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As fabulosas diárias e passagens da Apex no governo Bolsonaro. Teve voo de R$ 36 mil
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Em missões à China, Emirados Árabes, Catar e Arábia Saudita, em outubro de 2019, o presidente da Agência de Promoção de Exportações (Apex), Sérgio Segovia, liderou uma equipe de 20 funcionários em missão empresarial, em conjunto com missão presidencial, e visitas a feiras e exposições. Recebeu 18 diárias no valor total de 5,4 mil euros (R$ 25 mil). As diárias de toda a comitiva custaram 40 mil euros. A despesa total das viagem à China e Oriente Médio, incluindo passagens e diárias num período de 18 dias, chegou a R$ 450 mil. Mas já houve despesas individuais maiores. O então diretor de Gestão Corporativa, Márcio Coimbra, pagou R$ 37 mil por uma passagem para Washington e Miami no início de 2019.

Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, que nomeia o presidente da Apex, a agência gastou R$ 2,9 milhões com passagens e R$ 2 milhões com diárias em viagens internacionais, numa despesa total de quase R$ 5 milhões. Para quem trabalha com promoção de exportações, viagens internacionais são necessárias. Mas houve exageros principalmente na compra de passagens. E alguma fartura de diárias.

Na viagem a Dubai, em março de 2019, por exemplo, Márcio Coimbra recebeu diárias no valor de 4,2 mil euros. Em quatro  meses no cargo, em 2019, ele gastou R$ 240 mil entre passagens e diárias. O diretor também esteve em Tóquio, Dubai, Doha, Jerusalém e Tel Aviv – as duas numa mesma viagem. Nos registros da Apex, aparecem duas passagens para Coimbra no dia 28 de abril, uma no valor de R$ 27 mil e outra de R$ 37 mil.

O ex-diretor afirmou ao blog que essa viagem atendeu “várias agendas juntas” (Atlantic Council, em Washingotn; e Anima Seg, em Moscou). O Atlantic Council é um fórum para líderes políticos, empresariais e intelectuais internacionais, com programas relacionados à segurança internacional e economia global. “A parte Quito-Moscou foi via Miami, com uma parada de 12 horas de conexão. Mas foi apenas uma saída do país”, disse o ex-diretor.

Segundo esse relato, as passagens dessa viagem custaram R$ 64 mil. Coimbra não soube informar esse detalhe: “Os custos não são repassados para nós. Apenas mandamos a solicitação de viagem e justificativas. O setor de viagens faz a compra direto com a agência. Somente recebemos o código. Viagens e agência que acertam o valor”.

Sobre as viagens de Coimbra, a atual diretoria da Apex afirmou que, "na verdade, a despesa foi ainda maior, uma vez que foram pagas também estadias em hotéis". A Apex também comentou os afastamentos constantes do ex-diretor: "O cargo de Gestão Corporativa, exercido por Marcio Coimbra, demanda a presença constante na sede da agência, uma vez que suas atribuições envolvem a infraestrutura, tecnologia da informação, recursos humanos, aquisições, orçamento e financeiro, que dizem respeito ao dia a dia da empresa".

Na atual administração, durante 20 meses, o diretor de Gestão, Edervaldo Teixeira, fez apenas duas viagens internacionais, para Bogotá e San Francisco (EUA), com despesas de de R$ 24,7 mil, sendo R$ 14,5 mil em diárias.

Dez cidades e sete países

Segóvia esteve em 10 cidades de sete países em dois anos de mandato. As despesas pessoais com diárias e passagens somaram R$ 120 mil. Mas ele foi acompanhado por servidores da agência. Nas missão empresarial à Pequim, Abu Dhabi, Dubai, Riad, Doha, quando acompanhou a comitiva do presidente Jair Bolsonaro, e em visitas a feiras em Dubai e Shangai, os gastos da equipe da Apex com passagens chegaram a R$ 270 mil.

Após cumprir a missão empresarial, Segovia retornou a Dubai para a inauguração do site "pavilhão do Brasil" na Expo Dubai, com a participação dos organizadores da Expo e autoridades locais. Em seguida, retornou à China, desta vez para Shangai, para participar da abertura oficial da feira CIIE como representante oficial do Brasil.

Segovia também esteve em Washington, Londres, Frankfurt, Jerusalém e Buenos Aires. Em Jerusalém, a Apex realizou evento de inauguração de seu escritório na cidade, com a presença do primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, do deputado Eduardo Bolsonaro, e de autoridades e empresários israelenses.

Segovia fez nova visita a Dubai, de 18 a 25 de março de 2020, acompanhado de cinco funcionários. O custo ficou em R$ 124 mil. A viagem foi para organizar e operacionalizar os pavilhões do Brasil na feira Gulfood, de alimentos e bebidas.

As viagens internacionais de 2020 foram até março. No dia 4 daquele mês, Segovia foi a Washington, com uma equipe de cinco assessores. Mais uma despesa de R$ 75 mil. Foi uma viagem para participação em feiras e eventos. Depois, as viagens foram suspensas por causa da epidemia da Covid-19.

Três funcionários estiveram no Vietnã e Indonésia de 11 de novembro a 1º de dezembro de 2019. Cada um deles recebeu 21 diárias num total de 12 mil euros. Foi uma missão prospectiva para avaliar o potencial e as características de mercado destes países como destino para as exportações do setor de alimentos e bebidas do Brasil.

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“O ministro cometeu estelionato”

O embaixador Mario Vilalva, que presidiu a Apex no início do governo Bolsonaro afirma que realmente houve gastos desnecessários com viagens de servidores, principalmente Coimbra. Segundo ele, isso ocorreu porque o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que é presidente do Conselho Deliberativo da Apex, mudou o estatuto da agência e deu mais poderes aos diretores de Negócios, Letícia Castelani, e de Gestão, por ele indicados, como representantes da ala ideológica do governo.

“O ministro das Relações Exteriores cometeu um crime de estelionato porque alterou o estatuto da agência, na calada da noite, sem que ninguém soubesse, sem que o Conselho tivesse a oportunidade de debater o assunto. À luz do direito, ele havia dado publicidade porque colocou num cartório, mas não lhe deu transparência. Apenas os dois diretores sabiam. Quando soube, fiz a denúncia pública. Fui demitido. No Brasil é assim, quem denuncia o que está errado acaba sendo a vítima”, afirmou Vilalva ao blog.

Com base nesse novo estatuto, os diretores passaram a autorizar os próprios gastos. "O que um diretor de gestão vai fazer nos Estados Unidos ou na China? Se fosse a diretora de Negócios...”, comentou Vilalva. Ele afirmou que os diretores foram indicados pelo ministro das Relações Exteriores. “Isso, inclusive, consta em ata do Conselho Deliberativo”, disse.

Os relatórios de viagens da Apex entregues ao blog registravam, porém, uma passagem de R$ 47 mil para Washington em nome de Vilalva, no dia 16 de março de 2019. Ele afirmou que foi convidado para integrar a comitiva presidencial, mas não havia lugar no avião oficial. Solicitou, então, uma passagem. “Quando soube do preço, eu desisti. Disse à chefe do cerimonial: ‘não vou porque tenho vergonha de usar uma passagem nesse preço’”, lembrou o ex-presidente. Na quinta-feira (28) ele procurou a Apex e solicitou esclarecimentos. A agência reconheceu que a passagem foi cancelada. Procurado pelo blog, o ministro Ernesto Araújo não quis comentar as acusações de Vilalva.

Expansão da Apex no exterior

Coimbra contesta a afirmação de que o diretor de Gestão não deveria viajar para o exterior. “Ele tem uma visão equivocada. A gestão dos escritórios da Apex no exterior era minha. O antigo DGC antes de mim, por exemplo, foi a todos os escritórios do exterior, inclusive Cuba e Angola, que mandei fechar. Eu estava começando a gestão da expansão da Apex no exterior. Israel, por exemplo, foi concretizado depois da minha ida. Os militares deixaram de implementar meu projeto de expansão. Implementaram apenas Israel”.

O ex-diretor cita outro exemplo: “Faríamos uma parceria com os Secom's do Itamaraty. Por isso fui a Tóquio, por exemplo. Lá o projeto era esse. Se Vilalva desconhece isso é porque estava bem distante da gestão da agência, o que justifica sua saída do cargo, inclusive. Ele aprovou esses projetos. Minhas viagens eram para a implementação da expansão da Apex no exterior, seguindo o exemplo canadense, com mais funcionários fora do que no Canadá – o oposto do Brasil”.

Com a demissão de Vilalva, o presidente Jair Bolsonaro nomeou o contra-almirante Sérgio Segovia para o cargo de presidente, seguindo a estratégia de militarização do seu governo. O presidente escolheu um vice-almirante da reserva, Edervaldo Teixeira, para a Diretoria de Gestão Corporativa.

Depois, nomeou mais 10 militares – generais, almirantes e capitães de mar e guerra – para cargos de direção, gerência e coordenação. Eles acumulam a aposentadoria de militar com o salário da agência, chegando à renda de R$ 84 mil, no caso do general Mauro Lorena Cid, chefe do escritório da Apex em Miami (EUA). Segovia tem renda bruta de 76 mil. O salário de presidente da Apex é R$ 53 mil. Os diretores recebem R$ 46 mil.

Transparência opaca

O blog recebeu informações sobre elevados gastos também em governos anteriores e solicitou à Apex-Brasil a relação de passagens e diárias de 2003, quando a agência foi criada, até 2020. A agência respondeu que dispõe dos dados consolidados sobre passagens e diárias a partir de 2019.

Argumentou que, em virtude do amplo detalhamento e período das informações demandadas, o levantamento das informações para anos anteriores a 2019 “exigiria trabalho adicional de consolidação de dados, causando prejuízos às atividades rotineiras da área, o que inviabiliza seu atendimento, tratando-se assim de um pedido desproporcional”, nos termos Decreto 7.724/2012, que regulamenta a Lei de Acesso à Informação. Em resumo, daria muito trabalho.

A divulgação de dados a partir de 2019 têm transparência opaca. O “motivo” da viagem é descrito de forma resumida: viagem para participação em feiras e eventos, viagem a trabalho – internacional, viagem para acompanhamento de projetos e viagem para reunião de negócios. Não há informações sobre o tipo de evento nem com quem os diretores se reúnem.

A Apex promove produtos e serviços brasileiros no exterior e procura atrair investimentos estrangeiros para setores estratégicos da economia brasileira. É uma associação de direito privado, de interesse coletivo e de utilidade pública, qualificada como serviço social autônomo – uma entidade do “terceiro setor”. É mantida basicamente com contribuições sociais pagas por empresas privadas – cerca de R$ 500 milhões por ano. Mas é controlada pelo governo federal.

Apex justifica viagens

A Apex apresentou ao blog as suas justificativas para viagens. Afirmou que, na viagem para a China e Oriente Médio, a missão tinha presença da comitiva presidencial, mas também agenda de negócios e palestras para apresentação dos projetos de investimentos em áreas como infraestrutura, energia e agricultura. A Apex-Brasil realizou também visitas técnicas com os empresários brasileiros.

Na viagem a Frankfurt, o presidente participou da feira Anuga, realizada em Colônia, uma das maiores do mundo do setor de Alimentos e Bebidas. Em Dubai, esteve na inauguração do site do pavilhão do Brasil. Em Nova Iorque, o presidente foi palestrante em evento SDGs in Brazil – The role of the Private Sector, sediado nas Nações Unidas e promovido pela Global Pact.

Na viagem a Miami e Washington, de 4 a 11 de março de 2020, Segovia liderou missão empresarial que reuniu empresários brasileiros e americanos, foram apresentados projetos com potencial para atração de investimentos.

A Apex afirmou ao blog que as regras para viagens são estabelecidas nas Instruções Normativas, que prevê o direito à classe executiva para o presidente e diretores. "De qualquer forma, a gestão atual tem optado sempre pela classe econômica. A aquisição da passagem é feita pela Apex-Brasil, seguindo o critério de economicidade. São selecionadas sempre as opções e trechos mais em conta, oferecidos pelas companhias aéreas". Após a publicação da reportagem, o funcionário Marco Poli afirmou ao blog que não fez a viagem para São Francisco, com passagem no valor de R$ 20 mil, incluída na lista das mais caras. O seu nome foi retirado da lista.

As viagens mais caras

funcionáriodatacidadepassagemdiárias
Marcio Coimbra28/abrWashington/Miami36.922
Antônio Brandão10/maiShanghai/Beijing32.533Euro 2010
Marcio Coimbra02/marTokyo28.009
Marcio Coimbra28/abrWahington/Miami27.113
Marcos Coimbra03/maiLondres25.404Euro 900
Marcio Coimbra08/marDubai25.349Euro 4200
José Augusto Amaro05/marBeijing24.826US$ 2.400
Marcio Coimbra30/marTel Aviv21.231
André Ramos10/maiShanghai20.844
Luciana Bortolotti03/maiMoscou19.675Euro 1500
Thiago do Val03/maiHouston18.332US$ 1.800
Cibele Frandulic Shimono11/novHo Chi Minh/Hanoi16.295Euro 4000
Guilherme Nacif11/novHo Chi Minh/Hanoi16.295Euro 4000
João Pimenta11/novHo Chi Minh/Hanoi16.295Euro 4000
Marcio Coimbra03/maiDoha15.811Euro 1500
Roberta Viana20/outBeijing15.611Euro 1800
Sérgio Segovia20/outBeijing/Shanghai15.499Euro 5400
Fonte: Apex
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