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O ex-presidente do Peru, Pedro Castillo, destituído e preso nesta quarta-feira (7) após tentar um golpe de Estado
O ex-presidente do Peru, Pedro Castillo, destituído e preso nesta quarta-feira (7) após tentar um golpe de Estado| Foto: EFE/Elvis González

O presidente do Peru, José Pedro Castillo Terrones, foi preso a caminho do exílio. Ele tentava chegar em uma embaixada bolivariana – qualquer uma que fosse (a do México era a mais provável) – para tentar escapar da armadilha que ele mesmo armou para o país. Poucas horas antes de se ver obrigado a fugir com sua família do Palácio Presidencial, ele tentou um autogolpe. Fechou o Congresso, decretou estado de exceção e anunciou um toque de recolher. Segundo ele, para salvar a democracia. Sempre a mesma desculpa.

Castillo foi o quarto presidente do país em pouco mais de dois anos. Desde que tomou posse em julho de 2021, ele nomeou cinco primeiros-ministros. Talvez nada represente mais a instabilidade do país que a dança de cadeiras entre seus principais líderes.

O agora ex-presidente partiu para o autogolpe para tentar barrar um processo de impeachment que estava sendo preparado. O terceiro. Certamente o que colocaria um ponto final em seu governo, que nem os seus apoiadores mais radicais e próximos seguiam dispostos a sustentar.

Seu plano de tentar um autogolpe foi para o espaço, pois além de ele não ter apoio do Congresso, ele não tinha suporte das Forças Armadas e sequer da população. Seu governo cambaleia desde o momento zero – sendo marcado por crises internas, protestos de rua e muita incompetência – e chegou ao final com uma aprovação abaixo de 24%. Sozinho, ele se viu enredado na própria trama.

Enquanto tentava se asilar em uma embaixada, teve o comboio que o levava interceptado por cidadãos que bloquearam as ruas que davam acesso às possíveis embaixadas que poderiam servir de refúgio. Enquanto fugia, o Congresso que ele tentou dissolver votou pela vacância da presidência. Uma espécie de reconhecimento de que Castillo havia abandonado as suas funções.

A tragédia institucional do Peru pode ser atribuída, em parte, ao legado sinistro da corrupção revelada pela Operação Lava-Jato. A roubalheira hemisférica da qual fizeram parte o pessoal do PT e as empreiteiras enredadas no esquema corroeu os frágeis pilares institucionais de um Peru que dava sinais de que havia encontrado o caminho da prosperidade e do desenvolvimento, tendo sido considerado o exemplo andino.

Talvez os impactos da Lava-Jato tenham sido mais profundos no Peru que no próprio Brasil. A versão peruana, derivada da investigação brasileira, chegou a quatro ex-presidentes. Um deles, Alan Garcia, se matou com um tiro na cabeça para não ser preso.

Pilhados na roubalheira, os políticos entraram em modo de autoproteção e a governabilidade e estabilidade do país foram implodidos. As crises afastaram os investidores e foram abertas as lacunas que vieram a ser preenchidas em seguida por estreantes como Castillo. Um populista de origem sindical, que liderava um movimento de professores e que apareceu no cenário nacional como o responsável para remediar os impactos da Covid-19 e curar as feridas do povo pobre peruano, que nunca esteve de fato entre as prioridades dos governantes locais.

Superficialmente, pode-se dizer que o Peru segue o clássico playbook latino-americano de golpes, golpes e golpes. E quem diz isso não está errado. Mas talvez valha a pena ver um pouco além. Golpes e autogolpes como essa tentativa de Castillo ou como foi o golpe de Hugo Chávez, em 1992, não necessariamente tendem a acontecer tão claramente e com todos os elementos da receita tradicional.

Assim como as guerras evoluíram e a convencionalidade se tornou a versão excepcional. Os golpes com presidentes fechando Congresso ou tanque nas ruas também são as versões mais raras desse tipo de subversão à ordem democrática.

Na América Latina e fora dela, os golpes mudaram de nome. Não usam farda e muitas vezes são executados sem estardalhaço e de forma gradual. A construção de narrativas, a usurpação de poderes, a tolerância de violações constitucionais, o silêncio ou o escândalo fazem parte de um jogo não muito transparente, mas que preparam o terreno para a corrosão institucional.

A defesa da democracia que Castillo evocou em seu autogolpe fracassado é a mesma defesa da democracia que virou cacoete de linguagem no Brasil? É a mesma defesa da democracia que levou empresas de tecnologia como o Twitter a interferir em processos eleitorais? Seria esse o mesmo pretexto que fez com que a imprensa em várias partes do mundo livre assumisse jogar como linha auxiliar de candidaturas salvadoras? Castillo vinha dando um golpe a cada dia. Vinha sofrendo um golpe a cada dia. A coisa caminhou de tal maneira que chegou aonde chegou.

Castillo, desde a sua campanha, passando por sua vitória, posse, governo e queda, é a mais perfeita caricatura do que é a política peruana e latino-americana. Sua sucessora, Dina Boluarte, é ainda mais obtusa que ele. A nova presidente do Peru é um títere de um ex-aliado de Castillo, que rompeu com ele por não ter sido fiel às promessas de um Peru socialista. Sob as ordens de Vladimir Cerrón (que é discípulo de Nicolás Maduro e unha e carne com Evo Morales), a nova presidente tende a ser mais um capítulo da tragédia do nosso vizinho Peru.

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