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Desde que o ESG virou ativo valioso para as empresas tem gente tentando fazer versões mequetrefes. Hoje, no mercado corporativo, se dá uma importância enorme aos 3 eixos de governança: corporativa, social e ambiental. Environmental, Social and Corporate Governance, a tal da ESG, custa muito caro e dá um trabalho danado porque a gigantesca maioria das empresas não nasceu assim.

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O legado empresarial hoje engloba também o tipo de interferência da empresa na sociedade e como a modifica para as próximas gerações. Esse é o problema do ESG, não tem como faturar no marketing no curto prazo. Por isso, no Brasil, já está na moda o que eu batizei de "ESG de Taubaté". Em vez de gastar uma fortuna promovendo governança social e ambiental, você bota uma grana numa propaganda lacradora e finge que é a mesma coisa. Bia do Bradesco, sabe?

O banco diz que está promovendo uma campanha contra o assédio e usa como carro-chefe do marketing a inteligência artificial criada para atender os clientes. Trata-se de um produto capenga devido ao estado de evolução dessa tecnologia e à realidade da interface com o usuário. Você já usou assistência da Bia do Bradesco? Tente. Não dá certo. Quer dizer, dá super certo se o seu objetivo for passar nervoso.

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Inteligência artificial precisa ser treinada na interface com cada usuário. A tente também precisa aprender como fazer isso. E, vamos confessar, a maioria não sabe, não tem tempo nem paciência. É o meu caso. É indecente e misógino comparar o assédio sofrido por mulheres reais, com todas as suas consequências, à reação de alguém gritando com uma máquina que não funciona direito.

A tentativa de transformar um limão em limonada por meio de publicidade da lacração é um desrespeito com as mulheres. O problema da Bia é que o próprio Bradesco havia programado respostas misóginas, comparando estupro com namoro, por exemplo. Agora mudou para respostas igualmente misóginas, que equiparam dores reais de mulheres em situações graves a alguém dizendo, "que b*sta de chat" diante da frustração com o funcionamento dele. Desde quando isso é luta contra assédio?

Claro que a internet não perdoa. Geral já sabia que a tal da Bia não acha as coisas que a gente pede nem com corrente de oração. É mais rápido ir até a agência, pegar a fila do covidário e falar com o gerente do que conseguir fazer o que você quer pedindo à inteligência artificial. Quando mudaram as respostas, a interface continuou igualzinha. Vocês sabem que a única indústria em franca ascensão no Brasil é a da zueira. Ela entrou em ação mostrando que a Bia do Bradesco continua com os mesmos problemas.

Segundo a propaganda lacradora, "inspirados pelo movimento "Hey, atualize minha voz", da UNESCO, mudamos as respostas da BIA para que ela reaja de forma justa e firme contra o assédio. Sem meias palavras. Sem submissão. Porque, se queremos construir um futuro com mais respeito, precisamos dar o exemplo AGORA". O banco gastou uma fortuna com a campanha da lacração e nem assim a inteligência artificial parou de elogiar machismo e confundir estupro com amor.

A diferença prática é que agora aparece lição de moral quando, por exemplo, a Bia não entende o nome do cliente. Com o novo conjunto de respostas pré-programadas, a assistente virtual elogia nazismo e fetos enlatados, mas compara ir à missa a estupro. Não me parece que a campanha da UNESCO recomende essas práticas. Eu não entendo nada de banco, mas talvez tivesse sido melhor gastar o dinheiro da campanha lacradora em desenvolvimento de inteligência artificial.

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O Bradesco propagandeia como se fossem iniciativas contra o assédio outras ações de marketing. Por exemplo, entrou na Aliança sem Estereótipo, "movimento que visa conscientizar anunciantes, agências e a indústria da propaganda, em geral, sobre a importância de eliminar os estereótipos nas campanhas publicitárias". Como diria o grande João Kleber, "para, para, para, para". Vão desativar a Bia? Não tem estereótipo mais gongado na área de inteligência artificial do que toda assistente ser mulher. Por que não é homem? Por que não é uma voz robótica, neutra, sei lá?

O Bradesco também aponta que entrou na Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas. Bancos estão entre os maiores anunciantes publicitários do Brasil. Agências de publicidade e veículos de comunicação vira e mexe aparecem nos escândalos de assédio sexual que chocam o Brasil. Talvez fosse uma boa ideia usar o poder do banco para pedir providências em casos reais. Mas não precisa, né? Imagina que a Bia botasse a cara num lugar que culpabiliza vítimas de assédio para falar contra o assédio. A lacração não iria perceber.

A ideia de influenciar as políticas internas dos stakeholders com relação a assédio nem é minha, é da própria Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas. Quem acompanha onde a campanha da Bia contra o assédio foi divulgada imagina quais são os critérios da tal coalizão para admitir uma empresa. Maldosos diriam que é o marketing, mas eu creio que não.

As empresas que fazem parte do grupo da Coalizão Empresarial Pelo Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas têm, em comum, os seguintes guias:

  • Garantir um ambiente de trabalho seguro para que funcionárias, vítimas de violência, tenham acesso ao suporte e apoio necessários para que sejam compreendidas e tratadas com justiça quando procurarem ajuda ou relatarem abusos dentro ou fora das dependências da empresa.
  • Promover campanhas de comunicação e conscientização interna sobre o enfrentamento à violência contra mulheres e meninas para que funcionários da empresa e demais stakeholders tenham conhecimento e informações para reconhecer e saber o que fazer diante das violências.
  • Compartilhar os resultados das ações lideradas pelas empresas, com o grupo, de forma periódica.
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Como o Bradesco trata suas clientes que são vítimas de assédio? Políticas afirmativas para mulheres são a melhor forma que um banco tem de combater o assédio, já que livra mulheres reais de situações de violência ou de arcar com as consequências da vingança do assediador. Isso não é novidade. O pioneiro Grameen Bank, no século passado, já tinha 95% de sua clientela composta por mulheres, com condições especiais. Claro que patrulhar linguagem com inteligência artificial é bem mais fácil.

Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank, ganhou um Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho. É uma experiência pioneira, de sucesso e economicamente sustentável de microcrédito. Serviu de modelo para o mundo todo, adaptada da realidade de Bangladesh para a realidade das diversas culturas onde esteve inserida. O banco começou na década de 1970 como pesquisa universitária e, uma vez que se chegou a uma fórmula de viabilidade comercial, começou a operar. As portas foram abertas em 1983.

As operações continuaram sendo fontes para pesquisa da operação financeira focada em microcrédito. Mulheres são 95% dos clientes do Grameen Bank. O banco viu aí um mercado interessante, dada a dificuldade de entrada do público feminino no sistema bancário de Bangladesh. No Brasil, a situação não é tão diferente. E quem diz isso não sou eu, é a ministra da agricultura de Bolsonaro, Tereza Cristina:

Eu, sinceramente, não entendo mais nada. A lacração, que se gaba de defender mulheres, torra dinheiro de banco em campanha de patrulhamento de linguagem direcionada a um robô que funciona mal. Quem precisa falar que há defasagem no acesso a crédito para mulheres e precisamos reverter isso é a ministra do governo Bolsonaro, machistas, fascistas, não passarão. Não seria mais eficiente ter colocado esse dinheiro da mega propaganda na melhora de crédito para mulheres? Ah, muito difícil.

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Em julho do ano passado, a ministra Tereza Cristina alertou que, no meio rural, mulheres tem menos acesso a crédito, cooperativismo, tecnologia e mecanização. "Isso representa um potencial econômico perdido, ministro Paulo Guedes, por isso é tão importante essas linhas de crédito para possibilitar a melhoria de vida dessas mulheres. Empoderar as mulheres rurais, portanto, é promover o crescimento e a produtividade da agricultura", discursou a ministra Tereza Cristina. Há inúmeros trabalhos acadêmcos feitos sobre o modelo do Grameen Bank e outros corroborando o que diz a ministra. Empoderar não é sobre dar conselho, é sobre dar condições. (Com essa frase, já posso reivindicar uma carteirinha de lacradora.)

O que muda na vida de mulheres reais e vítimas de assédio patrulhar a linguagem usada com uma máquina que não funciona direito? Ninguém sabe. Não há um único trabalho científico atestando que a patrulha de linguagem melhore a vida das pessoas. Há vários mostrando o oposto. Há mais ainda mostrando a diferença que iniciativas financeiras fazem na vida de mulheres vítimas de violência. Houve uma escolha entre ação e lacração. Ela fala mais sobre o banco ou sobre nós, como sociedade?

A lacração é um modelo de noção mística de superioridade moral com base em negacionismo científico e etimologia freestlyle. Na lógica do grupo, que busca por purismo e por isso tende a autoritarismo, controlar vocabulário é uma forma de acabar com o preconceito. É um direito do grupo essa crendice sem nenhum embasamento científico, empírico ou caso de sucesso. Aliás, continua sendo um direito acreditar que patrulha da linguagem melhore alguma coisa mesmo quando toda experiência humana do tipo foi um fracasso retumbante.

Estivemos, em um momento, diante da mesma oportunidade que esteve na mesa no Grameen Bank. Havia disposição, apoio e dinheiro para promover mudanças reais na vida de mulheres vítimas de assédio. Um banco tem o poder de transformar histórias e elas dariam uma publicidade inesquecível. Por que a opção pelo fingimento, por ações de comunicação sem comprovação de efetividade nem na vida real nem na imagem da empresa? Mudar vidas muda a imagem de um banco. Espero que revejam as prioridades.