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formula matemática
Em boa parte dos currículos e textos destinados a defender a afromatemática o que prevalece é o viés político.| Foto: Unsplash

Você já deve ter ouvido falar em Afromatemática. É um dos melhores exemplos de como o identitarismo, movimento de elite que esculhamba pautas identitárias, consegue apodrecer tudo aquilo em que põe a mão. O conhecimento matemático, abstração para explicar o universo de forma lógica e mensurável, é talvez o maior fenômeno transcultural.

Em todas as culturas a matemática é rigorosamente a mesma, não muda. Pessoas somam, subtraem, dividem, multiplicam, explicam a natureza, as estações, a posição dos astros, calculam regime de chuvas, tempo de gravidez, idade de crianças em todas as culturas. Então o que seria essa tal de Afromatemática?

Ela surge originalmente no continente africano e não é questionando a matemática, é para que os métodos de cálculos criados lá, berço da matemática (até onde se sabe), também fossem utilizados em outros países. Isso já acontece, por exemplo, com o ábaco, que existe nas escolas até hoje. A origem nunca foi comprovada, mas pode ser da região onde hoje é o Iraque (Mesopotâmia), Egito ou Índia. O desenvolvimento para versões mais atuais começou na China.

O instrumento matemático mais antigo do mundo é o Osso de Lebombo, com idade estimada entre 43 mil e 44.200 anos. Ele tem entalhes que seriam usados para cálculos matemáticos exatamente iguais aos que fazemos hoje no mundo todo. Há um outro famoso, o de Ishambo, com 20 mil anos, que tem já aritmética clássica.

Nessa época, outros povos também já haviam desenvolvido sistemas matemáticos simbólicos, inclusive aritméticos. O cálculo não muda e continua igual até hoje. A variação está nos símbolos utilizados.

Eu pensava que os nossos números, que aprendi serem indo-arábicos, hoje eram universais. Descobri que não quebrando a cara. Viajei sozinha ao Egito e imaginei que ia me virar como sempre em países cujo idioma não domino. Aprendo algumas coisas e me viro com dinheiro olhando os números. Doce ilusão. Veja como eles representam os números em tudo: casas, ruas, preços, placas de carro, etc.

E o que o continente africano poderia nos oferecer em termos de matemática? Métodos diferentes de calcular as mesmas coisas que podem ser interessantíssimos, sobretudo para despertar o gosto pela matemática nas crianças. Você certamente aprendeu tabuada como eu, na decoreba. Outro dia descobri a tabuada em matriz e fiquei encantada para sempre.

A representação visual da abstração matemática tem um efeito mágico sobre a nossa cognição. Não precisamos de palavras para entender. Imagine, por exemplo, estudar algoritmos por meio das imagens. É uma possibilidade que existe usando a escrita matemática Sona, hoje patrimônio imaterial de Angola. (Aqui mais completo).

Os Sona eram originalmente uma forma do povo Tchokwe contar histórias escrevendo na areia. Eles são, na verdade, gráficos delineáveis feitos sem levantar o dedo nem passar duas vezes por cima da mesma linha. O primeiro passo é criar os pontos equidistantes, os chamados tobe. Eles formam uma grelha de pontos que dá suporte à linha, a lusona. O gráfico acima é a palavra amizade.

E como vai usar isso na matemática? "Serve, no campo da matemática, para ajudar os alunos a fazer cálculos de todos os níveis. No processo de aprendizagem, são jogos matemáticos que os mais velhos utilizam na região para transmitir conhecimentos e experiência. Daí o seu impacto no processo de aprendizagem", explica o reitor da Universidade Lueji A'Nkonde, Carlos Yoba, em entrevista ao New Journal.

Há matemáticos e linguistas do mundo todo que estudam os Sona, uma integração fantástica entre a matemática e a linguagem ainda não decifrada completamente. É um fenômeno parecido com o da intersecção entre a matemática e a música. Não há dúvidas de só há benefícios em conhecer mais formas utilizadas para compreender conhecimento abstrato.

Um livro fantástico sobre isso é o "The Universal Book of Mathematics", do professor David Darling, que hoje também tem uma página de internet e um canal no YouTube que ensina ciência de uma forma encantadora. Ele explora as várias soluções matemáticas que o ser humano desenvolveu para compreender o universo. Tem exemplos do mundo todo e de diversas épocas históricas diferentes.

E como o identitarismo conseguiu esculhambar algo tão encantador e, acima de tudo, objetivo e mensurável? Nunca duvide do parque de areia antialérgica da sociedade. A prioridade é sinalizar virtude, dizer ao coleguinha "olha prá mim, eu sou tão legal porque protejo minorias". Danem-se a realidade, a verdade objetiva e até as próprias minorias. É assim que a Afromatemática virou uma espécie de Matemática Antirracista.

O identitarismo transformou a Afromatemática em Matemática Antirracista

Agora entramos no campo da militância identitarista, então esqueça as contribuições das diversas culturas para o conhecimento e a realidade objetiva. Para o tal do "wokeísmo", que eu chamo de identitarismo, a realidade não existe. Tudo o que nós vemos e pensamos é moldado por um sistema de oprimidos contra opressores.

O domínio dos brancos, do patriarcado e do eurocentrismo é inescapável. Quer dizer, se você começar a apontar patriarcado até em barraquinha de cachorro-quente, estão você escapa sim. Passa a ser uma pessoa desconstruída que reconhece seu privilégio (mesmo que não tenha) e luta pelas minorias (mesmo que não lute).

Como o identitarismo raciocina? A matemática foi construída pelo homem branco de olho azul. (Sei que não foi, mas a ordem é esquecer fatos, eles não importam nem existem). Assim, toda a matemática é a representação de um sistema eurocêntrico e racista do patriarcado.

Agora é que vem o pulo do gato: o negacionismo sobre identidades humanas. Todos nós temos uma identidade individual e várias identidades sociais, que podem inclusive se alternar ao longo do dia. Eu sou mãe, mulher, jornalista, professora, liberal, cristã e outras coisas inconfessáveis. Em cada situação específica uma identidade social será mais importante que a outra.

No identitarismo, esse fato científico nem existe. Todas as situações são vistas e analisadas sob o prisma de identidades sociais, opondo sempre oprimidos e opressores. Os grupos são sempre tratados como homogêneos, ignorando tanto a individualidade quanto a vida real e as ações de cada pessoa.

Para o identitarismo, a base do ensino não é o conhecimento, fórmulas e ferramentas para compreender o mundo em que vivemos. Transformar o mundo de acordo com a visão identitarista é a base do ensino. Todas as matérias têm de falar de oprimidos e opressores. Existe aí um porém: como você transforma um mundo que se recusa a conhecer? Não transforma, senão acaba a profissão de justiceiro social.

Surge então a ideia de que até na matemática a questão da opressão e do poder deve estar acima dos cálculos. O pessoal fala isso e a lacração bate palmas, diz que fulana é maravilhosa, que pessoa necessária, está educando todos nós e outras rasgações de seda vazias.

Este círculo de negacionismo e autoajuda não teria problema nenhum se não quisesse impor ao mundo suas crendices. Há anos existe um empenho em calar vozes dissonantes e carimbar com estereótipos de racista, machista, homofóbico, fascista e nazista. Não creio que a maioria acredite, ocorre que a maioria não reage com medo de ser a próxima vítima.

Nos Estados Unidos, existe uma disparidade entre os resultados de matemática dos estudantes brancos e dos negros e latinos. É algo histórico e ocorre sobretudo nos anos mais avançados. Qual a explicação woke para isso? Como a matemática é branca e eurocêntrica, o ensino vai contra as raízes culturais das minorias. Mas e os asiáticos, que têm performance melhor que a dos brancos nos EUA? Tudo bajulador do opressor.

Qual é a solução proposta pelos woke? Não cobrar mais resultados corretos dos alunos latinos e negros porque isso seria racismo. Vejam o raciocínio de Rajan Mehta, professor de Matemática e Estatística do Smith College:

"Eu diria que é menos importante saber que 2 + 2 = 4 do que saber quando este é o modelo apropriado. A razão? Está nas suas mãos agora. Telefones/computadores/calculadoras podem fazer somas para você. Eles ainda não são tão bons em dizer quando você deve somar", explicou. Entendeu? Nem eu.

Tem mais. O raciocínio da professora de matemática Laurie Rubel (que ME bloqueia no Twitter sabe Deus por que) é ainda mais interessante:

"Repita SEM PARAR 'claro que matemática é neutra porque 2 + 2 = 4. Confie nesse suposto axioma para depois mirar em pessoas (& especialmente mulheres) para assédio e ridicularização coordenados. Nunca saia desse loop porque é um que engaja fácil todo e qualquer um.

A ideia de que matemática (ou dados) são neutros culturalmente ou em qualquer forma objetivos é um MITO. Eu estou pronta para ir adiante com esse entendimento. Quem vem comigo?"

Você não entendeu errado. A proposta dos professores de matemática é NÃO ENSINAR MAIS MATEMÁTICA. Até acho meio racista eles pensarem que negros e latinos são incapazes de aprender. O pior é que estão chamando esse delírio de Afromatemática, o mesmo nome de algo completamente diferente.

O que você acha que está chegando com mais frequência às escolas? É o disparate de dar aula de matemática sem matemática ou a sofisticada ideia Sona para ensinar matemática? Claro que é a de não ensinar nada. Seria racista corrigir resultados errados dos alunos porque a matemática é uma construção social do patriarcado eurocêntrico.

Eu não estou brincando. Existe uma publicação com a qual foram gastos milhões de dólares para pregar isso. "Dismantling Racism in Mathematics Instruction" (completo aqui) diz textualmente que alunos negros e latinos não devem ser corrigidos quando errarem os resultados em matemática.

Quando você não ensina matemática a determinados grupos de alunos, que serão divididos por raça, o que vai acontecer? Quem não aprendeu matemática terá piores resultados, piores oportunidades. É algo cruel e tende a aumentar preconceitos e estigmas. Por que então os woke estão tão interessados nisso? Por sobrevivência.

A razão de viver do woke e do justiceiro social de internet em geral é chamar atenção para si como uma pessoa moralmente superior. Ele vai falar de ações que favorecem minorias e vai se gabar de cada ajuda que ele der a alguém no mundo. Ocorre que essas pessoas jamais podem andar com as próprias pernas.

O woke vive para ser o gatekeeper de minoria. As minorias oprimidas terão direitos mas só porque o justiceiro social decidiu qual direito dar a cada minoria, como e quando. Imagine que os professores sérios realmente consigam melhorar o desempenho de negros e latinos em matemática. Avalia se eles ficam iguais aos asiáticos, por exemplo. Não precisarão mais de flanelinha de minoria.

Além dessa perversidade, trazem de brinde uma outra, a estigmatização de boas ideias. Tem gente que já arrepia ao ouvir palavras como Afromatemática. O justiceiro social tende a ser chato, narcisista e com muito tempo livre. Seu trabalho de maior sucesso é fazer a maioria das pessoas pegar uma birra danada de tudo aquilo em que ele toca.

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