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Voltamos às ruas, e agora?
| Foto: EFE/ Sebastiao Moreira

Eu estava entre as dezenas de políticos e representantes do povo no dia 25 de fevereiro. O chamado de volta às ruas à população brasileira foi o mais importante ato, e os discursos quase que se fizeram desnecessários, uma vez que só a aglomeração em si já bastaria para dar o recado: a população tem força, já o governo... Parlamentares e membros do Executivo do Brasil inteiro, que muitas vezes não abrem mão do palanque, demonstravam satisfação em estar presentes, mesmo sem se manifestarem individualmente. 

Foi o rompimento de um hiato que se configurou desde as eleições de 2022. A gigante manifestação contou com mais de 1 milhão de pessoas na região da Paulista. Os números são meus e de muitos ativistas que vivenciaram a mesma experiência de rua desde 2014, tendo que ler no dia seguinte a mesma contabilidade fajuta da imprensa, que minimiza números e debocha dos que fizeram grandes esforços para estarem ali em um domingo, sob calor escaldante e de forma voluntária. 

Rompendo o silêncio

O significado principal do ato, entretanto, foi a ruptura de um hiato, o enorme silêncio que tomou conta da população desde as eleições de 2022 e esvaziou o movimento de oposição. Uma ausência profundamente enraizada no medo. Desde a manhã do dia 25 a tensão era patente, agravada pela detenção do jornalista português Sérgio Tavares, que veio cobrir o evento. 

Do alto dos edifícios e dos caminhões, podíamos ver que a avenida, planejada para ser fechada para a manifestação por apenas um trecho, estava lotada em sua totalidade, assim como as ruas adjacentes e paralelas, uma vez que o acesso à Paulista estava impossibilitado por uma multidão que formava um paredão verde-amarelo. Importante ressaltar que não entraram na conta os inúmeros passageiros de carros e ônibus, que estavam parados em congestionamentos nas estradas federais “em obras”, agendadas providencialmente no dia da manifestação; nem os muitos outros que não conseguiram embarcar nos aeroportos por overbooking nos voos, devido às passagens esgotadas.  

Retenção do jornalista

Sérgio teve seu passaporte confiscado, foi colocado em sala isolada, sem direitos, e foi submetido a interrogatório por policiais federais, sendo liberado quase quatro horas depois, devido à intervenção da embaixada de Portugal e de seus advogados. Por incrível que pareça, esse fato se tornou tão relevante para a mídia internacional quanto o ato em si.  

A imprensa internacional sempre teve fácil acesso ao Brasil e seus direitos respeitados, pois são agentes para o trânsito de informação ao público mundial. O cerceamento de seu trabalho deixa clara a falta de liberdade de um país. 

Pergunto-me a mando de quem houve a seleção específica deste jornalista e não de outros. Só os países mais fechados prendem jornalistas. Nesta semana, enviamos de nosso gabinete um requerimento ao ministro da Justiça para esclarecer os fatos. 

Repercussão internacional

Diante do ocorrido, o recado que este governo mandou ao mundo foi claro: No Brasil, a imprensa livre, seja nacional ou internacional, não é bem-vinda, apenas os veículos “chapa-branca”, ao estilo das ditaduras de Cuba, Venezuela e Coreia do Norte. A detenção arbitrária de um agente de imprensa estrangeira não foi um fato isolado, uma vez que temos exilados também jornalistas brasileiros perseguidos por crime de opinião, como é o caso de Allan dos Santos.

Todavia, como hoje a notícia alcança repercussões exponenciais, em nota, o partido ADN, de Portugal, ligado à bancada evangélica, exigiu que o presidente Marcelo Rabelo de Sousa e a embaixada no Brasil interviessem contra o que considerou uma “perseguição fascista de uma extrema-esquerda que apoia o presidente Lula”.

Próximos passos

Depois dos discursos, vários que assistiam se perguntavam o que fazer.  Agora têm uma lição de casa: orientar a base sobre os próximos passos. Onde está a organização da sociedade para se contrapor a uma guerra que já se instalou em seu seio? O sistema declara guerra contra a sociedade e quer impor uma ditadura e estamos levantando bandeira de paz? Não cabe à sociedade aviltada pregar a conformidade, porque este é um conceito que irá destruí-la.  

A sociedade precisa se organizar e pautar o que quer.  Não pode ficar à mercê de políticos para dizer a ela o que tem que querer e fazer.  Precisamos inverter esse protagonismo.  Todos os livros e artigos que publico apontam para esse efeito.  Na verdade, nunca deixei de ser ativista e procuro compartilhar como o sistema funciona por dentro à medida que aprendo mais sobre ele.  Hoje, como político, percebo quanto o sistema intoxica, mesmo os representantes mais fortes da sociedade, seja pelas benesses, seja pelas ameaças.

Este é o momento de pontuar reformas importantes, inclusive constitucionais, apesar de essa constituição “cidadã” que vigora ter sido exaltada por manifestantes e parlamentares.  Essa é uma questão que precisa ser mais discutida, pois o conservador por natureza quer defender a lei e a ordem vigente, mas a base jurídica atual irá nos levar ao abismo e precisamos reformá-la, até pelo fato de ela ser cúmplice de todos os desmandos e perseguições que estamos vivendo. 

A ideia de mudanças constitucionais importantes no judiciário, no sistema eleitoral, nas leis penais, no sistema tributário, etc. nunca é liderada pelos conservadores.  E quando temos um tema que nos é caro, o engajamento nunca tem a mesma intensidade e envolvimento que as forças progressistas.  É apenas uma questão de maturação do movimento, mas precisamos mudar isso logo para sobreviver, pois o sistema jurídico sob o qual vivemos foi criado pela esquerda e defender a as leis e a constituição como elas estão é fazer o jogo do inimigo.

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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