só pioraram na década seguinte. Os marxistas da escola viram o nazismo como o grande perigo para a vida social, começaram a pregar a união de comunistas, socialistas e democratas para combater a ameaça. Os comunistas preferiram eleger os socialdemocratas e liberais como adversários principais. Os nazistas chegaram ao poder e empregaram a violência. Adorno e Horkheimer estavam entre os primeiros exilados do novo regime. A escola foi fechada, alunos e professores perseguidos. Mais perdas para os dois.

Mas o bom combate gerara ganhos intelectuais. A percepção de que o nazismo atraía um tipo específico de personalidade e se fundava na exploração dela para seus objetivos totalitários os levara a estudar o movimento por outro ângulo. A escola atraiu importantes discípulos de Freud – que foram pioneiros no estudo de psicologia social. O funcionamento da máquina de propaganda – para quem já pensava em capitalismo de estado – fundou alguns dos primeiros estudos de comunicação de massa.

Os novos conhecimentos não evitaram a derrocada, mas serviram muito no exílio nos Estados Unidos. Começada a segunda guerra, tanto Adorno como Horkheimer foram trabalhar em departamentos ligados ao ambiente militar, empregar seus conhecimentos duramente adquiridos na tentativa de organizar a luta contra o nazismo.

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Adorno foi designado para um projeto voltado ao emprego do rádio como arma de guerra psicológica, financiado pela Universidade de Princeton e instalado numa fábrica de cerveja abandonada em Nova York. Demorou muito pouco para sentir que ali se desenvolvia algo que lhe pareceu mais tenebroso que a propaganda nazista. Na base do estudo estava um aparelho que media as reações emocionais de ouvintes (um analista descreveu-o como percussor do aparelho de “Laranja Mecânica”; outro, como um antecessor do mouse de um usuário dependente de redes sociais).

Antes ainda que os pesquisadores chegassem a qualquer conclusão, eram obrigados a fazer relatórios para os departamentos de marketing de algumas rádios, ansiosos por empregar as técnicas para criar novas formas de aumentar a audiência. A mistura de luta pelo mercado com pesquisa científica revelou a Adorno a noção de que nascia a era da tecnologia.

Para resumir: em 1943, Adorno e Horkheimer tinham ojeriza do socialismo soviético, horror do nazismo – e desenvolviam um pavor crescente do capitalismo que começava a subordinar o conhecimento aos interesses do mercado, criando a possibilidade de uma sociedade na qual a liberdade seria ferreamente administrada.

Retiraram-se para Los Angeles e começaram a escrever um livro que juntava todos estes sentimentos na ideia que havia uma característica comum a capitalismo, socialismo e nazismo, ligando o que parecia diverso.  Como não tinham nenhum fundamento racional para sustentar suas intuições, apoiaram-se no único pilar de esperança que restara depois de tantas desilusões:

“Não temos dúvida nenhuma – e esta é nossa petição de princípio – que a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento iluminista. Mas consideramos que, nas formas históricas concretas, viceja por todo lado o germe da regressão”.

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A liberdade seria a flor que faltava naquela escuridão, o farol a guiar na aventura. Essa intuição levou-os a repensar como este valor maior (tanto os socialistas antes do comunismo como os liberais antes do nazismo tinham a liberdade como valor central, discordando apenas sobre que regime promoveria liberdade maior) se perdera.

Esta pergunta, naquele momento incerto da guerra, não tinha resposta plausível. Então eles ousaram – voltando para trás, até um momento em que teria havido uma relação de simbiose (e não de oposição) entre Homem e Natureza. Mudaram radicalmente a forma de argumentar. Ao contrário do estilo acadêmico e discursivo que sempre haviam empregado, “Dialética do Iluminismo” se alicerça numa imagem simbólica sobre o momento de ruptura:

“O décimo-segundo canto da Odisseia narra a travessia dos mares das sereias. Elas representam a tentação de perder-se no passado, mas o herói tentado por elas se converteu em adulto mediante o sofrimento. (…) Quem cede à tentação das sereias está perdido, pois apenas uma constante presença de espírito permite arrancar a existência da natureza. (…) Ulisses conhece duas possibilidades de saída. Aplica uma aos companheiros, tapando-lhes os ouvidos com cera e ordenando-lhes remar com todas as energias. Já o senhor proprietário, acostumado a ter outros que trabalhem para si, ouve o canto, mas atado ao mastro; quanto maior a tentação de se atirar, mais fortes as amarras – assim como aquelas dos burgueses que recusam tão mais a felicidade quanto mais têm poder”.

Este canto da sereia, canto primordial da natureza, cuja ignorância fora transformada no tabu ao prazer pela filosofia iluminista, é o que condenaria toda a suposta Razão à formalidade, ao cálculo econômico do lucro, a ser outra coisa. Presa à finalidade do lucro a Razão não seria o farol para o homem avançar na direção da liberdade, mas um mito que não podia ser posto em dúvida e criticado pela própria Razão. Para ir adiante novamente, o homem precisaria voltar atrás: o canto da natureza precisaria ser ouvido de novo – para evitar uma tragédia:

“Os homens sempre escolheram entre a submissão à natureza ou a submissão da natureza e eles. Com a expansão da economia de mercado burguesa, o que era o antigo horizonte obscuro do mito foi iluminado pelo sol da razão formal, do cálculo, sob cujos raios gélidos germinam os brotos de uma nova barbárie”.

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Naquele ano de 1943 a bomba atômica ainda não havia lançado os raios gélidos sobre a liberdade, a humanidade não conhecia a realidade dos campos de concentração ou dos crimes de Stalin. Adorno e Horkheimer não tinham a mais remota ideia de como o homem poderia se reconectar com a natureza e evitar a tragédia. Mas muita coisa mudou a partir desta primeira intuição, como poderemos ver em breve.