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“Fake Brazil” explica a luta contra o fascismo imaginário
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Ler “Fake Brazil – A epidemia de falsas verdades” dá ao mesmo tempo raiva e esperança. Dá raiva porque o novo livro do jornalista Guilherme Fiúza faz um inventário doloroso do festival de mentiras, má-fé, hipocrisia, cinismo e falsidade que assola a sociedade brasileira e impede que o país decole: a recapitulação de alguns episódios de nossa História recente é de embrulhar os estômagos mais sensíveis.

Mas também dá esperança, porque todo leitor com um mínimo de honestidade intelectual e amor pelo Brasil sentirá que não está sozinho: por mais que a grande mídia, os ministros do STF, os professores da escola com partido, os checadores de fatos e os intelectuais e artistas se esforcem para impor como hegemônica sua estranha visão da realidade – e eles se esforçam bastante – ainda há quem ouse chamar as coisas pelo nome e mostrar como elas são.

Como revelam os trechos selecionados abaixo, Fiúza faz uma análise arrasadora das nossas principais mazelas. Merecem destaque especial a “censura em pele de corregedoria democrática”, a asfixia moralista que vem tomando conta da cultura nacional, a “bolha politicamente correta” que patrulha todo mundo para “vender virtude a R$ 1,99”, a indignação seletiva dos comentaristas políticos (“O cego de caráter só enxerga o que quer”), o espírito-de-porco travestido de bom-mocismo daqueles que, ainda inconformados com o resultado das urnas, preferem ver o país destruído a vê-lo dar certo com outro campo político no poder.

Porque, no fundo, é disso que se trata: para defender a democracia do fascismo imaginário e retornar ao poder vale mentir, censurar, perseguir, inventar e desinventar normas conforme os personagens envolvidos ou os interesses da ocasião. Tudo isso com aquela máscara de superioridade moral de quem sabe que está do “lado certo” – e que estar do lado certo justifica tudo.

No mundo paralelo em que essas pessoas vivem, o novo esporte nacional é sabotar a recuperação econômica e a agenda de reconstrução do Brasil, a pretexto de defender a democracia. Que se danem os brasileiros comuns, que são os mais prejudicados pela sabotagem: o mercado da luta contra o fascismo de mentirinha, demonstra Fiúza, se tornou extremamente lucrativo para os progressistas de laboratório.

Quantas vezes você já leu ou ouviu que Bolsonaro representa uma ameaça à democracia? Pois é. A narrativa está armada desde a campanha de 2018, e que ela seja desmentida diariamente pela realidade é apenas um detalhe, que não merece a atenção dos praticantes do “ódio do bem”: “Numa nação infantilizada, fazer cara de nojo para governo é sucesso garantido” – ou investimento.

Segundo Fiúza, a indústria da patrulha humanitária se baseia no teorema: “Você é uma pessoa péssima e altamente preconceituosa até prova em contrário – e antes que você prove já terá um gladiador politicamente correto enfiando o dedo na sua cara e te expondo na internet”. O mais triste é que a maioria cede à patrulha, aceitando, para não se aborrecer, pagar pedágio para as milícias da revolução fake que colocou na moda a censura democrática. (Mas o preço da passividade silenciosa pode ser alto – e será cobrado lá na frente).

Há quem sabote por maldade, ressentimento ou motivação ideológica; outros o fazem pela necessidade psicológica de justificar o próprio fracasso: na falta de coisa melhor para fazer, apontar o dedo para os outros se torna assim uma razão de viver. Nunca antes na História desse país a covardia foi tão exaltada como virtude. Como pergunta o autor: “Será que chegou o tempo em que o maior fetiche é pular numa trincheira imaginária e guerrear contra o inimigo que você ama odiar? Valendo inventar e projetar nele as maldades que você adoraria que ele cometesse?”

Abadá moral

“A formação de uma espécie de igreja progressista dos últimos dias – na verdade uma pantomima politicamente correta de alto teor lucrativo – foi tragando boa parte da sociedade virtuosa nos últimos anos. O truque é simples e irresistível: você adquire o kit-bondade (1,99) mediante a repetição dos clichês certos e ganha o salvo-conduto – uma espécie de abadá moral – para entrar no cercadinho VIP contra os fascistas. Aí você pode cair na folia da demagogia humanitária como se não houvesse amanhã, que ninguém vai te incomodar”.

Almas penadas

“Bolsonaro, Bolsonaros e bolsonarismos vão passar, mas a praga do antibolsonarismo masturbatório não tem cura. Todas essas almas penadas que encontraram sua razão de viver brandindo suas arminhas pou-pou-pou contra os seus próprios fetiches fascistóides ficarão penando para sempre – boiando na sua piscina seca de virtudes virtuais. Vocês são a apoteose do autoengano. Governos são ruins (...). Mas pior do que os governos são os governados que os usam para explicar seus próprios fracassos”.

Tela dividida

“A pandemia inaugurou esse fenômeno típico: no que aparece na sua frente uma tela dividida com aquele monte de janelinhas, cada uma delas ocupada por uma cabecinha educada, ética, empática, simpática, solidária, civilizada, perfumada (não dá pra sentir o cheiro, mas tá quase), consciente, antifascista, quarentenada e culta, com cara de quem está no lugar certo, protegido pela ciência, e pronto para repreender os ignorantes do mundo lá fora – enfim, quando você está diante de uma cena como essa, você já sabe que vem merda”.

Humanismo de butique

“O progressista de laboratório é, na verdade, um reacionário. Ele não quer ajudar ninguém. Quer só colar um adesivo virtuoso na testa. É um calculista, um egoísta, um avarento. Graças a eles, hoje o número de patrulheiros contra a discriminação sexual é provavelmente um milhão de vezes maior do que o número de pessoas que cometem discriminação sexual. O humanista de butique precisa do preconceito. É seu oxigênio vital. (...) Não é para ajudar ninguém. É para apontar o dedo para os outros. Onde não houver preconceito, eles inventam”.

Pedagogia pirata

“Qualquer leitor deste livro terá mais de um caso para contar – envolvendo estudantes jovens, adolescentes e até crianças, no ensino público ou privado, na capital ou no interior – sobre a transformação da sala de aula em palanque. (...) São anos de pedagogia pirata cabeça adentro da garotada: os picaretas do MST são heróis da moderna revolução camponesa, o Plano Real corresponde ao neoliberalismo que oprimiu os pobres, Lula matou a fome do povo porque já passou por isso na vida, os sindicatos parasitários são a salvação do trabalhador. (...) Privatizar é roubar a população, e quem realmente roubou a população aparece lindo na fotografia da resistência democrática contra a ditadura militar”.

Ministros de oposição

“Sergio Moro estava fazendo política contra Bolsonaro (o chefe do governo a quem ele servia), com a mesmíssima sutileza de elefante adotada por Mandetta para se contrapor à postura do presidente contrária ao lockdown. Moro e Mandetta, os estrategistas da política, inauguraram a figura do ministro de oposição”.

Janot-Joesley

“Desde que Dilma sofreu impeachment, a quadrilha que enriqueceu nos 13 anos de DisneyLula tenta sabotar a reconstrução das instituições para retomar as rédeas. A tentativa de virada de mesa na famosa conspiração Janot-Joesley de 2017, que acabaria com o criminoso anistiado num doce exílio em Nova York, fracassou por pouco. (...) Essa conspiração custou ao Brasil o adiamento da reforma da Previdência, entre outras medidas urgentes que estavam em andamento após a ruína deixada pelo PT”.

Democratas de festim

“A tragédia das ciências humanas no país já se deu com o sequestro do conhecimento pela panfletagem – e a transformação criminosa de salas de aula em assembleia do PSOL e do PT. Obscurantismo é isso – e o longo silêncio de vocês, bravos democratas de festim, diante desse massacre cultural é obsceno”.

O inimigo

“O inimigo é o governo federal. Todos os parasitas, donos de feudos, chefes de paróquias, despachantes de clubes de ricos e aspirantes à bolsa-ditadura chinesa entraram em polvorosa. A agenda de reconstrução do país representa para eles o apocalipse. Toda reforma que ameaça fazer a riqueza da sociedade voltar para a própria sociedade, sem o pedágio obsceno para as capitanias hereditárias, é muito perigosa”.

Fake Brazil – A epidemia de falsas verdades, de Guilherme Fiúza. Editora Avis Rara, 240 págs. R$ 44,90

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