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O Grande Mufti de Jerusalém, Haj Amin al-Husseini, e Adolf Hitler durante encontro em 1941.
O Grande Mufti de Jerusalém, Haj Amin al-Husseini, e Adolf Hitler durante encontro em 1941.| Foto: Heinrich Hoffmann Collection/Wikimedia Commons

Em novembro de 1941, enquanto a Europa ardia na Segunda Guerra Mundial, o Grande Mufti de Jerusalém, Haj Amin al-Husseini, foi a Berlim. “Grande” era um adjetivo que ele adotou e fazia questão que todos usassem antes da denominação jurídica/social/religiosa de principal autoridade islâmica de Jerusalém sob o Mandato Britânico na Palestina, que durou de 1921 a 1937.

Al-Husseini, que se achava o líder máximo do Islã e do mundo árabe, não foi à capital alemã em missão humanitária ou de fé. Ele havia ficado ouriçado com os primeiros relatos de execuções de judeus pelos nazistas e se ofereceu para colaborar. Foi recebido por ninguém menos que Adolf Hitler para uma reunião na qual ele deliberadamente alistou seus comandados em uma frente que ajudaria a varrer os judeus do mapa.

Segundo os relatos oficiais da reunião, depois de agradecer efusivamente a oportunidade de estar frente a frente com o Führer, Al-Husseini disse que o mundo árabe admirava o líder nazista pelo seu compromisso e empenho pela “causa árabe” e – como não poderia faltar – a “causa palestina”. Sempre ela. Em seguida, ainda conforme o relatório dos alemães, Al-Husseini afirmou:

“Os países árabes estavam firmemente convencidos de que a Alemanha venceria a guerra e que a causa árabe prosperaria. Os árabes eram amigos naturais da Alemanha porque tinham os mesmos inimigos que a Alemanha, ou seja, os ingleses, os judeus e os comunistas. Portanto, eles estavam dispostos a cooperar com a Alemanha de todo o coração e estavam prontos para participar da guerra, não apenas negativamente, pela prática de atos de sabotagem e instigação de revoluções, mas também positivamente pela formação de uma Legião Árabe.”

Al-Husseini, que se achava o líder máximo do Islã e do mundo árabe, foi à Alemanha porque havia ficado ouriçado com os primeiros relatos de execuções de judeus pelos nazistas e se ofereceu para colaborar. Foi recebido por Hitler

Em 1941, Al-Husseini já dominava os conceitos básicos da multidimensionalidade da guerra, sobretudo os elementos de conflitos irregulares. Em um pequeno glossário dos três termos em negrito acima, pode-se entender que: 1. Negativamente: ações de guerrilha e de desestabilização valendo-se de populações islâmicas que pudessem ser inflamadas pelos discursos e comandos do “grande” líder. Essas ações têm como objetivo ou desestabilizar governos inimigos, ou viabilizar ações, seja debilitar, seja preparar invasões; 2. Sabotagem: era a forma pela qual as pessoas majoritariamente se referiam ao que hoje se conhece como “terrorismo”; 3. Positivamente: promover o alistamento de combatentes em um exército “semirregular”, sob a fachada da resistência de Legião Árabe, que poderia vir a funcionar como um instrumento de legitimidade de ação política. O tal “braço armado”.

Hitler agradeceu a oferta e prometeu não só acionar Al-Husseini no futuro, como a ajudar naquilo que o palestino esperava ganhar dos nazistas: além da independência dos países árabes e a formação de uma liga árabe-mulçumana sob o seu comando, o fim de qualquer movimento ou aspiração que levasse à criação de um Estado judaico na Palestina. O fantasma dos dois Estados assombrava Al-Husseini desde os anos 1920, quando as primeiras discussões começaram a se dar, ainda sob o domínio britânico.

Meses depois, Al-Husseini colaborou com os regimes do Eixo transmitindo em árabe, via rádio (o Twitter daquela época), propaganda antibritânica e antijudaica com o objetivo de promover a violência contra esses grupos no Oriente Médio. Além disso, ele cumpriu a promessa de arregimentar muçulmanos dos Bálcãs que serviram ao lado dos alemães, nas SS e em outras unidades paramilitares usadas pelos nazistas.

Al-Husseini se esforçou, mas foi abandonado na estrada. Alguns historiadores, que descrevem o papel dele no suporte às potências do Eixo, mostram que Hitler não se importava pelos palestinos e sua “causa”. Ele os via como inferiores, não só em relação aos alemães, mas aos próprios ingleses que combatiam no front. Com a ajuda de Al-Husseini, o povo palestino e muitos árabes foram bucha de canhão do nazismo.

Agora é a vez de tratar do ódio que Al-Husseini sentia pelos comunistas, o “inimigo comum que tinha com Hitler”, conforme consta no relato da reunião com o líder nazista. Al-Huseini tinha pavor dos soviéticos, porque Joseph Stalin defendia a existência de dois Estados, algo que os árabes não aceitavam (e até hoje não aceitam). Tanto que em 1948 o líder soviético apoiou fortemente a criação do Estado de Israel. A URSS havia calculado que o Estado judeu ajudaria a expulsar a Grã-Bretanha para fora do Oriente Médio e funcionaria como uma sucursal soviética na região.

Em 1948, enquanto os Estados Unidos se recusaram a enviar armas para os sionistas lutarem a sua Guerra da Independência, Stalin tomou o caminho diametralmente oposto. Valendo-se de seus satélites como a Tchecoslováquia, enviou armas e aviões para os israelenses. A parceria parecia perfeita.

O fantasma dos dois Estados, um judeu e um palestino, assombrava Al-Husseini desde os anos 1920, quando as primeiras discussões começaram a se dar, ainda sob o domínio britânico

Mas, quatro anos depois, Stalin entrou em choque com os israelenses. A então embaixadora de Israel na URSS, Golda Meir, que viria a se tornar primeira-ministra em 1969, tentou convencer o líder comunista a autorizar a partida para Israel de judeus que viviam nas repúblicas soviéticas. Stalin, que já havia barrado a mudança antes, se manteve irredutível. A disputa pelo direito de os judeus soviéticos poderem emigrar ou não levou a uma ruptura com Moscou, e os israelenses se aliaram de vez com os Estados Unidos.

Sem o controle de Israel, os soviéticos resolveram adotar a “causa palestina” – olha ela aí de novo. A URSS pinçou as lideranças potenciais, as financiou e treinou, e estruturou e fundou as organizações para defesa da causa palestina. A primeira a sair do papel, em 1964, foi a Organização para Libertação da Palestina (OLP), que viria a funcionar como um guarda-chuva para um conjunto de agremiações, entre as quais o Fatah, de Yasser Arafat. O vínculo da KGB, a inteligência do regime soviético, com esses grupos era tão estreito que ela chegou a ter líderes palestinos em sua folha de pagamento.

No ano seguinte, a URSS patrocinou uma resolução na Organização das Nações Unidas (ONU) que condenava o sionismo como forma de “colonialismo e racismo”. Foi o lançamento da campanha internacional que desemboca nos dias de hoje.

Ainda que a primeira tentativa dos comunistas de conseguir o selo da ONU tachando Israel de racista tenha dado errado, a máquina de propaganda liderada por Moscou não parou de funcionar. Foram necessários dez anos para sedimentar a mensagem e as Nações Unidas se renderam à propaganda soviética. Em novembro de 1975, a ONU aprovou a Resolução 3.379, condenando o sionismo como “uma forma de racismo e discriminação racial”, exatamente como a URSS havia pedido em 1965. Esses termos foram retirados do documento da ONU apenas em 1991. Mas de que adianta? A propaganda ficou tatuada no cérebro de muita gente.

O Hamas, que desde 2006 comanda a Faixa de Gaza, é um subproduto do Islã radical da Irmandade Muçulmana do Egito (que tem uma das leituras mais radicais da religião), do nacionalismo de Al-Husseini e da fúria e violência patrocinadas por décadas pela URSS. Uma combinação que se mostrou em plenitude no atentado de 7 de outubro de 2023. O Hamas, assim como os nazistas e os soviéticos, usa os palestinos como bucha de canhão. Um século de história de violência, intolerância e manipulação que parece ser impossível de ter um fim.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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