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Putin e o ditador de Burkina Faso, Ibrahim Traoré, na Cúpula Rússia-África, realizada em São Petersburgo no final de julho
Putin e o ditador de Burkina Faso, Ibrahim Traoré, na Cúpula Rússia-África, realizada em São Petersburgo no final de julho| Foto: EFE/EPA/Sergei Bobylev/TASS

O que é um golpe em Burkina Faso? O que é Burkina Faso? Onde fica Burkina Faso? Quem se importa com Burkina Faso? Ninguém? Menor que o Estado do Tocantins e com PIB per capita inferior ao de Matões do Norte, no Maranhão, que tem o pior índice entre os municípios brasileiros, Burkina Faso é um lugar tumultuado, cercado por países igualmente instáveis, na borda sudoeste do Deserto do Saara.

Em outubro do ano passado, Ibrahim Traoré – um capitão do exército local – deu um golpe bem-sucedido e depois de assumir o poder, com o título de ditador mais jovem em atividade (ele só tinha 34 anos), desfilou pelas ruas da capital Uagadugu em um blindado de transporte de tropas, de onde fazia joinhas e dava tchauzinhos para a população em festa. Além das bandeiras vermelhas e verdes com uma estrela amarela no centro – o pavilhão nacional burquinense –, chamava a atenção a profusão de flâmulas tricolores em azul, branco e vermelho.

A festa golpista de Traoré também foi ornamentada pela bandeira russa. Ninguém deu muita bola, pois, afinal, é Burkina Faso. Mas, enquanto ninguém dava a mínima, a homenagem aos russos na celebração do golpe mais recente era a celebração de quem, de fato, prestava muita atenção naquela região: Vladimir Putin.

No final de julho, Traoré reapareceu. Usando farda tinindo de nova e boininha vermelha ao estilo Hugo Chávez, o ditador foi o primeiro a aparecer para a Cúpula Rússia-África em São Petersburgo. Posou para fotos, com um sorriso colossal no rosto, ao lado de Vladimir Putin e, depois dos eventos públicos, ganhou uma reunião privada com o ídolo autocrata.

É o tal mundo multipolar e a aliança Sul-Sul que a dupla Lula-Amorim trabalha arduamente para construir.

Traoré fez um discurso raivoso, que foi difundido massivamente pelos meios estatais russos. “Um escravo que não luta [contra quem o escraviza, suponho] não é digno de qualquer indulgência. Os chefes dos Estados africanos não devem comportar-se como marionetes nas mãos dos imperialistas. Temos de assegurar que os nossos países sejam autossuficientes, inclusive no que diz respeito ao abastecimento alimentar, e possam satisfazer todas as necessidades dos nossos povos. Glória e respeito aos nossos povos; vitória aos nossos povos! Pátria ou morte!”, disse ele, encerrando o discurso com um dos bordões do argentino Che Guevara, que não nutria grande admiração pelos africanos.

A citação de Che não é firula. Além de amar Putin, Traoré fechou com o que há de pior na América Latina. Mandou seu primeiro-ministro, Apollinaire Kyélem, à Venezuela de Maduro e à Nicarágua de Ortega. Com Cuba, o canal é direto.

As tretas de Traoré pareciam ser apenas um revanchismo com o ex-colonizador, a França. Ele revogou acordos de defesa com a França, o que levará ao fechamento de uma base militar francesa em seu país. Além disso, está tocando gasolina na fogueira do ressentimento. A culpa de todas as tragédias é da Europa, em especial da França.

Mas o que passou batido é que ele é um garoto-propaganda. Transformado em símbolo de luta contra o imperialismo ocidental pela Rússia, o ditador-mirim está insuflando novas insurgências, que nada têm a ver com liberdade (a tal luta do escravo contra o escravagista), mas têm tudo a ver com a troca de eixo de poder.

Traoré fala em autodeterminação, mas trabalha por um novo colonialismo na África. Um sistema que orbitará os interesses da Rússia e da China. Moscou precisa engrossar o caldo de seu eixo e influência, para garantir mercado, rotas, votos em organismos multilaterais, soldados e sobretudo poder de gerar conflito e instabilidade.

Putin já tinha, além de Burkina Faso, República Centro-Africana, Mali, Líbia e Sudão ao seu lado. Nesta semana, ele ganhou o Níger. Como se não bastasse, ele tem como aliada a poderosa Argélia, que está doidinha para mandar fogo no Marrocos (aliado dos Estados Unidos, Espanha e Israel). Conflito que, além de implodir o norte da África, abalaria a Europa com uma nova crise migratória e de energia, pois afetaria em cheio as fontes alternativas de gás depois das sanções impostas aos russos pela invasão da Ucrânia.

Putin inventou um Chávez africano para chamar de seu. Se der certo, pobre da África. Para concluir, um pouco de conhecimento geral. Burkina Faso significa “Terra de Pessoas Incorruptíveis”.

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