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Hugo Chávez estende os braços, como se pedisse um abraço, em encontro com a monarca britânica em 2006 no Palácio de Buckingham
Hugo Chávez estende os braços, como se pedisse um abraço, em encontro com a monarca britânica em 2006 no Palácio de Buckingham| Foto: Reprodução/YouTube/AP Archive

Os primeiros meses de 2006 devem ter sido bem esquisitos para a rainha Elizabeth II, que morreu nesta semana, aos 96 anos. Dona de uma história de vida exuberante, ela foi obrigada a ver diante de si um autêntico bobo da corte com título de presidente. Em maio daquele ano, Hugo Chávez entrou em um dos aposentos do Palácio de Buckingham, como quem entra em um palco de programa de auditório, e chacoalhou a mão da monarca que o esperava de pé com um sorriso no rosto.

Mas Chávez não parou por ali. Diante das câmeras que distribuiriam a imagem para o mundo, ele estendeu os braços por alguns segundos, como se esperasse um abraço da rainha. Depois de um sorriso maroto, fez cara de desapontado, quase um beicinho, quando a rainha, desbaratinada, ensaiou dar um passo para trás. Para muitos, o gesto, nada mais nada menos, era uma das brutalidades dos trópicos.

Não era nada disso. Chávez sabia muito bem o que estava fazendo. Ainda em Londres, dentro do avião presidencial que se preparava para decolar, Chávez se desmanchava em gargalhadas ao narrar o seu grande feito. “Viram a cara da velha? Vieram me dizer que eu não podia tomar a iniciativa de tocá-la. O que esses ingleses pensam que são?”, questionou Chávez, conforme relato de uma testemunha que fazia parte de sua comitiva.

Entre as várias coisas que Chávez tinha em mente para seu encontro com a rainha Elizabeth II, uma era certa. Ele queria ridicularizá-la.

O ex-ministro chavista que relata essa cena descreveu o esforço de Chávez como “rebeldia”. Uma vontade incontrolável de desafiar as tradições e o poder. Algo muito próprio da esquerda e, é claro, de adolescentes.

Por falar em esquerdismo e seus faniquitos, dois meses antes de Chávez tentar ganhar um abraço “da velha”, outro presidente de terras subtropicais encheu o saco da rainha Elizabeth e de seu cerimonial. Antes de desembarcar em Londres para atender a um convite real, Luiz Inácio Lula da Silva escalou os diplomatas brasileiros para negociar a lista de exigências e negativas. Lula mandou avisar que se recusava a vestir white tie – o traje clássico composto de fraque ou casaca – que se espera que os homens convidados para os banquetes de gala usem.

Foram tantas chatices que as rudimentariedades do vestuário da delegação petista foram acatadas. Foi liberado o terno e gravata. Uma noite exótica na vida da rainha Elizabeth. Lula se recusou a visitar o Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford, inaugurado pelo então Fernando Henrique Cardoso, em 1997, e considerado pelo círculo de assessores de Lula como um “reduto tucano”. A lista de nãos ditos aos britânicos foi longa.

Já em solo inglês, Lula esbanjou o seu estilo. Para os convidados reais, no tal banquete de gala, falou... falou... falou... Discursou por mais de dez minutos, mais que o dobro do tempo usado pela rainha. E para explicar a química entre o Reino Unido e o Brasil, Lula usou nada mais nada menos que o futebol. “Podemos aliar a experiência britânica à criatividade brasileira para atingir os melhores resultados. Foi isso que o inglês Charles Miller fez ao trazer esse esporte para o Brasil”, afirmou.

Bateu na trave. Miller era paulista, filho de um inglês com uma brasileira.

Tanto Chávez quanto Lula fizeram política externa pensando mais em suas convicções que em seus países. A idiotice serial demonstrada diante da rainha Elizabeth II é inegavelmente a menos nociva frente às várias outras que trouxeram prejuízos ao povo, seja no Brasil, seja na Venezuela.

É duro pensar como fomos representados diante de uma gigante que acaba de nos deixar. Mas os relatos sobre sua inteligência, senso de humor e generosidade nos legaram a esperança de que ela não levou a sério tamanha futilidade.

Obrigado, Majestade.

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