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O ditador chinês, Xi Jinping, e o presidente russo, Vladimir Putin, em foto de 2016.
O ditador chinês, Xi Jinping, e o presidente russo, Vladimir Putin, em foto de 2016.| Foto: EFE/Ernesto Arias

Desde a Venezuela, pode-se ouvir os tambores de guerra de Nicolás Maduro. O ditador venezuelano parece estar disposto a invadir a vizinha Guiana e tomar o que os venezuelanos – chavistas e opositores – consideram como seu, a região de Essequibo.

Na semana passada, tratei neste espaço do que tenho aprendido do conflito: uma possível incursão militar venezuelana não seria o início, mas um passo seguinte em uma guerra que já se iniciou faz tempo. A Venezuela é um país que evoluiu de uma crise ao conflito (interno) há tempos. A destruição do país e os seus impactos na região (considerem a onda de refugiados comparável à da Síria em guerra civil) só fazem sentido em guerras.

Mas a guerra na Venezuela, como foi tratado na coluna passada, não é aquele tipo de guerra em que somos induzidos a pensar sempre que usamos a palavra “guerra”. O país sul-americano é palco de formas combinadas de luta que, até o momento, não precisaram do recurso do enfrentamento convencional. A tal guerra do senso comum.

Hugo Chávez e, depois, Nicolás Maduro sempre mostram os músculos, dizendo-se prontos para o dia em que usariam a força bruta. Mas mesmo sem usar seu exército contra seus vários inimigos, eles sempre estiveram – por meio de recursos assimétricos como narcotráfico, financiamento de insurgências, patrocínio do terrorismo e interferências em processos políticos e eleitorais – em batalha.

A emergência de um conflito na América do Sul tem como objetivo desviar a atenção e esforços do ocidente sobre problemas que afligem os patrocinadores de Maduro e seu regime.

Maduro está evidentemente usando uma disputa territorial para capitalizar ganhos políticos. São poucos os temas que unem situação e oposição. Mas a estratégia não é apenas eleitoral. Maduro é um proxy.

Seu regime se manteve de pé em seus dias mais incertos graças ao suporte de seus aliados extrarregionais China, Rússia, Irã e Turquia. Maduro usa a questão de Essequibo em um contexto mais amplo: um contexto de guerra em que a emergência de um conflito na América do Sul tem como objetivo desviar a atenção e esforços do ocidente sobre problemas que afligem os patrocinadores de Maduro e seu regime.

Não se pode pensar em uma guerra entre Venezuela e Guiana sem considerar os interesses de Pequim e Moscou. Do mesmo modo que não se pode analisar a ousadia do Hamas em atacar Israel e provocar uma invasão a Gaza, sem reconhecer que os terroristas palestinos são satélites de Teerã, que por sua vez opera sob a influência de Xi Jinping e Vladimir Putin.

Não há como pensar na invasão da Ucrânia ignorando o fato de que, mais do que exercer o seu imperialismo, Putin testou as capacidades de reação e a tolerância do ocidente em uma guerra de desgaste. Algo muito útil para Xi e seus planos de invasão de Taiwan.

Sem disparar um tiro, a China assiste ao seu maior competidor e seus aliados perderem bilhões de dólares em esforços de guerras por procuração. Também vê arsenais sendo drenados e as fragilidades na reposição de estoques de munições e mísseis. Estuda as capacidades de reação e, sobretudo, vê uma população cansada de patrocinar a defesa dos outros. A fadiga dos republicanos com a Ucrânia não se explica apenas pela ignorância geopolítica da base trumpista. O pessoal está realmente incomodado em ver rios de dinheiro sendo drenados por um conflito que aparentemente não é deles.

A invasão da Ucrânia, a instabilidade na África, a nova guerra no Oriente Médio e as tensões em Essequibo não são eventos isolados e não são conflitos “dos outros”.

Há pontos de convergência evidentes. E eles passam por Moscou e chegam a Pequim.

A China está em apuros. Sua economia está em crise. Seu bônus demográfico chegou ao fim. Suas contas estão à beira do precipício e os anos de exuberância talvez não se repitam. A China bateu no teto. Não significa que quebrou. Mas não terá mais a mesma velocidade de expansão que registrou nos últimos anos. O motor perdeu força antes de terminar de subir a ladeira.

Não se pode pensar em uma guerra entre Venezuela e Guiana sem considerar os interesses de Pequim e Moscou

A China está agressiva para tentar ocupar ao máximo espaços estratégicos que antes ela buscava por meio de um exercício que combinava paciência, captura de elites, soft power, corrupção e escravidão por dívida. Agora, o regime partiu para um modo de ação mais urgente e assertivo.

Mas o regime não precisa sujar as mãos, por enquanto. Há quem faça o trabalho por ele. De Putin, passando pelo Hamas e chegando a Maduro, promove a desordem, enfraquece a confiança na democracia e mina as capacidades dos adversários.

O eixo Pequim-Moscou-Caracas sabe usar muito bem contra os Estados Unidos qualquer tipo de ação prévia ou mesmo durante o conflito. O passado intervencionista dos norte-americanos na América Latina é uma mácula indelével que sempre salta da cartola de regimes e seus papagaios que pregam a “natureza ilegítima” dos Estados Unidos como mediador de conflitos na região. É o tal imperialismo ianque.

A questão de Essequibo é lateral. Um pretexto para tentar criar um novo front dentro de uma mesma guerra. Qualquer cenário para a disputa entre Venezuela e Guiana tem de levar em consideração que: 1. Xi manda em Maduro. 2. Mohamed Irfaan Ali, o presidente da Guiana, nutre uma relação de simbiose com Pequim.

Os interesses chineses, além da geopolítica, estão concentrados no controle dos recursos naturais vitais não só para o país, mas para a sobrevivência do regime. O petróleo da Guiana é o que está em jogo.

Há muita névoa no horizonte e é impossível prever os próximos passos desta questão. Mas parece ser muito clara a interconexão dos conflitos, mostrando que as várias guerras fazem parte de uma só. Sem considerar isso, pode ser bem temerário se meter a guerrear.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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