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A confusão entre militância política e adolescência tardia
| Foto: Pixabay

Se você quiser solução definitiva para todos os problemas do mundo, pergunte a um adolescente. Ele saberá explicar, inclusive, os principais erros dos pais, avós, professores, orientadores espirituais, escritores da literatura mundial e governantes de todas as eras históricas. O adolescente tem a segurança dos tolos e a inconstância dos inexperientes. Todos nós sabemos muito bem como é, mas nem todos superam com a idade.

Existe uma espécie de adolescência tardia que tem encontrado abrigo na militância política, principalmente de esquerda. E aqui não se trata de ideologia, mas de circunstâncias. A esquerda brasileira dos anos 80 era fundada principalmente nas comunidades católicas de base. Tratava-se na política de embates entre diferentes visões ideológicas sobre economia e desenvolvimento social. Há uma tendência agora de ignorar pessoas e transformar o mundo num grande divã para contrariar a geração dos pais. O grande problema é que a maioria do povo brasileiro pensa e vive como esses pais.

A esquerda cirandeira, que se julga dona dos pobres e no direito de debochar de tudo o que é importante para o cidadão comum, é minoria e novidade. Embora se imagine numa guerra contra o obscurantismo, é vista pelo povo como um Centro Acadêmico da Terceira Idade.

Agora, na ala gourmet da esquerda, a moda é tirar sarro de crente, tudo obscurantista. Não vou nem tocar no fato de ser crime, já que a lei 12015/2009, que pune racismo e homofobia, também pune preconceito religioso. E não vou falar disso porque gente fina, elegante e sincera não sofre os mesmos rigores da lei destinados a essa pobraiada que lota igreja. Falo do desprezo pelo outro e da convicção perversa de ser melhor.

Hoje, 90% dos brasileiros se dizem cristãos. As igrejas evangélicas, principalmente aquelas que pregam a fé mais simples e as neopentecostais, são importantíssimas para o povo brasileiro. Goste ou não a esquerda gourmet, é a maior manifestação religiosa popular do Brasil. O catolicismo nos foi imposto pela colonização, as igrejas evangélicas têm DNA brasileiro.

Mas as únicas manifestações religiosas de pobre que não são alvo de deboche pela nova esquerda gourmet são as de matriz africana. E não pense que se importam com a África, os africanos ou tenham tido o trabalho de pesquisar sobre essas religiões. Mas essa coisa de idealizar a África como se fosse uma unidade pega bem, inclusive porque é feita de longe. Posar de salvador da África em país africano periga render umas chineladas para tomar vergonha na cara. Mas dá para fazer de outra forma, postar "mas e o candomblé?" a cada salmo postado no Instagram. É uma forma bem adulta de fazer política e ser ouvido pelas pessoas mais simples.

Outra coisa que está na moda debochar é de cantor sertanejo, cantor gospel, pagodeiro e programa de auditório. Isso tudo é um lixo. A cultura genuína do Brasil pode até ter pobre no meio e nenhum valor cultural, desde que seja cult. O funk, por exemplo, esse sim é uma manifestação cultural legítima do povo para a nova esquerda e que empodera a mulher. Esqueça Marília Mendonça, Maiara e Maraísa, o feminejo inteiro. Quem entende de povo é a esquerda.

O fato é que sempre houve figuras assim transitando na política, só que nunca foram centrais porque isso não é fazer política, é fazer da política um divã. Debochar sistematicamente de tudo o que é importante para o povo desconecta o grupo político da base da sociedade, fundamental para fazer política. Se a esquerda ganhou espaço nos anos 80 é porque, mesmo pregando avanços progressistas, não ridicularizava a família tradicional, os valores conservadores da sociedade e a religiosidade do povo brasileiro.

Hoje, o governador do Espírito Santo, que é de esquerda, é vítima da própria esquerda gourmet. Como ela criou uma fantasia coletiva para que justiceiros sociais de teclado fossem convertidos em heróis no caso da menina de 10 anos estuprada pelo tio, sobrou para o governador. Nessa altura da narrativa, Renato Casagrande já está mais conservador que Witzel.

Pouco importa que ele explique novecentas vezes que o governo do Estado não desamparou a menina desde que foi descoberto o horror que se passou com ela. São inúteis os argumentos técnicos, a demonstração da parceira com outros Estados, que rendeu inclusive a prisão do estuprador. De nada adianta explicar que a pandemia de coronavírus tem impacto em atendimentos hospitalares. Esses fatos atrapalham a versão da luta contra uma jihad conservadora obscurantista, que foi vencida gritando muito no Twitter.

É importante para o povo saber o que foi feito com o bebê. Tente perguntar numa rede social e receba o deboche como resposta. Afinal, o direito ao aborto seguro blablablabla... Não é essa a questão. A tecnologia evolui. Quando essa lei foi feita, era absolutamente impossível um feto de 22 semans sobreviver fora do útero, agora já é. Por que o Judiciário decidiu por uma injeção letal? É isso o que constava da ordem judicial, um procedimento chamado infusão KLC. Debochar de quem pergunta algo do gênero e interromper a discussão explica por que a esquerda não tem conseguido ser ouvida.

A última fronteira da militância adolescente é exigir que ninguém mais chame mulher de mulher, agora é pessoas que menstruam ou pessoas com colo do útero. Pensa numa maneira inteligente de ser levado a sério pela população mais simples do Brasil.

Esse tuíte da CNN, do qual o comediante Piers Morgan tirou sarro, é uma recomendação de exame de HPV para "pessoas com colo do útero", não para mulheres. E ele corrige: não seriam mulheres? A escritora J. K. Rowling foi cancelada no Twitter por reclamar de uma reportagem que chamava mulheres de "pessoas que menstruam". Tem uma explicação: as mulheres trans sentem-se excluídas ou confusas ao ler essas reportagens.

Há quem se sensibilize com o argumento e considere que as pessoas trans podem se sentir muito ofendidas ao ouvir uma mulher ser chamada de mulher, como sempre ouviram a vida toda. Difícil entender. Imagine as maiores lutas e transformações da sua vida. O que te fez perder o medo de coisa besta? Você acha possível que uma pessoa que já passou pela experiência de se apresentar publicamente com a identidade sexual diferente da que nasceu se abala porque chamamos mulher de mulher? Bem difícil.

A questão mais importante é o quanto fica difícil levar a sério quem entra em brigas violentas e intermináveis por questões como essa num país com tantos problemas estruturais gravíssimos. Para a maioria pobre, trabalhadora, conservadora, tudo bem você ter uma porção que defenda esses pontos de vista que a esquerda gourmet tem defendido.

Todo mundo, num determinado momento, tem adolescente em casa. E nós sabemos bem como é conviver com quem sabe pouco da vida, acha que sabe muito e tira sarro de tudo o que é importante para os mais velhos. Uma coisa é conviver com os adolescentes da família ou da política, outra coisa bem diferente é topar ser governado por eles. Melhor um adulto com quem a gente tenha discordâncias.

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