| Foto: Reprodução Twitter
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A esquerda não tem mais nada a ver com Marx. Se, na narrativa marxista tradicional, a divisão entre opressores e oprimidos era determinada pela estrutura econômica da sociedade, cabendo ao proletariado a missão histórica de destruir o capitalismo e criar o novo mundo comunista, para a nova esquerda são fatores culturais que determinam os campos em conflito.

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A luta de classes foi reinventada, assim, em novos termos: ela não opõe mais ricos e pobres, detentores dos meios de produção e força de trabalho explorada.

As “classes” hoje em confronto são, de um lado, as “minorias” empoderadas, aliadas às antigas elites, ao grande capital e à grande mídia em um ambicioso projeto de reengenharia social; de outro, o cidadão comum, que assiste, atordoado, ao bombardeio contínuo se seus valores e crenças – valores e crenças associados à família, à moral cristã, a noções claras de certo e errado, ao mérito e ao esforço individual como caminho para o crescimento e a realização pessoal.

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Curiosamente, na gramática da nova esquerda é o cidadão comum que é identificado como opressor, não as elites.

Marx deve estar se revirando no túmulo. A centralidade da economia, um dos pilares de seu pensamento, foi escanteada pela nova esquerda. O herói da esquerda não é mais o proletário explorado, mas o burguês que ostenta virtude enquanto continua usufruindo de seus privilégios. Hoje são os milionários que enchem a boca para dizer que são socialistas e lutam pela justiça social. Aos trabalhadores pobres cabe apenas aplaudir tamanha virtude, enquanto continuam a perder duas horas na condução lotada para chegar no trabalho.

Façam esse exercício: coloquem, de um lado, um jovem rico que nunca trabalhou, vive para gastar o dinheiro dos pais, tem carro do ano e um Iphone de 10 mil reais, só usa roupas de grife, viaja regularmente para a Europa, nunca colocou os pés numa favela (a não ser, talvez, para comprar drogas), mas... fecha os olhos para a corrupção do bem, defende o aborto e as pautas identitárias, se declara amigo das minorias e das mulheres trans, se diz feminista e antirracista e acredita que policial é bandido, e que bandido é vítima da sociedade.

Este jovem se identifica com os oprimidos. Ele é do bem. Ele é de esquerda. Ele pode falar e fazer o que quiser. Pode, inclusive, ser rico e desprezar secretamente os pobres. Ele entendeu que o que importa hoje não é ser de fato virtuoso, é parecer virtuoso. Desnecessário dizer em quem ele vota.

Da mesma forma que os inimigos da esquerda não são mais os ricos, mas os cidadãos comuns, o alvo da esquerda não é mais o capitalismo: são os alicerces morais e culturais da sociedade

Coloquem, do outro lado, um jovem pobre da periferia, de família evangélica, que se sacrificou muito para que o filho completasse os estudos e não seguisse um caminho errado. Este jovem pega um ônibus lotado e leva horas para chegar no trabalho, mas encontra tempo para prestar serviço comunitário e ajudar quem realmente precisa – embora não tenha interesse em postar suas boas ações nas redes sociais, muito menos em se fazer de vítima.

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Este jovem pratica o bem, em vez de investir na aparência da virtude. Mas ele não usa drogas, é contra o aborto e defende a igualdade de direitos e oportunidades, não a criação de privilégios compensatórios. Este jovem é rotulado como opressor e intolerante pela nova esquerda. Ele é do mal. Ele é de direita. Desnecessário, também, dizer em quem ele vota.

Nesta nova e estranha luta de classes, não são só os campos em conflito que mudaram: também o alvo a ser destruído agora é outro: não é mais o sistema de exploração econômica, obviamente, porque aí posar de virtuoso e justiceiro social vai perder a graça.

Da mesma forma que os inimigos da esquerda não são mais os ricos, mas os cidadãos comuns, o alvo da esquerda não é mais o capitalismo: são os alicerces morais e culturais da sociedade, os laços tradicionais entre as pessoas, os valores compartilhados sem os quais nenhuma nação pode prosperar.

A frase “Tudo que é sólido desmancha no ar” (atribuída a Marx, mas que na verdade é da peça “A tempestade”, de Shakespeare, que Marx apenas parafraseou) ganhou um novo sentido: a esquerda não está mais preocupada em demolir os fundamentos capitalistas da economia, com os quais fez as pazes, mas em profanar tudo que era sagrado, em destruir os fundamentos morais e espirituais do indivíduo.

Esse deslocamento da economia para a cultura como eixo e alicerce do projeto da esquerda não é novo, começou lá atrás: tem raízes em Gramsci e, mais recentemente, na contracultura dos anos 60. Mas parece claro que esse deslocamento vem se acelerando muito nos últimos anos. Voltarei ao tema.

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