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Cubanos no exílio pedem cancelamento do filme “Wasp Network”, da Netflix
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Pau que dá em Chico também dá em Francisco. Exilados cubanos na Flórida lançaram na plataforma Change.org um abaixo-assinado pedindo a retirada imediata da Netflix do longa-metragem “Wasp Network – Rede de espiões”, classificado como uma peça de propaganda “repugnante e mentirosa” da ditadura cubana. No momento em que escrevo, a petição já conta com quase 20.000 assinaturas, conforme o link abaixo:

https://www.change.org/p/netflix-brasil-queremos-que-netflix-elimine-de-su-cartelera-la-pel%C3%ADcula-la-red-avispa-por-da%C3%B1os-y-perj?use_react=false

A questão é: quem apoiou o cancelamento de “...E o vento levou” não vai poder reclamar, certo? Se a CENSURA a uma obra artística em função da mobilização de ativistas é considerada legítima quando é promovida por determinado grupo, também deve ser legítima quando é promovida por outro. Ou não?

É este o problema de se impor no grito a vontade de uma parcela da população: abre-se o precedente para que todos façam o mesmo. Aqueles que defendem a escalada de insanidade que levou ao cancelamento de livros e filmes clássicos e à vandalização de estátuas de personagens históricos deveriam pensar nisso: se hoje eles perseguem, amanhã a perseguição pode se voltar contra eles.

O filme “Wasp Network” – “Rede Vespa”, em tradução literal – conta de forma enviesada uma história real: em meados dos anos 90 os serviços de inteligência cubanos infiltraram espiões em organizações humanitárias da Flórida que se dedicavam a resgatar do mar fugitivos da ditadura, os balseros, e a lutar pela redemocratização da ilha.

Uma dessas organizações era a Hermanos al Rescate, fundada em 1991 em Miami por um grupo de pilotos cubanos exilados. Como consequência direta da ação de cinco espiões da Rede Vespa (“Red Avispa”), em fevereiro de 1996 dois aviões civis foram abatidos por um míssil da força aérea cubana, provocando a morte de quatro jovens pilotos.

Dirigido por Olivier Assayas, o filme trata esses cinco espiões como heróis e tenta desqualificar a Hermanos al Rescate e outras organizações humanitárias, acusando-as de traficar drogas e promover atos terroristas. Essa acusação parece ser feita para justificar um ato de terrorismo de Estado, já que foram abatidos aviões civis, voando sobre águas internacionais (embora a ditadura alegue que eles invadiram o espaço aéreo cubano). O incidente foi condenado na época pela União Europeia e até pelo Conselho de Segurança da ONU.

Assista abaixo ao trailer de “Wasp Network – Rede de espiões”:

Com locações em Havana e Miami, “Wasp Network” é uma adaptação do livro “Os últimos soldados da Guerra fria”, do jornalista brasileiro Fernando Morais. Os protagonistas são os cinco agentes secretos cubanos, que acabaram sendo condenados e presos nos Estados Unidos: Antonio Guerrero, René González, Ramón Labañino, Gerardo Hernández y Fernando González.

Cabe observar que o elenco é muito bom, destacando-se Penélope Cruz, Edgar Ramírez e a bela Ana de Armas. Já Wagner Moura (mal escalado no papel de um galã irresistível, vamos combinar) e Gael Garcia Bernal (que está envelhecendo mal) têm interpretações mais opacas. Por sua vez, Assayas tem no seu currículo a ótima série “Carlos”, sobre o terrorista venezuelano Ilich Ramirez Sanchez, aka “Chacal”. Mas em “Wasp Network” ele errou a mão: o roteiro é confuso, cheio de idas e vindas que deixam a trama desamarrada, e o filme tem sérios problemas de ritmo – como aliás apontou a crítica internacional, quando o filme foi exibido nos festivais de Veneza e Nova York, entre outros.

Foi no Festival de Nova York que pela primeira vez exilados cubanos protestaram duramente contra o filme, sobretudo pela associação irresponsável que Assayas faz entre as entidades de apoio a refugiados cubanos com terrorismo e  tráfico de drogas – associação classificada como “uma infâmia” e um “insulto a verdade”. Outro problema apontado é que a produção do longa-metragem não procurou nenhum dos exilados cubanos retratados de forma ofensiva no filme, muitos deles ainda vivos.

Ou seja, trata-se claramente de um filme com uma agenda ideológica, ainda que o diretor francês, quando pressionado, tenha declarado, de forma constrangida e não muito convincente, ser a favor da redemocratização em Cuba. Na ocasião, chegou a viralizar nas redes sociais um vídeo gravado pela jornalista cubana Liu Santiesteban, que confrontou o cineasta e lhe entregou fotografias dos quatro jovens pilotos assassinatos por um míssil cubano:

Liu, que foi em seguida retirada da entrevista coletiva, resumiu assim a questão: “Os espiões da Red Avispa não eram heróis combatendo terroristas, eram terroristas combatendo heróis. (...) Hermanos al Rescate não era uma organização terrorista, era uma organização de defesa dos direitos humanos, que salvou milhares de cubanos no mar.”

A Red Avispa foi desbaratada em setembro de 1998, com a prisão dos cinco espiões. Em 2001, Hernández, Labañino, Fernando e René González e Guerrero foram julgados e condenados a longas penas de prisão. Dois cumpriram suas sentenças e regressaram a Cuba, e os outros três receberam um indulto em 2014, como parte de um acordo de troca de prisioneiros entre o presidente Barack Obama e Raúl Castro, no processo de restabelecimento de relações diplomáticas entre Estados unidos e Cuba.

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