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Luciano Trigo

Luciano Trigo

A arte da guerra

Política não é perder de pé nem ganhar de quatro

A senadora Damares Alves deve presidir a Comissão de Direitos Humanos do Senado. (Foto: Saulo Cruz/Agência Senado)

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Apoiar ou não a candidatura dos novos presidentes da Câmara dos Deputados e, principalmente, do Senado foi uma questão hamletiana que rachou a oposição nas últimas semanas. O debate, infelizmente, foi conduzido de forma desnecessariamente emocionada, chegando à truculência em alguns momentos. Uma frase repetida à exaustão, com orgulho ou ironia a depender de quem falou, foi: “É melhor perder de pé do que ganhar de quatro”.

Mas o fato é que, deixando de lado a bravata, só havia duas alternativas: 1) não apoiar as candidaturas e ficar de mãos abanando pelos próximos dois anos; ou 2) apoiar as candidaturas e conquistar o direito de presidir importantes comissões permanentes.

Importante ressaltar: presidir comissões não significa fazer parte do governo, ao contrário: uma comissão presidida pela oposição pode representar um freio ao Executivo. Tanto é assim que, quando estava na oposição, o PT não hesitou em presidir comissões no Senado, que aliás deram muitas dores de cabeça a Bolsonaro.

Embora seja uma atitude justificável e até gratificante do ponto de vista moral, abrir mão desse poder, ainda que limitado, seria facilitar a vida do atual governo. Nesse cenário, não me parece que rejeitar o apoio seria perder de pé, nem que apoiar seria ganhar de quatro. Esta é uma forma bastante primária de se entender a política, que não pode ser tratada como uma disputa entre o bem e o mal. Muito menos no Brasil.

O estrategista militar chinês Sun Tzu já explicou isso mais de 1.500 anos atrás, em “A arte da guerra”. Aliás, uma das dicas de Sun Tzu em seu livro era dividir a oposição, incentivando brigas internas ou fomentando candidaturas múltiplas para fragmentar votos – justamente o que foi feito por parte da direita nesta eleição – por convicção, ingenuidade ou cálculo equivocado (caso das candidaturas independentes, na minha opinião).

Política não se faz com o fígado. Compreendo o desgosto provocado por algumas imagens. Mas, se a oposição preferir bater no peito e ostentar virtude a ocupar pragmaticamente as brechas de onde possa trabalhar de forma consequente, vai mesmo perder todas, de pé ou de quatro.

Vou me limitar ao caso do Senado, onde a composição das comissões já está praticamente decidida. O senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) já estava eleito: ele recebeu 73 votos, e só precisava de 41. A única consequência prática do eventual não-apoio do PL e do Republicanos à sua candidatura seria a exclusão total desses partidos das comissões.

Para só citar os dois exemplos mais importantes: o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) será o presidente da Comissão de Segurança Pública, enquanto a ex-ministra Damares Alves (Republicanos-DF) ficará à frente da Comissão de Direitos Humanos (ela entra no lugar do senador Paulo Paim, do PT).

Fato: o trabalho dessas comissões nos próximos anos terá consequências práticas na vida de toda a população. Sem o apoio do PL e do Republicanos a Alcolumbre, elas seriam presididas por senadores da base do governo, possivelmente o próprio PT. Seria melhor assim? Rejeitar o apoio equivale a responder que sim.

Presidir comissões não significa fazer parte do governo, ao contrário: uma comissão presidida pela oposição pode representar um freio ao Executivo

Isso porque as indicações para as presidências das Comissões seguem o critério da proporcionalidade: os partidos vitoriosos com maior bancada têm prioridade na escolha, o processo dos acordos partidários.

Por ter apoiado Alcolumbre, e por ser o partido com a segunda maior bancada no Senado, o PL terá o direito à 1ª vice-presidência da Mesa Diretora, além de três Comissões – Infraestrutura e Esportes, além da já citada Segurança Pública.

Flávio Bolsonaro já anunciou que vai priorizar os projetos que endureçam a legislação penal, em especial no tocante aos crimes violentos e ao combate ao crime organizado. Já anunciou também que pressionará o STF contra a "ADPF das Favelas", que desde a pandemia de Covid restringe operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, que hoje vive um cenário de terra arrasada na segurança pública.

O senador pode, ainda, favorecer pautas como: revisão das leis de autodefesa e uso de força, especialmente por policiais; ampliação do acesso de civis a armas; endurecimento da repressão a facções criminosas; fortalecimento das Polícias Militares; projetos relacionados à guerra às drogas; políticas de tolerância zero contra o crime.

Além de poder propor e pautar projetos de lei dessa natureza, o senador também poderá convocar autoridades para prestar esclarecimentos, realizar audiências públicas para debater temas relevantes e fiscalizar a implementação de políticas de segurança pelo Executivo. Ou seja, influenciará, de forma não desprezível, as diretrizes de segurança pública no país.

Na Comissão de Direitos Humanos, a senadora Damares Alves estará encarregada de analisar todos os projetos de lei e políticas públicas que envolvam temas sociais e direitos fundamentais dos cidadãos. Ela já sinalizou que pretende direcionar os trabalhos da comissão para o debate sobre os direitos da infância e a defesa dos idosos e outros grupos vulneráveis.

É claro que, no caso da infância, esse debate passará por questões relacionadas à ideologia de gênero e outros temas. Damares poderá travar ou, ao menos, desacelerar projetos que coloquem crianças e adolescentes em risco. Mas não apenas isso: também estão no radar da senadora projetos relacionados a direitos reprodutivos (aborto, em português claro), defesa da família, combate à doutrinação ideológica em sala de aula e apoio a penas mais severas para crimes sexuais. 

Por fim, o senador Marcos Rogério, que deve ser o presidente da Comissão de Infraestrutura, terá a responsabilidade de analisar todas as propostas legislativas relacionadas a transportes, obras públicas, segurança energética e serviços de telecomunicações – todas áreas essenciais para o desenvolvimento do país.

Alinhado com a agenda do governo anterior, o senador poderá priorizar projetos de privatização de empresas estatais de infraestrutura; desestatização do setor portuário e aeroportuário, para aumentar a competitividade e eficiência; flexibilização das regras ambientais para grandes obras estratégicas, como estradas e hidrelétricas, que hoje, em muitos casos, são travadas por regras draconianas de licenciamento ambiental. 

Também estão no radar expansão de concessões nos transportes, privatização da gestão do saneamento básico e recursos hídricos e ampliação de projetos de infraestrutura na Amazônia, com foco na construção, pavimentação ou duplicação de estradas, como a BR-319 e a BR-364, que hoje estão paralisadas, impedindo o desenvolvimento da região.

Talvez não seja muito, mas é melhor que nada. E nada é o que a oposição teria, caso não tivesse apoiado Alcolumbre para a presidência do Senado.

Conteúdo editado por: Aline Menezes

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