| Foto: Reprodução Instagram
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Há exatamente 1 ano, no início de abril de 2022, o brasileiro Victor Muller Ferreira embarcou em um voo para Amsterdã, onde começaria a trabalhar como estagiário no Tribunal Penal Internacional, em Haia.

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Vale lembrar que o Tribunal de Haia, do qual a Rússia não faz parte, passou a receber, desde o início da guerra da Ucrânia, inúmeras denúncias ao governo de Vladimir Putin por crimes de guerra – e emitiu recentemente um mandado de prisão contra o presidente russo.

Mal desembarcou na capital holandesa, Victor foi barrado na imigração, desmascarado e preso. Ele não se chamava Victor nem era brasileiro: na verdade é russo e se chama Sergey Cherkasov. Acusado de uso de documentos falsos e espionagem e devolvido ao Brasil, ele foi preso na carceragem da Polícia Federal em São Paulo, onde se encontra até hoje.

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Nos primeiros interrogatórios, Cherkasov insistiu ser Victor Ferreira, filho de português com brasileira, criado por uma tia na Argentina. Somente depois de dois meses preso – e após receber a visita de um diplomata russo – ele confessou a fraude e a tentativa de infiltração no Tribunal de Haia, demonstrando interesse em ser extraditado para a Rússia. No material apreendido, a polícia encontrou uma carta contendo a biografia fictícia do personagem Victor.

Em junho do ano passado, Cherkasov já foi condenado a 15 anos de prisão por uso de documentos falsos. No mês seguinte, a embaixada russa protocolou um pedido de extradição, alegando que ele corria risco de vida no Brasil.

Muitas questões permanecem sem resposta. O caso, que tramita sob sigilo de justiça, já foi parar no Supremo: o ministro Edson Fachin validou o pedido de extradição, mas condicionou o andamento do processo à conclusão do inquérito sobre espionagem.

O caso Cherkasov apresenta um desafio diplomático de difícil solução para o atual governo brasileiro

A situação se complicou na semana passada, quando o FBI atribuiu a Cherkasov pelo menos sete crimes cometidos nos Estados Unidos, incluindo fraude bancária, corrupção e lavagem de dinheiro, além de espionagem. Quando morava em Washington, ele teria enviado relatórios ao serviço de inteligência militar da Rússia.

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Indiciado no Brasil e nos Estados Unidos e também acusado de integrar uma organização criminosa ligada ao tráfico de drogas na Rússia, Cherkasov não é um espião amador. De 2015 a 2018, já com a falsa identidade brasileira, ele estudou Ciência Política no conceituado Trinity College, na Irlanda.

Em seguida, fez mestrado em Relações Internacionais na universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, antes de se radicar em São Paulo. No Brasil, segundo já foi publicado, arrumou uma namorada, fez aulas de forró e sertanejo universitário, subornou um tabelião e comprou um apartamento, contando com uma rede de apoio com a qual se comunicava em código e que depositava regularmente altas quantias na sua conta bancária.

O cientista político Andrew Korybko dedicou um artigo ao tema na semana passada: “Will Lula Deport A Suspected Spy Back To Russia Or Extradite Him To The US To Face Charges?” ("Lula vai deportar um suposto espião de volta para a Rússia ou extraditá-lo para os EUA para enfrentar acusações?").

Em uma análise bastante detalhada, Korybko demonstra que o caso Cherkasov apresenta um desafio diplomático de difícil solução para o atual governo brasileiro.

Ao longo do ano passado, o episódio foi tratado com a máxima discrição, supostamente para evitar qualquer conflito com a Rússia, parceira estratégica do governo passado na área de fertilizantes para o agronegócio.

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Agora que o assunto veio à tona e está atraindo holofotes nacionais e internacionais, caberá ao atual presidente do Brasil decidir se extradita Cherkasov para a Rússia, desagradando à Casa Branca, ou se eventualmente despacha o espião para os Estados Unidos, o que desagradará ao Kremlin.