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O governo Lula tem sabotado sistematicamente a pretensão da Petrobras de avaliar o potencial de exploração comercial de hidrocarbonetos no litoral do Amapá. Sim, sabotagem é a expressão correta. Apesar da sua retórica inflamada sobre a “lenga-lenga” do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no licenciamento ambiental de um poço exploratório no chamado bloco 59, o presidente da República nada fez até agora para enquadrar a ostensiva e provocativa procrastinação do órgão, baseada em falaciosos argumentos “técnicos”.
Por outro lado, a mesma Petrobras parece estar sendo elevada a “salvadora” da Floresta Amazônica, pelo menos, a julgar pelo protocolo de intenções assinado em 31 de março entre a empresa e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para o lançamento do chamado Profloresta+.
O programa é uma iniciativa para a restauração de 50 mil hectares de terras degradadas, tendo como contrapartida a emissão de créditos de carbono referentes à captura de 15 milhões de toneladas de carbono, a serem adquiridos pela Petrobras.
O montante de investimentos previstos é da ordem de R$ 450 milhões, com a geração de 4.500 empregos diretos.
Segundo a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, o esquema permitirá à empresa “cumprir os nossos compromissos climáticos com créditos de carbono de alta qualidade e integridade (ESG News, 03/04/2025)”.
Pelos cálculos dos mercadores de carbono, as 15 milhões de toneladas que serão capturadas na área restaurada correspondem aproximadamente às emissões anuais de 9 milhões de automóveis a gasolina
No caso, os créditos de carbono adquiridos pela Petrobras serão parte das “indulgências climáticas” (ou “carboindulgências”, se se preferir) pagas pela empresa pelo alegado “pecado mortal” de insistir na exploração dos demoníacos hidrocarbonetos.
Mas o mais curioso é que o ProFloresta+ é um engendro do Nature Investment Lab (NIL), entidade criada no final do ano passado para “acelerar a implementação de Soluções Baseadas na Natureza (SbN) no Brasil”. Entre elas: restauração da vegetação nativa (incluindo reflorestamento e florestamento), restauração em terras privadas e restauração em terras públicas sob concessão; bioeconomia, que abrange o manejo sustentável da vegetação nativa, como produtos florestais não madeireiros, sociobioeconomia e biotecnologia; e agricultura regenerativa, abrangendo os sistemas agroflorestais, a conversão de pastagens degradadas e a produção de insumos biológicos agrícolas e fertilizantes verdes.
No sítio https://natureinvestmentlab.org/pt, somos informados de que os seus sócios fundadores foram: Banco do Brasil; BNDES; Aliança Financeira de Glasgow para Emissões Zero (GFANZ); Instituto Clima e Sociedade (iCS); Instituto Itaúsa; e Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
Ou seja, o NIL representa a quintessência da agenda das “finanças verdes”, reunindo dois dos seus principais promotores no âmbito internacional (GFANZ e USAID), um dos seus principais operadores no Brasil (iCS), uma entidade privada nacional (Itaúsa) e órgãos financeiros do governo brasileiro (BB e BNDES).
De uma forma que beira o cinismo, a Petrobras, prejudicada no seu core business pelo fundamentalismo “verde” encastelado no governo federal, foi atraída para chancelar financeiramente um esquema que está fazendo água em todo o mundo. Situação a qual foi agravada pela acirrada oposição movida pelo governo de Donald Trump, que, inclusive, extinguiu a USAID, cofundadora do NIL.
Quanto à GFANZ, a avalanche trumpista, que forçou o encerramento das atividades de uma de suas filiadas, a Net Zero Asset Managers (NZAM), a levou a alterar os seus estatutos, para permitir o acesso de empresas que não necessariamente estejam alinhadas com os objetivos do Acordo de Paris, estabelecidos na conferência climática COP21.
Outro fato relevante é a participação do iCS, hoje uma das mais ricas e influentes ONGs ambientalistas brasileiras, inclusive, pela presença de sua ex-diretora-executiva, Ana Toni, na Secretaria de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, posto desde o qual exerce também a função de executiva-chefe da conferência climática COP-30, em Belém (PA), em novembro próximo.
Tanto o iCS como Toni são adversários figadais da expansão da exploração de hidrocarbonetos na Margem Equatorial Brasileira (MEB).
Em maio de 2023, a ONG patrocinou uma mesa redonda voltada para “destacar a incoerência do governo e do Congresso Nacional, que dão sinalizações contraditórias na área de energia”, como definiu a mediadora do evento, Amanda Ohana, coordenadora de Iniciativas do Portfólio de Energia do iCS.
“O governo se diz pró-transição energética, mas nada fez sobre as térmicas emergenciais a gás natural e a Petrobras, que criou uma diretoria de transição energética, quer avançar na Foz do Amazonas. O discurso é incoerente”, disse ela (IstoéDinheiro, 29/05/2023).
Ana Toni, já como secretária de Mudanças Climáticas, disse à Folha de S. Paulo (02/04/2024): “A gente não está mais nesse momento de achar que pode ter esse luxo [de seguir explorando]. Como falei, o nosso pior inimigo é o tempo.”
Na mesma entrevista, ela criticou a sugestão de que a exploração de hidrocarbonetos possa ajudar a financiar a transição energética: “A Noruega faz isso [financiar a transição com recursos do petróleo] com o fundo soberano deles. Mas ali tem uma estratégia específica. Não estou falando que é certa, mas eles desenharam o fundo para isso. Se a proposta fosse ‘vou explorar o nosso petróleo para descarbonizar a economia como um todo, isso vai demorar cinco, dez anos, e, com esse recurso, vou substituir os plásticos primeiro, depois os carros, vou pagar para todo o mundo ter carro elétrico… seria algo a ser debatido. Eu ainda não vi essa proposta aqui no Brasil.”
E também rebateu os prognósticos da indústria petrolífera, Petrobras inclusive, de que os hidrocarbonetos ainda serão imprescindíveis durante várias décadas.
Com base em avaliações anteriores da Agência Internacional de Energia (AIE) – que a própria agência já abandonou –, Ana Toni considera ser necessário reduzir o prazo para uma única década, sob o risco de o planeta enfrentar um aquecimento global irreversível.
Se dependesse desses acólitos do templo “aquecimentista”, a Petrobras deveria mudar seu nome para “Florestabras” e converter-se numa megagestora florestal.
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