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Professor do Departamento de História da UEL – Universidade Estadual de Londrina, Gabriel Giannattasio acaba de lançar “O livro proibido – Totalitarismo, intolerância e pensamento único na Universidade” pela editora E.D.A. Em julho de 2020, o autor tomou posse como membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão do Ministério da Educação (MEC).

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“O livro proibido” reúne relatos de casos que demonstram a crescente intolerância e a consolidação de um pensamento hegemônico de esquerda no ambiente acadêmico, no que chama de “ditadura do pensamento único”: “Este livro trata de um testemunho documentado, uma radiografia, rara e inédita, do estado preocupante de nossas instituições de ensino”, afirma. “Ainda que o retrato seja majoritariamente local, estamos convencidos de que ele revelará um alarmante quadro das Universidades brasileiras”, afirma Gabriel.

Giannattasio cita como inspiração um ensaio do sociólogo francês Raymond Aron, publicado na França no calor dos acontecimentos de 1968, intitulado ‘A Revolução perdida: reflexões sobre os acontecimentos de maio’. No trecho abaixo, Aron já alertava para o risco de arruinarmos as universidades:

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“Uma das lições que eu tiro dos eventos é que as sociedades modernas são mais frágeis do que pensávamos. A Universidade, sobre a qual nós falaremos mais detalhadamente, é uma instituição particularmente frágil. E, eu insisto, se eu falei e escrevi com tanta paixão é porque estes jovens e muitos de meus colegas destroem uma instituição preciosa, pois eles atacam aquele que é seu fundamento moral. E não há outro fundamento moral da Universidade se não a tolerância recíproca entre os que ensinam e a disciplina consentida dos estudantes. Não há ensinamento, na acepção mais elevada do termo, se os estudantes utilizam a Universidade como espaço de agitação política.”

Nesta entrevista, dividida em duas partes, Giannattasio analisa as origens do pensamento único na universidade brasileira

- A que você atribui a hegemonia do pensamento de esquerda universidade brasileira? Quais são as origens desse fenômeno?

GABRIEL GIANNATTASIO: Pergunta nada fácil, ainda que de extrema relevância. Concordo com a tese que sustenta que desde os anos 1960 a esquerda, aquela que não adotou a luta armada, se empenhou no trabalho de ocupação de espaços nos centros de produção do conhecimento e nos órgãos de disseminação da informação. Tal tese é abertamente reconhecida por um dos mais brilhantes intelectuais de esquerda, Roberto Schwarz. Ele escreveu num de seus livros:

“Em 1964 instalou-se no Brasil o regime militar [...]. O povo, na ocasião, mobilizado mas sem armas e organização própria, assistiu passivamente à troca de governos. Em seguida sofreu as consequências: intervenção e terror nos sindicatos, terror na zona rural, rebaixamento geral de salários, expurgo especialmente nos escalões baixos das Forças Armadas, inquérito militar na Universidade [...]. Entretanto, para surpresa de todos, a presença cultural da esquerda não foi liquidada naquela data, e mais, de lá para cá não parou de crescer. A sua produção é de qualidade notável nalguns campos, e é dominante. Apesar da ditadura da direita há relativa hegemonia cultural da esquerda no país. Pode ser vista nas livrarias de São Paulo e Rio, cheias de marxismo, nas estreias teatrais, incrivelmente festivas e febris, às vezes ameaçadas de invasão policial, na movimentação estudantil ou nas proclamações do clero avançado. Em suma, nos santuários da cultura burguesa a esquerda dá o tom.”

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Esse texto, escrito pelo crítico literário marxista em fins de 1969 e início de 1970, é um testemunho inconteste de como, mesmo na fase mais terrível da ditadura militar brasileira – os chamados “anos de chumbo”, que cobrem o período de 1968 a 1974 – o domínio cultural da esquerda permaneceu intocável.

A produção intelectual nas Universidades brasileiras, em especial no campo das Humanidades, permaneceu como uma reserva de mercado das ideologias de esquerda, sem ter que se expor, efetivamente, ao contraditório. As forças que se opunham a esse domínio eram muito mais exteriores que interiores ao ambiente acadêmico.

Deste modo, o campo intelectual da esquerda foi se enraizando, não só nas universidades, mas na cultura de um modo geral: fomos submetidos a, no mínimo, 50 anos de hegemonia intelectual nos ambientes de produção do conhecimento. Agora, a pergunta para a qual ainda não tenho resposta é: o que aconteceu com o pensamento conservador brasileiro, em especial, nos ambientes acadêmicos?

Não é mais possível circunscrever o problema da hegemonia de uma esquerda identitária aos espaços acadêmicos. Hoje ele tomou conta dos mais amplos debates culturais, invadiu as corporações e os ambientes de trabalho, deixando de ser um problema educacional ou universitário

- Como professor de um Departamento de História, você já teve problemas por contestar essa hegemonia? Pode contar algum caso representativo?

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GIANNATTASIO: Sim! Inúmeros problemas. De certo modo o livro que estamos lançando agora ‘O livro proibido, totalitarismo, intolerância e pensamento único na Universidade’ é o registro documentado desses problemas.

Confesso que toda a situação que vivi me parecia um teatro do absurdo. Perguntava-me, diariamente, mas, afinal, meus ‘colegas’ professores de História, Filosofia, Ciências Sociais e Letras, não se dão conta do quão desarrazoados estão sendo? A situação toda era como se eu estivesse diante do fato ‘grama verde’ e meus colegas dissessem, ‘isto nem é grama’, ‘muito menos verde’.

Somente depois de ler dois ensaios, o primeiro chamado ‘A moral deles e a nossa’, escrito pelo dissidente Leon Trotsky e publicado em 1938 e o segundo intitulado ‘Tolerância repressiva’ de Herbert Marcuse, um dos gurus da contracultura, publicado em 1968, é que comecei a perceber o funcionamento daquela engrenagem diabólica. ‘O livro proibido’ é composto por quatro capítulos, os três últimos narram inúmeros episódios que tivemos de enfrentar e o texto de apresentação da obra explica este mecanismo perverso da mente de um esquerdista contracultural. Mas prefiro não dar maiores spoilers e deixar que o leitor faça seu trabalho.

- Você percebe que há diferença entre as universidades púbicas e privadas? E entre as áreas de Humanas e as demais (Biomédicas e Exatas)? Ou a ditadura do pensamento único é hoje um fenômeno universal na academia?

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GIANNATTASIO: Estes ambientes possuem muitas gradações. Mas, antes, é preciso que se diga que não é mais possível circunscrever o tema e o problema da hegemonia de uma esquerda identitária aos espaços acadêmicos. Hoje ele tomou conta dos mais amplos debates culturais, invadiu as corporações, os ambientes de trabalho, deixando de ser um problema educacional ou universitário.

Agora, se nos concentramos nas instituições de ensino superior o problema é mais grave nas universidades públicas, mas não deixa de estar presente em instituições privadas como, por exemplo, nas PUCs. Diga-se, de passagem, que o primeiro livro documentado de que temos notícia e que trouxe a público um episódio de intolerância intelectual, foi lançado em 1979, sob a responsabilidade do filósofo e historiador das ideias Antonio Paim e tratava da censura promovida pela PUC-RJ ao pensamento do grande jurista Miguel Reale.

Aqui é importante chamar a atenção do leitor deste jornal e destacar um trecho da citação de Roberto Schwarz que abriu esta entrevista: a hegemonia da esquerda marxista no país pode ser vista ‘nas proclamações do clero avançado’. Note, essa declaração é de 1970. O que significa dizer que as instituições de ensino superior católicas são mais sensíveis a esta dominação, e certamente isto se intensificou com o nascimento da Teologia da Libertação no final da década de 60.

É preciso que se diga, ainda, que mesmo no interior de uma universidade pública o problema da hegemonia não a afeta de modo uniforme. Os cursos voltados às Humanidades são mais permeáveis ao debate ideológico que os cursos de Exatas. Já os cursos das áreas biológicas, medicina, biologia e mesmo ciências da terra, também passaram a ser palco destes enfrentamentos.

O agronegócio – vejam a polêmica aberta pelo veganismo, agricultura sustentável, sociedades de proteção animal, boicote ao consumo da carne, desmatamento e políticas ambientais – toda esta agenda contamina muitas áreas, para além das Humanidades. A Medicina e a Biologia estão enfrentando, possivelmente, a sua mais grave crise na exata medida em que suas áreas foram colonizadas ideologicamente. É possível que só as ciências mais duras, em especial a Matemática e a Física, sejam mais resistentes a esta contaminação, mas não estão a salvo, basta lembrar os cursos de pós-graduação em matemática de matriz africana ou etnomatemática.

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- Essa situação piorou com o fenômeno do aumento das agendas identitárias e da cultura do cancelamento?

GIANNATTASIO: O identitarismo, e aqui friso a diferença entre identidade e identitarismo, é a mais nova versão do fascismo histórico. Me explico. No século 19, Karl Marx anunciou que as sociedades capitalistas estavam divididas em duas grandes classes, a burguesia e o proletariado. Estas duas classes, atenção nisto, tinham interesses antagônicos e irreconciliáveis, ou seja, não haveria acordo possível entre elas.

O que os herdeiros do marxismo, no século 20, fizeram com esta formula? Viraram-na de ponta cabeça, dito de outro modo, culturalizaram a guerra em uma miríade de tribos em luta. O auge deste processo foi a contracultura dos anos 60: aquela guerra de classes se tornou a guerra de brancos contra negros, guerra de homens contra mulheres, guerra de heterossexuais contra homossexuais e assim por diante.

Aquilo que era identidade de classe, uma identidade fundada no lugar econômico que o sujeito ocupava na sociedade, passou a ser categoria identificadora dos grupos culturais. Do mesmo modo que um burguês jamais poderia ser um proletário e vice versa, um branco jamais poderá sentir o que é ser negro, e por aí vai. Cada um tem o seu lugar de fala.

A tendência dessa dinâmica é o desdobramento do identitarismo em novas tribos, fenômeno cujo modelo exemplar e didático é o movimento LGBT, que agora já se tornou quase metade de nosso alfabeto e mais. Cada nova tribo que surge necessita de uma inimiga para guerrear e cancelar.

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Esta via nos conduz para um beco sem saída. A insanidade deste processo, e a infinidade de exemplos cotidianos estão aí para testemunhar, chegou a tal ponto que muitos intelectuais de esquerda estão se posicionando crítica e publicamente. O caso mais recente é o do antropólogo e escritor Antonio Risério que, por sinal, escreveu um livro brilhante sobre o tema, intitulado ‘Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária’.

(Continua amanhã)