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A China é o máximo
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Perdi a minha mais recente fonte de aprendizado. Meu vizinho chinês se foi. Não partiu dessa para melhor por causa do vírus que se originou em seu país e já matou mais de meio milhão de pessoas. Ele se mudou. Foi embora para um apartamento mais econômico que dividirá com outros chineses, nos subúrbios de Washington, D.C. Mas ele não partiu antes de me deixar uma última lição.

Em abril, contei aqui como eu não sabia ler o sinais que ele transmitia nos primeiros momentos da pandemia. Por observá-lo de forma equivocada me induzi a ridicularizá-lo. O homem estocava papel higiênico aos montes. Ao ignorar aquele gesto até então bizarro deixei de perceber que a pandemia seria muito pior que as informações vindas da China nos faziam acreditar.

Por mais ridículo que possa parecer, o desaparecimento do papel higiênico nos supermercados viria a ser o sintoma mais prático do que os Estados Unidos viriam a enfrentar na pandemia. O meu vizinho chinês sabia exatamente o que estava por vir. E qual é a razão?

Ele tinha informação de campo. Seus parentes lhe descreviam algo muito mais preciso do que as os correspondentes internacionais eram capazes de noticiar e os governos recebiam de suas embaixadas. Me prometi observá-lo. Não para copiar, mas para tentar traduzir com certa antecipação o que está por vir da China.

O meu vizinho chinês tomou uma decisão bem interessante. Resolveu mandar os filhos de volta para China.  A razão, segundo ele, é que a lá na China as aulas voltaram ao normal e o melhor para as crianças e jovens é voltar para casa, viver com os parentes e assistir as aulas presenciais. Coisa que a América não tem sido capaz de prover para ninguém. Em meio ao argumento, ele ainda tascou um elogio ao seu país pelo “brilhante desempenho” na pandemia. Segundo ele, a China é o máximo!

Ele não é o único a tomar a decisão. Outros casais estão fazendo o mesmo movimento. Eles permanecem para cumprir os prazos nos programas de intercâmbio do qual fazem partes em instituições científicas e universidades americanas.

O movimento é interessante e carrega uma informação. Ele não acredita que as escolas americanas voltarão a funcionar plenamente em setembro, quando se inicia o ano letivo nos Estados Unidos. Talvez ele não veja um ambiente seguro para os filhos em cenário de reabertura parcial. Mas sempre pode haver mais.

Aprendi também que a estratégia de imóveis coletivos tem sido cada vez mais comum entre os chineses. Economizam muito dinheiro com essa modalidade de moradia e resolvem um problema crucial. Eles transformam essas casas apinhadas de gente em daycares, onde geralmente imigrantes ilegais chineses trabalham como cuidadores de crianças.

O recurso de moradias coletivas entre os imigrantes chineses pode ser o embrião de um problema que os Estados Unidos parecem não ter prestado a devida atenção. Todos os dias (e não é força de expressão) recebo chamadas telefônicas de gente oferecendo pagar em cash pela “minha casa”. Também pingam no meu celular várias mensagens de texto de corretores interessados no tal imóvel que sequer sei onde fica.

Uma corrida por aquisições que já foi registrada no Canadá e na Costa Oeste dos Estados Unidos e que tem pelo menos duas funções: a primeira é pura especulação imobiliária. Os magnatas chineses e governo chinês (em muitos casos não se pode separar essas duas espécies) estão avançando sobre um número crescente de imóveis geralmente pagando valores inflacionados. Um comportamento de quem lava dinheiro ou trabalha para manipulação de mercados.

A outra possiblidade é menos estratégica, mas não menos daninha. Muitas das casas coletivas se converteram em destinos de imigrantes ilegais que entram nos Estados Unidos pelas mãos das máfias de tráfico humano. Essa lição, entretanto, não veio do vizinho. Mas de um especialista que começa a estudar esse fenômeno.

A última lição que ele me deixou é a seguinte: chineses sabem exatamente o que o Partido Comunista Chinês é. No exterior eles são o melhor termômetro para sentir o que estar por vir. Mas para ter sucesso não se deve considerar o que eles dizem. Ouvir sim, mas sempre duvidar. É preciso considerar os gestos. Cada movimento. Eles são tão claros como aqueles do meu vizinho que antes do caos chegar aos Estados Unidos carregou oito fardos de papel higiênico para casa. De imediato pode parecer maluquice, exotismo ou ingenuidade. Esqueça tudo isso. Em cada gesto há uma informação. O que o Ocidente está no limiar de não ter mais tempo para prestar atenção nos sinais emitidos de Pequim.

Uma pena. Meu vizinho se foi dirigindo ele mesmo um caminhãozinho alugado.

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