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A corrida das vacinas e as lições sobre qual mundo queremos
| Foto: White House

A intolerância ao presidente americano Donald Trump ofuscou e pode apagar para sempre um dos feitos mais monumentais de sua administração. A Operation Warp Speed – ou “Operação Além da Velocidade da Luz”.

O primeiro caso de Covid-19 foi detectado nos Estados Unidos no final de janeiro. Dois meses depois, em 30 de março, o país registrava um total de 160 mil casos e 4,2 mil mortes. Naquele dia, enquanto o mundo se digladiava por respiradores, máscaras, álcool em gel e papel higiênico, a Casa Branca anunciava o financiamento, por meio de compra antecipada, de milhões de vacinas, cujo desenvolvimento ainda dava os primeiros passos.

O regime chinês puxou o coro de que os EUA eram o país mais abjeto e egoísta do planeta. Mais de uma dezena de papagaios brasileiros repetiram a propaganda comunista. De colunistas, passando por professores e chegando políticos pós-ocidentais.

A razão para queixa era a seguinte: os Estados Unidos teriam comprado previamente todo o estoque global de uma vacina que sequer existia. Embalados pelo medo cego de morrer infectado pelo vírus chinês, muita gente foi infectada pela interpretação intencionalmente equivocada.

A má vontade com tudo aquilo que vem do presidente americano impediu que o mundo enxergasse a Warp Speed pela sua real dimensão na luta conta o coronavírus.

Os Estados Unidos investiram US$ 10,2 bilhões para financiar a pesquisa, desenvolvimento e ensaios clínicos de seis candidatos promissores à vacina contra o novo coronavírus em grandes quantidades. Nenhum país do mundo fez isso, e os resultados das pesquisas que foram custeadas pelos contribuintes americanos não trarão benefícios apenas para eles.

Aliás, os cerca de 300 mil americanos que já morreram até o momento ajudaram a pagar a conta da vacina que não chegou a tempo de protegê-los, mas servirá para salvar vidas em todo mundo.

E por que o aporte americano foi importante? A fim de acelerar as pesquisas a uma velocidade jamais vista, a Warp Speed assumiu o risco financeiro que comumente cabe apenas à indústria.

“Se uma vacina não funcionar, teremos perdido algumas centenas de milhões de dólares. Mas se funcionar, e se [a vacina] for segura e eficaz, nós teremos economizado quatro, cinco, seis meses de espera para imunizar as pessoas”, disse à revista The New Yorker o médico Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos.

A aposta deu certo. Até agora, três empresas que foram financiadas pela Warp Speed – Moderna e Pfizer e AstraZeneca –, já anunciaram resultados positivos quanto à fase final de testes. A vacina da Pfizer se mostrou 95% eficaz na prevenção da Covid-19, enquanto a da Moderna teve eficácia comprovada de 94,5% para o mesmo fim. A da AstraZeneca, desenvolvida em parceria com a Universidade de Oxford, tem eficácia perto de 90%.

Além das três vacinas citadas anteriormente, os americanos patrocinaram a Johnson & Johnson, a Novavax e a Sanofi-GlaxoSmithKline.

As vacinas que estão sendo aplicadas no Reino Unido e começarão a chegar em uma série de outros países foram financiadas pela iniciativa da Casa Branca. Trump, o maior egoísta do planeta, está no crepúsculo de seu mandato levando sozinho a culpa pelos erros coletivos e outros tantos que não são dele, mas sem os créditos de quem olhou para além da crise.

A Operação Warp Speed teve início em maio e é liderada pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos e pelo Departamento de Defesa. Para a linha de frente, foi escalado o general Gustave Perna, que comandou a área de aquisições de materiais e logística do Exército dos Estados Unidos. Ao lado dele estava uma equipe multidisciplinar, com cientistas do CDC, FDA, advogados e os onipresentes políticos de Washington.

A timeline da Warp Speed traz um detalhe interessante. Ao mesmo tempo em que a equipe destinava uma fortuna sem precedentes para as vacinas, o general Perna destinou mais de 1,3 milhão de dólares para produção de seringas, agulhas e frascos. É uma lição que precisa ser aprendida e replicada, principalmente por potências regionais como o Brasil, que, até agora, parece não ter um plano desenhado para oferecer um imunizante à população.

Em meio ao apagão tropical, a China de Xi Jinping decola em sua campanha de limpeza de imagem. Desembarcou no Brasil com a sua CoronaVac e fez de São Paulo a base de exportação da vacina, cuja eficácia ainda é desconhecida, como a salvação da nação.

Favorecidos pelo ambiente de disputa política local e pelo medo que tomou conta da vida de muita gente, os chineses e seus parceiros fizeram a sua versão bem peculiar da Warp Speed. Pequim se apoiou em parceiros estatais pelo mundo para exportar custos e riscos. Tipo o amigo que lhe convida para jantar no restaurante mais caro da cidade e é você quem paga a conta.

Donos da tecnologia, eles terceirizaram para os clientes os testes clínicos, economizando significativamente tempo e dinheiro, ao mesmo tempo em que terceirizava as responsabilidades e riscos. No Brasil, por exemplo, a marca SinoVac “desapareceu”. Para ser mais palatável, ela virou “vacina brasileira”, valendo-se da reputação do paulista Instituto Butantan.

Os americanos pagam uma conta bilionária com repercussões globais e mesmo assim são tachados de vilões. Os chineses, que “barbeiraram” no início da pandemia, que começou por lá e agora empurram a conta e a aplicação de uma vacina, cuja eficácia é desconhecida, são tratados como os grandes humanistas.

A corrida pela pelas vacinas pode nos ensinar sobre dois mundos que estão em choque e em qual queremos viver.

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