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As ditaduras como modelo para a defesa da democracia
| Foto: Pixabay

Apenas dois dias antes de completar o 20º aniversário dos protestos pela democracia na Praça Tiananmen, conhecida no Brasil como da “Paz Celestial”, o regime chinês baixou uma norma. Proibiu, entre as várias redes sociais disponíveis até então no país, o Twitter. Era junho de 2009 e desde então, a rede social jamais voltou a ser autorizada no país. Sempre alertas, os censores do regime chinês sabiam e sabem que informação que circula livremente é um perigo para a estabilidade das ditaduras. Eles estavam de olho em outras partes de mundo e previam que com a urbanização e a ascensão de uma classe média cada vez mais exigente, o livre fluxo de informação – o Grande Firewall, filtro estatal que controla todo o trânsito de dados online do país – não seria o suficiente para sufocar uma insurgência digital. Rebeliões digitais quase sempre saltam para o mundo real.

Os chineses sabiam o que faziam. Apenas uma semana depois de a China proibir o acesso ao Twitter, a 5.600 quilômetros a oeste de Pequim, outra ditadura sentiria os efeitos da liberdade das redes. Os aiatolás viram irromper nas ruas de Teerã uma onda de protestos inédita originada e coordenada a partir da internet. Especificamente do Twitter.

Nascidos sob a opressão da teocracia fundada pelo aiatolá Khomeini, os jovens iranianos inundaram as ruas para, além de denunciar a fraude eleitoral que deu ao radical Mahmoud Ahmadinejad um segundo mandato, dizer que queriam reformas. Um pouco de liberdade. O Irã cortou o acesso ao Twitter e, como os chineses, nunca mais permitiram o acesso livremente. E além de calar as manifestações online, reprimiu as presenciais com brutalidade.

Em julho deste ano, foi a vez dos cubanos irem para as ruas protestar. Por lá, a internet é um artigo de luxo. Mas não um problema. A precariedade das redes e a escassez, inclusive de smartphones, não foi empecilho para uma onda de ativismo digital que ganhou musculatura com a classe artística, o chamado Movimento San Isidro, e se alastrou pelas redes provocando mobilizações sociais jamais vistas em 60 anos de regime.

A ditadura cubana foi mais sutil. Como Cuba não pode perder a pose de vítima eterna de um bloqueio que não existe, os gerontocratas mandaram derrubar a internet ao invés de bloquear o Twitter ou outras plataformas. Decisão revolucionária para proteger a ilha-prisão da interferência estrangeira. Pois, como sempre, os protestos não tinham origem legítima. Eram atos contrarrevolucionários coordenados desde os Estados Unidos.

Nesta semana, o regime cubano baixou uma série de decretos com o objetivo de combater a “divulgação de notícias falsas, mensagens ofensivas e difamação com impacto no prestígio do país”. As novas regras definem como “terrorismo cibernético” as ações para “subverter a ordem constitucional, suprimir ou desestabilizar gravemente o funcionamento das instituições políticas e de massas”.

Os protestos de julho resultaram na prisão de ativistas pelos direitos humanos, artistas e jornalistas que ousam criticar as maravilhas do regime. Um autêntico paraíso na visão de alguns.

Na prática, os decretos dão novos poderes ao regime cubano para atuar de forma preventiva. Por meio da ameaça clara de prisão, resolve parte dos problemas calando antecipadamente quem poderia vir a criar qualquer tipo de incômodo.

A Turquia também criou leis para disciplinar a informação nas redes sociais. Os pontos chaves da legislação, imposta sob a borduna do presidente Recep Tayyip Erdogan, determinam que os dados dos usuários turcos sejam armazenados no país, em uma filial local. A regra permite ao governo determinar a identificação de usuários, o bloqueio e a retirada de dados online sem o incômodo de ter que lidar com processos que envolvam as empresas no exterior.

Apesar das críticas das organizações de defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão, as plataformas de mídia social se renderam às exigências sob pena de não poderem mais operar na Turquia.

Em janeiro deste ano, um bando de desmiolados invadiu o Capitólio em um ato injustificado e movido pela radicalização de quem se sentiu roubado na eleição americana de 2020. A baderna serviu para colar, no apagar de seu governo, a pecha de golpista no presidente Donald Trump. Um erro descomunal que contou com a ajuda do presidente que, embora não tenha sido o organizador do ato, também não se comportou como quem deveria impedi-lo.

Depois de quatro anos esquivando-se da campanha alucinada para transformá-lo no maior vilão da América, em algumas horas Trump caiu em desgraça pelos atos de sua base mais radical.

Um dos castigos impostos ao então presidente americano foi o banimento das redes sociais em nome da proteção da Democracia. O que mais poderia ser?

Fora do governo, o ex-presidente foi silenciado e segue assim. Cortar a voz e os canais de comunicação direta com os cidadãos foi a decisão mais ousada que se viu nos últimos anos. Censura prévia com o nobre objetivo de evitar uma catástrofe social.

Em um puro exercício de extrapolação, pode-se dizer que o Twitter, por exemplo, que está proibido na China e Irã, resolveu copiar os métodos de seus censores que atuaram em defesa de seus regimes, para defender a democracia.

Seriam os bons exemplos das ditaduras?

Nesta semana, foram revelados trechos de um relatório da Polícia Federal que foi entregue ao Tribunal Superior Eleitoral, que compara as redes de desinformação no Brasil àquelas que atuaram nos Estados Unidos para alimentar a tese da fraude eleitoral. Segundo a Folha de S. Paulo, “múltiplos canais na internet procuram eliminar a figura dos intermediários formadores de opinião, desqualificar as posições contrárias e promover ‘ataque aos veículos tradicionais de difusão de informação (jornais, rádio, TV, etc)’. O objetivo seria chegar ao público de forma ‘direta, horizontal, ao dissipar a distinção entre o que é informação e o que é opinião.’”

O trecho acima chama atenção. Ele parece pavimentar o caminho para uma solução ao estilo americano. O banimento. E não só o relatório da PF. A radicalização da base bolsonaristas e incendiários – como o ex-deputado Roberto Jefferson, preso recentemente por ameaças contra ministros do Supremo – podem ser o Cavalo de Troia que Bolsonaro arrastou para dentro do governo.

É grande a fila daqueles que querem salvar a democracia. Ainda que seja matando-a para empalhá-la depois.

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