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Vitral na Catedral Nacional de Washington mostra José de San Martín, Simón Bolívar e o Barão do Rio Branco
Vitral na Catedral Nacional de Washington mostra José de San Martín, Simón Bolívar e o Barão do Rio Branco| Foto: Reprodução

Nos templos, os vitrais são espaços destinados ao sagrado. As imagens de santos e passagens bíblicas são, ao lado da Virgem Maria e da Santíssima Trindade, as cenas mais comuns de serem admiradas. A Catedral Nacional de Washington não é diferente. Mas a luz que atravessa os vidros coloridos das janelas do templo vai além da sacralidade. Construído entre 1907 e 1990, o templo tem em suas janelas um compêndio da história dos Estados Unidos. Seus vitrais mostram cenas da conquista. Trata dos antepassados, relembra as lutas internas e as batalhas no exterior, como a clássica cena dos marines erguendo um mastro com a bandeira dos americana na ilha Iwo Jima, no Japão. Há referências à escravidão e ao seu fim. Há até uma referência à chegada do homem à Lua.

Uma das janelas é dedicada à América Latina. Sob a imagem do Espírito Santo está o venezuelano Simón Bolívar, o libertador da Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Panamá e Bolívia, país que ele batizou em auto-homenagem. Bolívar não está só. A sua direita está o argentino José de San Martín, patrono da independência de sua terra natal, do Chile e do Peru. Empunhando uma espada e envolto em uma túnica, San Martin tem a imagem de Jesus Cristo sobre a sua cabeça e troca olhares com Bolívar.

No lado oposto está o terceiro personagem que completa o vitral latino-americano: José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco. Logo acima dele, a Imagem da Virgem Maria e a do corpo de Jesus logo que fora retirado da cruz.

A escolha do artista em colocar lado a lado dois militares que lutaram em batalhas sangrentas contra o reino da Espanha e um diplomata que nasceu e trabalhou em um Brasil já independente é uma incógnita. Talvez tenha sido o resultado do engano de muitos que a independência do Brasil veio de graça sem sangue ou batalhas, como se tudo se resumisse no grito de “Independência ou Morte” às margens do Rio Ipiranga.

Mas, por outro lado, a merecida homenagem ao Barão do Rio Branco talvez tenha um significado que transcende a celebração da pancadaria que antecedeu a independência. A homenagem ao Barão do Rio Branco no mural da Catedral Nacional de Washington pode ser entendida como uma celebração à diplomacia brasileira. Símbolo da diplomacia brasileira, a imagem do Rio Branco em um mural dedicado à América Latina mostra como o Brasil construiu uma tradição de soluções negociadas e pacíficas que antecedem as guerras e é capaz de evitá-las. O Barão do Rio Branco foi um craque nesse quesito. Solucionou temas espinhosos de fronteira com os vizinhos do Brasil sem a necessidade de conflitos armados.

Os construtores da Catedral Nacional de Washington podem ter enxergado isso. Enquanto os outros dois personagens perseguiram o caminho da guerra para conquistar a independência, o Barão do Rio Branco consolidou a paz e ensinou como a diplomacia é um instrumento poderoso e eficaz. Algo que pode ser traduzido como admiração dos americanos para com o patrono dos diplomatas brasileiros.

Uma admiração nem sempre — ou cada vez menos — correspondida.

No Brasil, a escola que forma os diplomatas leva o nome de Rio Branco. Mas por lá os alunos são ensinados a buscar a todo custo uma alternativa aos Estados Unidos, conforme me descreveu recentemente um diplomata que serve na Europa. “Alternativa”, no caso, pode ser entendida de várias maneiras e em graus distintos de puro antiamericanismo típico de aulas de história ministradas lá nos tempos da quinta série.

Os primeiros mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) marcaram o agravamento dessa relação. A turma do “Sul Global” ou da diplomacia “Sul-Sul” não só colocou em prática um desmantelamento da relação, como passou a reforçar a formação de novas gerações com características cada vez mais antagônicas a uma relação de proximidade com os Estados Unidos.

Os americanos não são santos imaculados, com os quais a relação deve ser isenta de críticas e cuidados. Mas eles estão longe de serem os responsáveis pelas nossas mazelas ou parceiros indesejáveis. A opção de substituir os Estados Unidos pela China, como centro de gravidade, por exemplo, não é algo inevitável fruto de um processo inexorável de ascensão da potência oriental. É uma escolha.

É importante considerar que os Estados Unidos são corresponsáveis pelo arrefecimento da relação com o Brasil e a América Latina. Os americanos erraram em não dar a devida atenção ao continente e a reduzir as suas preocupações recentes ao tema migratório e ao caos venezuelano. Dois temas graves, mas pura distração. O exemplo disso é que passados dez anos de Nicolás Maduro no poder não se chegou a lugar algum.

O governo de Jair Bolsonaro tentou dar um cavalo de pau nessa tendência, mas patinou. Conseguiu pouco ou quase nada — muito em parte — pela resistência dentro do próprio Itamaraty. O retorno de Lula ao poder deu, para uma parcela relevante da diplomacia brasileira, o gás que faltava para buscar a tal alternativa fora dos Estados Unidos.

Em menos de um mês já lançou um plano de aliança antidólar. Abriu os portos brasileiros para navios de guerra iranianos aportarem, como parte de um tour de desafio aos Estados Unidos, reabilitou a Celac (versão antiamericana da Organização dos Estados Americanos).

A imagem reluzente de Rio Branco nos vitrais da Catedral Nacional de Washington deveria servir para nos lembrar mais do que nos une e de nossas semelhanças que das diferenças. Que a construção de novas pontes não implica na implosão de outras. Rio Branco deu à diplomacia brasileira um status e caráter elevados que a ideologia constantemente insiste em manchar. E não custa lembrar que o mote do patrono da diplomacia era “Em qualquer lugar, terei sempre a Pátria em minha lembrança” e não "Em qualquer lugar, farei o que o partido mandar”.

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