| Foto: Reprodução Instagram
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Autor de “Guia bibliográfico da nova direita” e “Lacerda – A virtude da polêmica”, além de presidente e colunista do Instituto Liberal, Lucas Berlanza acaba de lançar um novo livro, desta vez em parceria com o historiador Hiago Rebello: “Escravos do amanhã – As ilusões do progressismo”. A dupla faz uma análise rigorosa e demolidora de alguns aspectos da ideologia progressista, como a determinação em implementar agendas sociais nunca testadas e a convicção presunçosa da superioridade moral de suas ideias.

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Merecem destaques os dois capítulos finais, assinados por Lucas: “O caso brasileiro – O melhor e o pior em nossa História”, uma síntese histórica do desenvolvimento do conceito de progresso, de D.Pedro I aos dias atuais, e “Dissecando a doença”, um exame ousado e controverso das pautas identitárias e da guerra de narrativas em curso no nosso país.

Nesta entrevista, Lucas Berlanza comenta alguns dos temas do livro e alerta para a ameaça que a arrogância progressista representa para a liberdade de expressão, questão atualíssima diante da tramitação a toque de caixa do PL 2630 no Congresso Nacional.

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- Qual é a diferença entre o progresso do lema positivista da bandeira nacional e a ideia de progresso da esquerda progressista/lacradora de hoje? E em que momento a esquerda se apropriou da ideia de progresso?

LUCAS BERLANZA: Ambas as propostas se entendem portadoras de uma visão de mundo mais “avançada” do que as de seus contemporâneos e opositores, pronta a construir e “fazer a História” com base em suas ideias sobre o presente e o futuro, mas as teses específicas e os momentos históricos são distintos. O Positivismo tinha por pretensão equacionar o caos pós-revolucionário francês, exibindo uma pulsão de ordem que nada tem a ver com o que contemporaneamente chamamos de progressismo ou esquerdismo woke, calcado – sobretudo em suas manifestações identitárias – na multiplicação do conflito com o propósito de ser um agente destruidor de estruturas supostamente opressoras.

O Positivismo tinha uma concepção clara de uma ascensão do pensamento rumo ao “estado positivo”, que suplantaria o pensamento teológico e o pensamento metafísico ao identificar leis imutáveis no campo social descobertas positivamente pela ciência; traria um estágio superior de conhecimento que renegaria as outras formas de pensar ao passado supersticioso e primitivo da humanidade. Já o progressismo contemporâneo toma apenas as próprias obsessões e apetites como critérios do que seria avançado e vanguardista, do que seria o mais “moderno”, sem exibir a mesma estrutura sistemática de pensamento do Positivismo e tendo uma aspiração de índole bem mais subversiva.

A esquerda, se a entendermos como uma vertente igualitarista da política moderna pós- Revolução Francesa, sempre esteve vinculada à autoimagem de representante do progresso; a tradição socialista utópica e a tradição marxista já se compreendiam assim. O Marxismo vê claramente a sociedade comunista como uma etapa final a ser atingida em uma sucessão de estágios, enxergando no proletariado, por meio da revolução e da ditadura, o protagonista inevitável dessa transformação progressiva.

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- O progressismo é por si só uma ideologia? Qual é a interseção entre o progressismo e a ideologia de esquerda? E como foi possível que as duas se fundissem na nova esquerda, que parece mais preocupada com a agenda identitária do que com a luta de classes e a exploração da classe operária?

LUCAS: Em nosso livro, tratamos a palavra “progressismo” em uma acepção com dupla camada. A primeira camada, mais abrangente, se refere a uma cultura intelectual em que se ancoram todos aqueles que se entendem acima do processo histórico, capazes de vislumbrar em minúcias o comportamento desse processo e enxergando-o e julgando-o a partir das próprias agendas sociais. Essa maneira de pensar perpassa diferentes manifestações ideológicas, e a metade inicial da obra, escrita pelo meu caro coautor Hiago Rebello, desdobra esse fato em maiores detalhes ao identificar aspectos dessa visão mesmo em autores liberais e conservadores, ainda que não fossem predominantes.

Nosso livro discute as premissas dessa cultura intelectual e as questiona, mas é prudente enfatizar que não é uma crítica ao progresso; ele apenas sustenta que um progresso efetivo só se pode fazer levando em consideração as elaborações e legados do passado, sendo a tradição um ingrediente indispensável para que a inovação seja possível. Não é uma declaração de guerra contra o progresso em si, mas contra a arrogância de destruir o passado para promovê-lo, o que, ao contrário do que parece à primeira vista, tende a ameaçá-lo. Na camada de acepção mais específica, o progressismo de que tratamos na maior parte do livro é uma atitude atrelada aos movimentos de esquerda contemporâneos, sendo um rótulo atribuído a uma determinada corrente ideológica dentro desse campo político.

Não fazemos no livro um histórico do uso da palavra, mas podemos traçar as origens desse emprego usual do vocábulo em um fenômeno norte-americano verificado entre o final do século XIX e o começo do século XX, quando diversas forças políticas passaram a apostar no aumento do Estado para combater disparidades e estruturas sociais identificadas como opressoras, ainda dentro da linha de pensamento político que se convencionou chamar de liberalismo social.

“A esquerda teve que se afastar do Marxismo mais ortodoxo e se adaptar ao que chamava de ‘democracia burguesa’ para não desaparecer”

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A partir dos anos 60, com a emergência da Nova Esquerda e das manifestações da “contracultura”, o conceito foi identificado com esse novo fenômeno e suas consequências identitárias e fragmentadoras, ganhando força em virtude do colapso do chamado “socialismo real” marxista-leninista. A esquerda, de forma geral, teve que se afastar do Marxismo mais ortodoxo e se adaptar ao que chamava de “democracia burguesa” para não desaparecer. Com isso, a aposta em demandas não exclusivamente economicistas conquistou protagonismo.

- Um dos apelos emocionais dos progressistas, sobretudo junto aos jovens, decorre de eles se autointitularem portadores do monopólio da preocupação com a justiça social, como se os conservadores fossem indiferentes à desigualdade. Isso tem fundamento?

LUCAS: Não tem fundamento a ideia de que conservadores e liberais desprezam os dramas sociais. Toda corrente política tem por objetivo, por mais malsucedida que seja nesse intento, propor um entendimento da organização social e da vida em sociedade que seja o mais interessante para as pessoas em geral. No entanto, pessoalmente, entendo que o conceito de “justiça social” é um dos mais discutíveis; como autores como Hayek e Ubiratan Borges de Macedo bem demonstram, faz mais sentido falar em “justiça” quando se tem como atribuir responsabilidades e definir ações como “justas” ou “injustas”, e isso só pode ser feito com relação a indivíduos, não à “sociedade” como abstração.

Quanto à desigualdade, reconheço que ela é um problema quando existe um abismo entre estratos sociais muito miseráveis e outros muito abastados, mas a desigualdade, como um princípio, não é o mal a ser combatido, e sim a miséria. Conservadores e liberais entendem que a diferença entre as pessoas é essencialmente natural e não um problema a ser corrigido. Aliás, as esquerdas costumam atacá-los em nome da diversidade, quando, na verdade, são eles os maiores defensores desse valor. O diverso só é respeitado pela militância identitária dentro dos limites da aceitação acrítica de suas gritarias e seus escândalos.

- Explique o conceito de “progressismo ético”, que você e Hiago adotam no livro “Escravos do amanhã”.

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LUCAS: Optei por utilizar essa expressão na minha metade do livro para enfatizar essa ideia de que, ao nos opormos ao movimento social e político que tratamos por “progressismo”, não queremos dizer que nos opomos ao progresso. Com efeito, em minha opinião, se, ao contrário, empregássemos a palavra “progressista” em referência a personagens promotores de um progresso digno do nome, o verdadeiro progressista seria aquele que demonstrasse respeito pelo passado, não o destruidor implacável e pedante.

A expressão distintiva me ocorreu porque esse tipo de esquerda chega ao ponto de negar todos os valores, todos os padrões, todos os referenciais de civilização que embasaram os diversos sistemas éticos e morais da humanidade; contestam tudo só pelo prazer de contestar. No entanto, eles abrem uma exceção ao tempo, do qual se consideram os únicos representantes. É como se dissessem: “Não existe bem, não existe mal, não existem certo e errado, não há verdades objetivas, a modernidade está esgotada etc, mas existe uma norma para nos guiar: os nossos apetites, clamores hedonistas e desregramentos. Nossas vontades e autoimagens, o que nós desejamos são a lei e as diretrizes do pensamento mais avançado. São o futuro. Os que rejeitam o que bradamos são os reacionários fascistas do passado que devem ser esmagados”.

“Não há identidade absoluta entre empresários. Grandes empresários, desejosos de evitar a concorrência, agem em prol de um Estado avantajado”

A única baliza ética que eles empregam, portanto, é a sua própria concepção, fragmentada e ressentida, do que seja o progresso e do que seja o melhor. Eles não têm um modelo claro de referência. Muitos falam em “direitos humanos”, mas torpedeiam os próprios referenciais liberais clássicos de discurso que embasaram essa noção. Na verdade, eles não têm nenhum sistema moral, nenhuma cosmovisão ética em que se apoiar efetivamente, a não ser a própria recusa em aceitar a realidade objetiva tal como ela é.

- Um aspecto que parece intrigante no progressismo de esquerda dos dias atuais é o apoio de metacapitalistas como George Soros, que financiam diversas ONGs com pautas identitárias, inclusive no Brasil. Qual é a sua explicação para essa estranha aliança entre a esquerda e os bilionários – inimigos de classe de outrora?

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LUCAS: Não gostaria de ser simplista e apresentar uma única explicação para a adoção de uma determinada opinião por pessoas diferentes. No entanto, podemos avançar em algumas possibilidades. Primeiro: não há identidade absoluta, por exemplo, entre empresários e liberalismo. Os grandes empresários, desejosos de evitar a concorrência, terminam por, em busca de regulamentações que sufoquem seus potenciais adversários, agir em prol de privilégios decorrentes de um modelo de Estado avantajado.

Nesse sentido, seus interesses são similares aos interesses dos progressistas, que também apostam no aumento do Estado e justificam teoricamente muitas das regulamentações que possam vir a ser implementadas. A engenharia social está atrelada ao aumento da intromissão estatal. Porém, além disso, há também autores que apontam a existência de um estúpido “complexo de culpa” de pessoas ricas por serem ricas, o que as leva psicologicamente a apoiarem essas agendas para se sentir melhor – como se gerar empregos e multiplicar bens que produzem retorno à sociedade não tivesse nenhum valor.

- Existe um progressismo de direita? Quais são suas características?

LUCAS: No sentido amplo, a mentalidade progressista pode aparecer em diferentes quadrantes do espectro político. Há quem aponte, por exemplo, elementos de “progressismo” em algumas alas da corrente norte-americana alcunhada de neoconservadora – formada, aliás, por muitos ex-esquerdistas – observando certa disposição de impor sistemas liberais-democráticos bem-acabados a nações autoritárias do Oriente Médio através da intervenção militar, o que muitos analistas identificam como a causa de complicações muitas vezes maiores do que o problema que se pretendia solucionar.

Contudo, no sentido específico, como fenômeno expressivo e movimento político organizado, o que chamamos de progressismo é hoje uma questão exclusiva da esquerda – ainda que seja sempre oportuno lembrar que “esquerda” e “direita” são rotulações relativas e que representam interpretações simplificadoras da realidade – muito mais complexa – do espectro político.

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- Há sinais de que a cultura do cancelamento, usada como ferramenta da esquerda para perseguir desafetos, está saindo do controle e se voltando contra a própria esquerda, como sugere o caso recente do cancelamento do sociólogo português de esquerda Boaventura de Sousa Santos. Como você analisa esse fenômeno e quais podem ser seus desdobramentos?

LUCAS: Sem entrar na discussão de um caso específico, diria que esse é um fenômeno que decorre das contradições do identitarismo, uma das facetas mais pronunciadas do “progressismo ético” contemporâneo, fazendo com que os próprios identitários se entredevorem – por exemplo, como acontece quando uma feminista questiona a pauta da inserção de transexuais no esporte feminino. Eles se agridem entre si, que dirá com outras correntes de esquerda mais tradicionais... Como se diz, as revoluções devoram os próprios filhos. A tendência, a meu ver, é que esse tensionamento apenas se apimente, gerando um ambiente mais irritadiço nas relações sociais. As demandas identitárias acabam sendo inconciliáveis tanto com a realidade quanto com outras demandas de seus próprios pares.

“A agenda identitária é insuportável, tamanhas as suas sandices. Mesmo muitos esquerdistas já não a toleram”

- Há, dentro da própria esquerda, uma facção que rejeita a agenda identitária e até mesmo a agenda verde, como deixaram claro recentes entrevistas de Aldo Rebelo e do ex-presidente do Equador Rafael Correa. Na sua opinião, esse conflito tende a crescer ou haverá uma acomodação?

LUCAS: Creio que tende a crescer. A agenda identitária é insuportável, como tentamos explicitar em nosso livro, tamanhas as suas sandices. Mesmo muitos esquerdistas já não a toleram. Existe algum nível de acomodação para combater um inimigo em comum, mas as rusgas transparecem posteriormente. Veja-se, por exemplo, o governo Lula. Lula não é um identitário. Essa não é a sua origem nem a sua formação. Ele sempre esteve no campo do discurso mais econômico, do sindicalismo, apesar de o PT, em suas origens, estar vinculado, por exemplo, à Teologia da Libertação. Ele teve que compor todo o “blocão” da esquerda contra Bolsonaro com os identitários e já se veem rusgas no governo por conta disso. Não poucas vezes Lula é questionado por não atender às demandas de “representatividade” que os identitários reivindicam, por exemplo, ao exigirem ministros ou secretários de determinado sexo ou cor de pele.

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- A esquerda progressista sequestrou a própria ideia de democracia, da qual julga deter o monopólio, em uma espécie de “democracia de um lado só”, com a criminalização da direita. De que forma o Brasil pode escapar dessa perversão da democracia?

LUCAS: Gostaria muito de saber a resposta exata a essa pergunta. A esquerda, no caso específico brasileiro, se favoreceu nesse sentido por ter se destacado como a antagonista simbólica do regime militar, associando toda a direita ao sistema autoritário. Apenas a partir da década de 2010, houve um fenômeno de fortalecimento de uma “direita” autoconsciente, que rompeu o consenso social-democrata da Nova República. Infelizmente, esse passado continua influenciando o imaginário, cultivado pela maioria dos profissionais de comunicação, educação e do campo artístico.

Só consigo pensar na atuação cultural de influenciadores, escritores e organizações, que, com todas as adversidades e deficiências, temos tentado fazer. Já existe uma grande quantidade de brasileiros capazes de perceber que, ao contrário do que alega, a esquerda progressista desfigura o sistema representativo, por exemplo, ao estabelecer cotas para mulheres em cadeiras parlamentares, o que é basicamente uma versão woke da bandeira da república sindicalista das esquerdas do passado, manifestando o mesmo desejo de tutelar as escolhas populares.

- Como você analisa as crescentes ameaças às liberdades individuais no Brasil, com a disseminação do ódio do bem e o apoio à censura – inclusive por parte de jornalistas?

LUCAS: É a autopercepção como seres iluminados e capazes de “fazer a História” que leva à disposição para a censura e o aniquilamento da divergência. Enxergo todo esse processo com extrema preocupação. Não deixo de reconhecer, como sustento em minha metade do livro, que existem populismos reacionários no mundo pretendendo responder a esse mal com remédios obtusos e perniciosos. Concentrar-se exclusivamente em combatê-los, porém, e cerrar os olhos para a origem do problema é arriscar-se a sucumbir no mais profundo dos abismos. A arrogância progressista leva ao sufocamento da liberdade de expressão. Que progresso é esse que se faz sem permitir que todos os setores da sociedade prestem livremente suas contribuições? Não há tema mais importante nem problema mais ameaçador na atualidade.

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