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O vídeo abaixo não é novo: é o registro de uma palestra que o ator britânico Rowan Atkinson fez em 2019. Mas o que ele diz é ainda mais atual e necessário hoje do que era quatro anos atrás.

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Conhecido por interpretar o personagem cômico Mr. Bean, Atkinson faz uma defesa apaixonada e clara da liberdade de expressão, desmascarando quem são os verdadeiros intolerantes nos tempos estranhos em que vivemos.

O ator voltaria ao tema em diversas ocasiões. Em uma entrevista radiofônica de janeiro de 2021, por exemplo, ele comparou a cultura do cancelamento a uma versão atualizada das fogueiras da Inquisição da Idade Média:

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“É importante que estejamos expostos a uma ampla variedade de opiniões, mas o que temos agora é o equivalente digital da multidão medieval vagando pelas ruas em busca de alguém para queimar. É assustador para quem é vítima, e isso me enche de medo sobre o futuro”.

Em outra entrevista, esta de junho do ano passado, Atkinson foi além: defendeu a tese de que, em uma sociedade livre, rigorosamente tudo deve poder ser alvo de piadas – e que, inevitavelmente, o verdadeiro humor sempre ofenderá alguém:

“O propósito da comédia é ofender, ou ter o potencial para ofender. Não podemos lhe tirar esse potencial. Todas as piadas têm uma vítima. É esta a definição de piada: alguém, alguma coisa ou ideia que se faz parecer ridícula”.

Pois bem, acabo de ler que ontem o humorista Bismark Fugazza, do Canal Hipócritas, ganhou liberdade provisória depois de passar 90 dias preso por suposto envolvimento nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Escrevi “suposto” porque, conforme noticiou esta própria Gazeta do Povo:

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"O relatório final da Polícia Federal sobre o caso apontou, em 12 de maio, que ‘não foi possível evidenciar, de maneira minimamente razoável, que Bismark tenha praticado ou promovido a prática dos atos atentatórios às instituições democráticas ocorridos no dia 08/01/2023".

Ora, se a Polícia Federal afirmou não ter encontrado indícios minimamente razoáveis de que o humorista cometeu algum crime, por que o deixaram mofando 90 dias em um presídio – em um país no qual tantos criminosos reais estão em liberdade? Difícil entender. A cartada da defesa da democracia é suficiente para manter um pai de família em um presídio por três meses? É assim que funciona?

A cartada da defesa da democracia é suficiente para manter um pai de família preso por três meses? É assim que funciona?

Sim, Mr. Bean tem muito a nos ensinar. Destaco, em tradução livre, alguns trechos da palestra citada – que deveria ser assistida com atenção não apenas por todos os estudantes (e professores) das escolas e universidades públicas e privadas, mas também por todos os jornalistas da grande mídia lacradora e por todos os integrantes do Poder Judiciário – em suma, por todas as pessoas que, ainda que com boas intenções (mas sabemos que as intenções nem sempre são boas), relativizam a importância da liberdade de expressão.

“Meu ponto de partida (...) é minha crença apaixonada de que a segunda coisa mais preciosa da vida é o direito de se expressar livremente. Acho que a primeira coisa mais preciosa é a comida em sua boca e a terceira mais preciosa é um teto sobre sua cabeça, mas coloco a liberdade de expressão logo abaixo da necessidade de preservar a própria vida. Isso porque desfrutei da liberdade de expressão neste país durante toda a minha vida profissional e espero continuar a fazê-lo.

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"Pessoalmente, é altamente improvável que eu seja preso por quaisquer leis que limitem a liberdade de expressão, devido à posição indubitavelmente privilegiada que é concedida àqueles de perfil público. Portanto, minha preocupação é menos comigo e mais com os mais vulneráveis, de perfil comum. Como o homem preso em Oxford por chamar de gay um cavalo da polícia. Ou o adolescente preso por chamar a Cientologia de seita. Ou o dono de um café preso por exibir passagens da Bíblia na tela da TV.

“(...) Li em algum lugar um defensor do status quo alegando que o fato de o caso do cavalo gay ter sido arquivado e que o caso da Cientologia também era prova de que a lei festá uncionando bem, ignorando o fato de que a única razão pela qual esses casos foram arquivados foi a publicidade que atraíram. A polícia sentiu que estava próxima do ridículo e retirou as acusações.

“Mas e os milhares de outros casos que não gozaram do oxigênio da publicidade, que não foram ridículos o suficiente para atrair a atenção da mídia? (...) Pessoas foram presas, interrogadas e levadas a tribunal antes de serem libertadas. Isso não é uma lei funcionando corretamente: isso é censura do tipo mais intimidador, destinado a provocar um 'efeito inibidor' na liberdade de expressão e de protesto.

“(...) O problema claro com a proibição do insulto é que muitas coisas podem ser interpretadas como tal. A crítica é facilmente interpretada como um insulto por certas partes. O ridículo é facilmente interpretado como um insulto. Sarcasmo, comparação desfavorável, a mera afirmação de um ponto de vista alternativo à ortodoxia podem ser interpretados como insulto. E, porque tantas coisas podem ser interpretadas como insulto, não é surpreendente que tantas coisas tenham sido.

“(...) Criou-se uma sociedade de natureza extraordinariamente autoritária e controladora. É o que se pode chamar de 'A Nova Intolerância', um desejo novo, mas intenso, de amordaçar vozes desconfortáveis ​​de dissidência. 'Não sou intolerante', dizem muitas pessoas de fala mansa, altamente educadas e de mente progressista: ‘Sou apenas intolerante com a intolerância’.

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"E as pessoas tendem a concordar e dizer 'Oh, palavras sábias, palavras sábias!'. Mas, se você pensar por mais de cinco segundos sobre essa afirmação supostamente indiscutível, perceberá que tudo que ela defende é a substituição de um tipo de intolerância por outro. O que para mim não representa nenhum tipo de progresso.

O problema claro com a proibição do insulto é que muitas coisas podem ser interpretadas como tal. A crítica é facilmente interpretada como um insulto

“Preconceitos, injustiças ou ressentimentos não são combatidos por meio da prisão: eles são combatidos por questões que são ventiladas, discutidas e tratadas preferencialmente fora do processo legal. Para mim, a melhor maneira de aumentar a resistência da sociedade ao discurso insultante ou ofensivo é permitir muito mais. Tal como acontece com as doenças da infância, você pode resistir melhor aos germes aos quais foi exposto.

"Precisamos construir nossa imunidade contra a ofensa, para que possamos lidar com as questões que críticas perfeitamente justificadas podem levantar. Nossa prioridade deve ser lidar com a mensagem, não com o mensageiro. Como disse o presidente Obama em um discurso nas Nações Unidas: ‘Esforços louváveis ​​para restringir o discurso podem se tornar uma ferramenta para silenciar os críticos ou oprimir as minorias. A arma mais forte contra o discurso de ódio não é a repressão, é mais discurso'.

“Essa é a essência da minha tese: mais discurso. Se queremos uma sociedade robusta, precisamos de um diálogo mais robusto, e isso deve incluir o direito de insultar ou ofender. (...) A liberdade de ser inofensivo não é liberdade alguma. (...)

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“[É preciso] lidar com o que Salman Rushdie chama de “indústria da indignação” – autonomeados árbitros do bem encorajando a indignação alimentada pela mídia, à qual a polícia se sente submetida, sofrendo uma pressão terrível para reagir. Um jornal liga para a Scotland Yard: “Alguém disse algo ligeiramente ofensivo no Twitter sobre alguém que consideramos um tesouro nacional. O que você vai fazer sobre isso?'

“E a polícia entra em pânico e começa a vasculhar, (...) porque eles podem prender qualquer um por dizer qualquer coisa que possa ser interpretada por qualquer outra pessoa como um insulto. Eles não precisam de uma vítima real, precisam apenas avaliar que alguém poderia ter se ofendido se tivesse ouvido ou lido o que foi dito.

“As tempestades que cercam os comentários do Twitter e do Facebook levantaram algumas questões fascinantes sobre a liberdade de expressão, sobre as quais ainda não chegamos a um acordo. Em primeiro lugar, todos nós temos que assumir a responsabilidade pelo que dizemos, o que é uma boa lição a aprender.

"Mas, em segundo lugar, aprendemos o quão terrivelmente espinhosa e intolerante a sociedade se tornou, mesmo com o mais leve comentário adverso.

“(...) A lei não deveria ser cúmplice dessa nova intolerância.”

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]