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A campanha eleitoral já começou, basta visitar as cidades de qualquer estado para perceber que os deputados federais e estaduais, agora dotados de volumes recordes de emendas parlamentares, estão financiando projetos públicos de toda a magnitude.
Os parlamentares hoje são detentores de um poder financeiro inédito na história, ao mesmo tempo que as prefeituras não poderiam estar em maior estado de carência absoluta.
Diante dessa situação, uma mão acaba lavando a outra, o que causa grandes distorções: cidades que dependem de emendas parlamentares para sobreviver, recebendo volumes gigantescos de verbas, e alguns deputados até competindo para enviar uma emenda maior para essas cidades, para tentar obter os apoios de prefeitos e vereadores.
Têm orçamento, mas não podem fazer nada
Esse é um ponto que precisamos analisar com profundidade. É notável ver como tanto prefeituras de grandes ou pequenos orçamentos, na casa de 50 milhões de reais até 6 ou 7 bilhões de reais anuais, sofrem com o mesmo problema: financiar as políticas públicas pelas quais foram eleitos.
A que isso se deve? A maior parte das despesas das prefeituras está limitada por lei, seja federal, estadual ou mesmo municipal. Dessa forma, o prefeito tem pouca flexibilidade no uso desses recursos. Em termos técnicos, as despesas estão vinculadas.
Trata-se de um agravante, pois já existia dependência das receitas vindas de repasses estaduais e federais, na faixa de 40 a 65 por cento, em média. Agora, com a reforma tributária, se não for abandonada, essa dependência deve crescer, ou seja, de 70 a 90 por cento das receitas serão oriundas de repasses estaduais e federais.
Isso significa que haverá mais vinculação de despesas e que a relevância dos deputados federais e estaduais com suas emendas vai aumentar também. Por quê? As emendas dos deputados não são vinculadas e elas trazem a parte do orçamento que é livre, à discricionariedade da prefeitura.
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Casamento destrutivo do modelo
Portanto, criou-se uma relação destrutiva do modelo político brasileiro: os prefeitos, mesmo de cidades autônomas, ficam na situação de mendicância a deputados federais e estaduais para que venham oferecer recursos livres de vínculos que lhes permitam executar as promessas de campanha. O que isso tem a ver com a missão do deputado estadual ou federal? Nada.
A função do deputado é legislar e vistoriar o Poder Executivo, só que agora, na prática, a maioria foca em satisfazer suas relações com as prefeituras. Lembrando que eles estão com repasses recordes em emendas parlamentares.
Portanto, a maioria dos deputados hoje dá prioridade a receber emendas e satisfazer seus cabos eleitorais - prefeitos e vereadores - para que de maneira direta ou indireta possam comprar votos, ou aliciar eleitores para sua próxima campanha
Aqueles que defendem o atual modelo são equivalentes a viciados que fumam e cheiram tudo o que é droga e depois, hipocritamente, reclamam do narcotráfico e da violência
Esse é apenas um dos erros de modelo do sistema político brasileiro. É o sistema que precisamos reformar, voltar à prancheta, à base. Esse é um modelo falido, porque agora os recursos que vão para esses deputados competem com os recursos que vão para financiar educação, obras de infraestrutura, previdência e saúde, e estão sendo direcionados a parlamentares.
O argumento principal de quem defende o status quo é que os deputados têm uma visão mais granular de onde deve ser investido o recurso, sabem quem está precisando, pois os hospitais, as prefeituras e outras entidades vêm a eles com suas demandas.
É uma interação justa, mas não é boa. Primeiro, porque os orçamentos estaduais e federais deveriam ser compostos de tal maneira que já contemplassem essas demandas, muito mais de baixo para cima do que de cima para baixo.
Depois, é constitucional o princípio de orçamento participativo, em que os diferentes segmentos de uma cidade ou estado definem suas prioridades e disso se extrai um orçamento para as alocações que devem ser feitas. Não faz sentido um deputado, alheio a esse processo, decidir se este ou aquele setor deve ser contemplado. A alocação de recursos feita por um deputado é somente de interesse eleitoral.
Por isso, devemos alterar o modelo
São detalhes que se atropelam e acabam violando todo o sistema representativo e por isso hoje não temos um parlamento federal nem uma assembleia estadual. O resultado é uma farsa de Congresso Nacional e Assembleias.
Corrupção? Não mencionamos também as rachadinhas e rachadonas que derivam desse grande desvio de função. Diga-se de passagem, é provável que essa seja a maior motivação para a defesa do atual modelo e da candidatura de vários prefeitos, vereadores e deputados.
A partir daí, é explicável a escolha de presidentes da Câmara e do Senado: alguém do sistema que defende os esquemas atuais. Do perfil desses presidentes dos legislativos, se percebe que são entidades sem brilho, sem propostas e sem opinião. São pessoas que vieram desse meio, negociadores de emendas, cargos e nomeações. Os que têm brilho, proposta ou opinião não são escolhidos, pois podem colocar essa engrenagem em risco.
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Há saída?
Claro que sim e é simples, mas precisa de gente honesta no comando da Câmara e do Senado. O primeiro passo é acabar com as emendas individuais, e o segundo é dar mais autonomia aos municípios no uso de seus recursos. Isso feito, o incentivo para se perverter o modelo representativo é reduzido drasticamente.
Minha missão individual tem sido conscientizar os eleitores como esse jogo funciona e o que é o sistema, na prática, para não eleger representantes que não enxergam esse erro, que se acomodam e que não pensam em melhorar nada no sistema representativo.
Não temos um modelo representativo de fato, com Assembleias e Congresso idôneos na sua função, entregamos o país à tirania do Executivo, do Judiciário ou da burocracia em que o dinheiro público é usado para atender a corporativismos, oligarquias e grupos de interesse.
A campanha eleitoral já começou e fica esse meu alerta para todos os eleitores que querem mudança de verdade em 2026.
Conteúdo editado por: Aline Menezes