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Os primeiros 100 dias de um governo funcionam como um cartão de visitas. É nesse período que a sociedade ajusta expectativas, analisa promessas e começa a julgar a capacidade efetiva do novo líder. No caso dos Estados Unidos, a escala do termômetro é diferente.
Os impactos não são medidos apenas pelos americanos, mas por todo o mundo, devido aos efeitos colaterais que qualquer ação tomada desde Washington pode causar fora das fronteiras americanas.
O presidente Donald Trump deu aos seus primeiros 100 dias de administração um efeito ainda maior. Trump chegou à Casa Branca decidido a romper com o establishment de Washington. Seu estilo disruptivo, por vezes bruto e impopular, provocou ruídos na mídia global e desgaste inicial nas pesquisas de popularidade.
Para quem mira apenas nos efeitos imediatos das ações de Trump, pode pensar que ele está se matando politicamente e levando consigo seu vice J.D. Vance e qualquer chance de o Partido Republicano manter a vantagem no Legislativo.
Mas, por trás da cortina de fumaça da controvérsia e do imediatismo inevitável, algumas sementes de transformação podem germinar se levadas adiante com rigor e coerência. E assim, poderão render frutos sólidos no médio e longo prazo.
Um exemplo claro é a relação com a China. Trump não titubeou em promover uma guerra comercial com Pequim, aplicando tarifas e forçando negociações difíceis. Essas medidas foram imediatamente impopulares, encarecendo bens de consumo e gerando incerteza econômica.
Contudo, ao insistir na necessidade de equilíbrio comercial, Trump pode estar colocando os Estados Unidos em uma posição mais forte nas negociações futuras
O objetivo final é reduzir a dependência excessiva da manufatura chinesa, reindustrializar partes importantes da economia americana e proteger setores-chave da influência externa.
A reação inicial foi de ceticismo e até resistência política, com opositores acusando o presidente de favorecer as grandes corporações. Entretanto, indicadores econômicos subsequentes têm demonstrado recuperação gradual, investimentos internos crescentes e uma confiança renovada dos mercados financeiros na economia americana.
Fronteiras
A questão migratória talvez seja a mais polêmica e, simultaneamente, a mais incompreendida. As políticas restritivas e, muitas vezes, brutais em termos humanos causaram repúdio imediato, desgaste político intenso e críticas internacionais severas.
Trump apostou em uma mensagem dura, argumentando que era necessário recuperar o controle sobre a imigração para garantir segurança e ordem.
Por mais incômodas que sejam as medidas iniciais, é preciso reconhecer que a reforma migratória proposta pode reduzir tensões sociais e garantir maior sustentabilidade ao sistema social americano no futuro.
Com a política de fronteiras abertas, a administração cometeu um erro fatal. Permitiu uma invasão, no sentido literal da palavra, de criminosos de todos os tipos. A emergência do Tren de Arágua (gangue venezuelana parecida com o PCC do Brasil) é uma das consequências mais visíveis do populismo migratório dos democratas.
Embora Trump não tenha conseguido impor o ritmo de deportações que desejava e prometeu, o simples fato de ter estancado a imigração ilegal desenfreada já tem surtido efeitos na fronteira sul, onde a crise humanitária causada pelo tráfico de pessoas praticamente acabou.
“America First”
A abordagem “America First” nas relações internacionais também gerou desconforto entre aliados históricos dos EUA. Ao cobrar maior responsabilidade financeira dos parceiros da OTAN e rever acordos multilaterais que Trump classificou como desvantajosos, houve choque diplomático inicial.
Contudo, essas medidas impulsionaram países europeus a aumenta significativamente seus gastos com defesa, o que, em última instância, reduz a pressão sobre o orçamento americano e promove um alinhamento mais justo e equilibrado. E embora os europeus não tenham se dado conta, eles serão obrigados a se rearmar, reativando sua indústria bélica, e se tornando mais seguros e independentes.
Revoluções genuínas raramente são populares de imediato.
As medidas de Trump são um choque terapêutico, destinado a romper vícios antigos e abrir caminho para uma governança mais eficiente e econômica
Ainda que cercadas por polêmicas e resistência, tais políticas têm o potencial de reverter tendências de estagnação econômica e social a médio prazo, embora no início pareçam fazer o contrário.
Esses primeiros 100 dias foram turbulentos, sem dúvida. Trump optou por encarar problemas há muito negligenciados, recusando-se a adiar decisões difíceis em busca de popularidade imediata.
Seu legado será julgado pela capacidade dessas medidas de produzir resultados tangíveis para a sociedade americana. A aposta é alta, mas o retorno também pode ser significativo.
A verdadeira avaliação do sucesso ou fracasso dessas políticas disruptivas dependerá do tempo e da disposição da sociedade americana em tolerar o desconforto inicial em troca de uma promessa de prosperidade futura.
Muita gente está apostando contra o presidente americano. Mas ele parece estar disposto a dobrar a aposta. Esses 100 primeiros dias são apenas o começo.
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Conteúdo editado por: Aline Menezes