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A Barbie é mesmo feminista?
| Foto: Divulgação

Não sou eu quem está colocando em dúvida o feminismo da Barbie, é Kévin Bideaux, perquisadorx e membrx do Laboratório de Estudos de Género e Sexualidade da Universidade Paris 8, em Vincennes–Saint-Denis, em artigo traduzido pelo site português esquerda.net.

Pelo uso do “x” no crédito do artigo, já dá para perceber que, mesmo não sendo uma pessoa que menstrua, nem uma pessoa que pode gestar, Kévin Bideaux é alguém que tem lugar de fala para julgar a boneca.

(Parêntesis. O uso das expressões “pessoas que menstruam” e “pessoas que podem gestar” já é oficial: está no item 45 do documento aprovado na última Conferência Nacional de Saúde – que estabelece as prioridades para as ações e serviços públicos de saúde nos próximos quatro anos.)

Segundo Bideaux, a comédia dirigida por Greta Gerwig faz parte de uma campanha de femvertising que se baseia na retórica pós-feminista da “feminilidade poderosa” (explicação necessária: contração dos termos “feminismo” e “publicidade”, femvertising  se refere à apropriação de valores feministas para melhorar a imagem de uma marca e conquistar uma nova clientela).

É fato que o filme ressignifica a boneca que há mais de 60 anos era símbolo de beleza e feminilidade, além de propor uma reflexão sobre o papel da mulher na sociedade, o patriarcado e o machismo.

Mas, afirma Bideaux, nem por isso "Barbie" deixa de reproduzir clichés sexistas a serviço do patriarcado. Neste sentido, mesmo que apareçam no filme personagens diversas, a protagonista continua sendo tóxica para as mulheres da vida real, com sua beleza, sua magreza, seu cabelo louro e suas roupas cor-de-rosa.

O rosa, aliás, voltou a ser tendência na moda. O que é um absurdo. Em um país tão avançado como o nosso, onde uma ministra foi quase crucificada por sugerir que meninas vestissem rosa, é claro que a reabilitação desta cor representa um retrocesso fascista inadmissível.

Escreve Bideaux: “Embora a tendência Barbiecore seja apresentada como “feminista”, na realidade de feminista ela tem apenas o adjetivo, já que sugere que usar roupas hiperfemininas – saias curtas, saltos altos etc – (...) seria uma forma de reivindicação”.

(Devo dizer que aqui Bideaux parece um pouco machistx ao condenar saias curtas, porque basta assistir a um clipe da Anitta para entender que a erotização do corpo feminino empodera as mulheres.)

A crítica de Kévin Bideaux se aproxima daquela feita ironicamente pelo influenciador Joaquin Teixeira em sua conta no Twitter: "Barbie é só uma privilegiada branca, magra e hétero"

Mas, segundo o articulista, isto seria apenas uma “reedição mais vistosa da tendência millennial pink de 2016, (...) que se apoiava na mesma retórica pós-feminista da feminilidade poderosa” mas consistia, na verdade, na “reprodução de clichês sexistas e na reafirmação de uma pretensa ‘diferença sexuada’ que só prejudica as mulheres, convidando-as a usar roupas restritivas e a gastar cada vez mais dinheiro em acessórios para reafirmar a sua identidade feminina”.

Ou seja, mesmo aparentemente empoderada, no fundo no fundo a Barbie reforça clichês binários que não representam a fluidez do nosso tempo, que já não comporta “diferenças sexuadas”.

Curiosamente, neste ponto a crítica de Kévin Bideaux se aproxima daquela feita ironicamente pelo influenciador da internet brasileira Joaquin Teixeira em sua conta no Twitter: “[Barbie] é só uma privilegiada branca, magra e hétero”.

Mas não é só isso. Bideaux também acusa “Barbie” de associar o feminismo ao consumismo capitalista,  ao estimular a compra de produtos derivados do filme – incluindo, evidentemente, as bonecas, que, desumanizadas, reforçam a ideia de que mulheres são objetos de consumo.

Qual é a principal motivação do filme, no final do dia? Segundo Bideaux, lucro: “Confrontada com a concorrência das bonecas Bratz e American Girls, que a fizeram perder uma considerável fatia do mercado, a Mattel tentou voltar a dourar a imagem da Barbie  tornando-a mais inclusiva, já com a coleção ‘Barbie Fashionistas’ de 2016, que desde então incluiu um modelo em cadeira de rodas, um com aparelho auditivo e, este ano, um com síndrome de Down”.

Ou seja, Bideaux está dando razão à interpretação do “Diário da Causa Operária”, segundo o qual Barbie e a cultura identitária estão a serviço do capitalismo: “Quanto mais nichos, melhor para os negócios”.

Kévin Bideaux conclui: “O filme de Gerwig não é mais nem menos do que uma operação de marketing em grande escala”.

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