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Pôster soviético da década de 1960 descreve o “lobby sionista” como financiador de guerras pelo mundo.
Pôster soviético da década de 1960 descreve o “lobby sionista” como financiador de guerras pelo mundo.| Foto: Reprodução/Domínio público

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparou a ação das Forças de Defesa de Israel ao trabalho das SS nazistas. Equiparou a reação israelense à invasão e aos atentados de outubro de 2023 ao Holocausto. Para Lula, o peso da resposta militar em Gaza e seus efeitos colaterais (que são passíveis de discussão, reflexão e crítica) reproduzem a máquina de morte do nazismo, quando mais de 6 milhões de judeus foram assassinados. Sua mulher, Dona Janja, reforçou o argumento do marido. Por meio de uma postagem no X, dirimiu qualquer mal-entendido que pudesse ter sido gerado. “A fala se referiu ao governo genocida.”

No rastro da relativização do Holocausto, uma Arca de Noé lotada de militantes, jornalistas, acadêmicos e outros seres zarpou pelo mundo para explicar, contextualizar, justificar ou até mesmo burilar o pensamento do presidente petista. Na lista de argumentos estão coisas como “antissemitismo é diferente de antissionismo”, ou que os judeus não podem ser confundidos com Israel. Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa.

Mas há ainda aqueles mais valentes. Que dizem que Lula é um craque. Que Lula colocou o dedo na ferida e mostrou que o Holocausto não serve para ser usado como coitadismo de judeus para justificar, além da existência de um Estado artificial, o genocídio contra os palestinos.

Quantas vezes você leu ou ouviu, por exemplo, que o Holocausto não foi o único registrado na história e que o sofrimento imposto aos judeus não foi exclusivo?

Por que a esquerda busca tantas respostas para tirar a legitimidade de Israel, sob o argumento do antissionismo, mas acaba por descambar para o puro antissemitismo?

Para dar razão a Lula, a turma listou a chegada dos colonizadores europeus às Américas, a escravidão negra e o colonialismo na África. Todos, sem exceção, fizeram questão de se esquecer de Josef Stalin, Mao Tse-tung, Pol Pot e as mais de 100 milhões de vítimas de seus regimes e outros assemelhados que seguiram a mesma cartilha do comunismo.

Não se trata de fazer um concurso de quem matou mais ou menos. A questão, aqui, são as comparações estapafúrdias e a natureza do mal.

Stalin, Mao e Pot mataram opositores, chacinaram inimigos e trucidaram os próprios companheiros nos chamados expurgos. O assassinato sistemático tinha uma natureza basicamente política e tinha por objetivo a manutenção do poder, que eles chamam convenientemente de “revolução”. Essas mortes, entretanto, embora aos milhares, se tornaram estatisticamente marginais diante dos milhões e milhões de pessoas que morreram na miséria promovida pelos regimes. Frio e fome foram as armas de destruição em massa que essa turma usou contra o seu próprio povo.

Apesar dos números inigualáveis, não existia uma política direcionada para a destruição de uma cultura, uma religião, um povo, um gene. O Holocausto é o resultado de uma violência direcionada e com o objetivo únicos. Pessoas eram presas, seus bens eram confiscados, famílias eram separadas, aqueles que tinham força eram aproveitados em campos de trabalho – aqueles considerados inúteis eram mortos em câmaras de gás e fuzilamentos, antecipando o destino que seria de todos.

Olhando lá para trás, para o período das conquistas europeias sobre o Novo Mundo, não dá para levar a sério quem vende a ideia de que escravidão era genocídio, ou que a chegada dos europeus às Américas cumpria o mesmo objetivo.

Os escravos eram commodities. Não havia o interesse em matá-los ou levá-los à extinção. A ignomínia que foi a escravidão em nossa história tinha outra natureza e propósito. A violência, a exploração, as humilhações e toda ordem de crimes (entre os quais também estão assassinatos) não concorriam para o aniquilamento.

Mesmo a morte massiva de populações pré-colombianas não se explica pelo método e propósitos nazistas. A exposição a doenças para as quais os nativos não tinham anticorpos, as batalhas por resistência à ocupação e violência da expansão da fronteira são partes da história que ajudam a compreender o impacto devastador da conquista das Américas.

Mas por que a esquerda busca tantas respostas para tirar a legitimidade de Israel, sob o argumento do antissionismo, mas acaba por descambar para o puro antissemitismo?

Além de educar a esquerda mundial para não gostar de Israel, não confiar nos judeus e tratá-los como inimigos, a URSS deu início a uma frente paralela de ataque. Inventou a “causa palestina” e passou a patrociná-la nos organismos multilaterais

Possivelmente, as origens estão na vingança e propaganda soviéticas. Stalin foi um entusiasta da proposta dos dois Estados (um palestino e outro judeu). Mas já naquela época os árabes recusavam a ideia da existência de uma nação judaica. Mesmo sem nunca terem sido o que se pode chamar de “pioneiros” daquelas terras – que passaram de mãos em mãos em uma sucessão de domínios imperiais –, os árabes reivindicavam para si o controle absoluto sobre a Palestina.

No fim da Segunda Guerra, Stalin foi um dos patronos da criação do Estado de Israel. Queria consolidar a imagem do heroísmo soviético no combate ao nazismo e, de quebra, construir um aliado local para manter a influência em uma região crítica em um mundo que estava prestes a entrar na Guerra Fria.

Naquele 1948, enquanto os Estados Unidos viraram as costas para Israel negando-lhe apoio em sua Guerra de Independência, foi Stalin que deu suporte militar, selando o que se esperava ser uma aliança duradoura construída sobre a gratidão. Só que não.

Israel rompeu com Moscou e Stalin passou a vender a propaganda de que os judeus são traidores, além de várias outras coisas que até hoje são tagareladas pelos partidos de esquerda criados e educados em um mundo que ainda tinha influência soviética.

Além de educar a esquerda mundial para não gostar de Israel, não confiar nos judeus e tratá-los como inimigos, a URSS deu início a uma frente paralela de ataque. Inventou a “causa palestina” e passou a patrociná-la nos organismos multilaterais. Os soviéticos criaram a Organização para Libertação da Palestina (OLP) e, depois dela, toda a rede de ativismo antijudaico. Além de vendeta, era política de substituição. O plano era minar Israel e sua legitimidade e ficar uma nova bandeira naquele território para os novos aliados.

Os anais da Organização das Nações Unidas são um repositório dessa história em que a URSS tagarelou por uma década que “o sionismo é uma forma de racismo e discriminação racial” até conseguir aprovar uma resolução com esta definição.

A URSS acabou, mas a educação soviética, tatuada na mentalidade esquerdista de todos os cantos e linhas ideológicas, se mostra impossível de se livrar. O ódio declarado a Israel e o antissemitismo latente estimulados desde Stalin não explicam tudo, mas são o pavimento de uma cegueira ideológica e moral, que se esconde atrás de um pretenso humanismo esquerdista.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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